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A tutela penal dos direitos humanos nas democracias de opinião


Por Fábio da Silva Bozza


Hoje inicio uma série de artigos destinada à reflexão sobre a necessidade e a forma de tutela penal dos direitos humanos nas chamadas democracias de opinião (GARAPON e SALAS), com o objetivo de, ao final, tentar chegar a uma conclusão sobre sua utilidade social.

No trabalho de hoje apenas tenho como objetivo explicar algumas categorias com as quais trabalharei nos artigos subsequentes. Como nenhum trabalho acadêmico pode ser ideologicamente neutro, tanto as categorias como os referenciais teóricos utilizados demonstrarão o meu lugar de fala: o de quem está totalmente influenciado pelas teorias sociológicas do conflito, bem como pela criminologia crítica.

Quando se fala de direitos humanos trata-se de um conceito complexo, composto por dois elementos: homem e direito. Referidos elementos vinculam-se por uma relação de complementariedade e de contradição. Relação de complementariedade no sentido daquilo que, de acordo com o direito, pertence ao homem enquanto tal; e de contradição no sentido de o direito, muitas vezes, não reconhecer ao homem o que lhe pertence enquanto tal. Isso ocorre porque, na história de nossa cultura, homem e direito são definidos desde um ponto de vista idealizado reciprocamente.

O ser humano, desde um ponto de vista idealizado, é definido pela existência de sua esfera de liberdade (autonomia) e pelos recursos que os ordenamentos políticos e jurídicos reconheceram como direitos individuais e coletivos. A ideia de um direito justo depende do reconhecimento da liberdade humana e dos recursos que devem ser reconhecidos às pessoas e às coletividades para que satisfaçam suas necessidades. O conceito de direitos humanos deve ser pensado a partir da tensão entre o que é e o que deve ser, e demonstra não apenas a contradição entre o direito como é e o direito como deve ser, mas também entre o que deve ser segundo o direito positivo e o que ocorre no mundo dos fatos. (BARATTA, 2004, p. 334)

Na contradição entre o direito como é e o direito como deve ser aparecem as injustiças do próprio direito, ou seja, verificam-se determinadas normas que fazem parte do ordenamento jurídico existente e que não se amoldam a normas constitucionais ou normativas internacionais de proteção de direitos fundamentais e direitos humanos. Na contradição entre o direito positivo e o que ocorre no mundo dos fatos aparecem os comportamentos ilícitos. Referidos comportamentos podem ser: a) ações e decisões de autoridades competentes previstas nas normas jurídicas como fontes de normas individuais, como decisões judiciais ou de órgãos da administração pública que sejam contrastantes com normas superiores do ordenamento nacional e/ou supranacional, destinadas à tutela de direitos fundamentais e direitos humanos, ou b) situações ou relações sociais que violam normas nacionais ou supranacionais que protegem ou reconhecem direitos fundamentais e direitos humanos.

Parte que integra a história dos direitos humanos, caracterizada pela tensão entre ser e dever ser, é a existência de normas que criam recursos para a tutela de direitos humanos e leis que estabelecem sanções para a violação de referidos direitos (dever ser) e a escassez de estruturas idôneas para evitar e sancionar violações de direitos humanos, bem como atender as necessidades das vítimas de referidas violações (ser). (BARATTA, 2004, p. 336)

Desde uma visão não idealizada da vida, sob influência da teoria social marxista, quando se utiliza a categoria homem está a se falar de pessoas ou comunidades em sua existência real dentro de determinadas relações sociais de produção. Em determinada fase do desenvolvimento social o homem possui necessidades reais, razão pela qual referida categoria representa o reconhecimento do dinamismo do homem concreto e de suas necessidades, que, atendidas, transformam-se em suas capacidades. (HELLER, 1986)

É nas relações de produção do homem com a natureza e com outros homens que as capacidades individuais recebem contribuições. A característica de dinamicidade do homem e de suas capacidades permite concluir que “na medida em que cresce a capacidade social de produção material e cultural, e com ela o grau de satisfação das necessidades, crescem também as capacidades dos indivíduos e dos grupos, as necessidades se tornam mais prementes, mais diferenciadas”. Assim, as necessidades reais podem ser entendidas como as potencialidades existenciais das pessoas, determinadas em certo grau de desenvolvimento da produção da vida material em um determinado arranjo social e econômico. (BARATTA, 2004, p. 337)

Quando a ordem jurídica (nacional ou supranacional) reconhece e tutela referidas necessidades passamos a chama-las de direitos fundamentais e/ou direitos humanos. E à repressão das necessidades e direitos denominamos violência.

Normalmente, quando se fala de tutela penal dos direitos humanos pensa-se em reações jurídicas a violências interpessoais, ignorando-se a violência estrutural e institucional.

Nos próximos artigos explicaremos as espécies de violências que violam direitos humanos, bem como o papel do direito penal para a promoção e proteção de referidos direitos.


REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Derechos humanos: entre violencia estructural y violencia penal. Por la pacificación de los conflitos violentos. In Criminologia y sistema penal. Buenos Aires: B de F, 2004.

HELLER, Agnes. Teoría de las necessidades en Marx. 2. ed., Barcelona: Ediciones Península, 1986.

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