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A visita íntima deve ser proibida?

A visita íntima deve ser proibida?

O direito à visita íntima é permeado por polêmicas, as quais extrapolam a discussão meramente jurídica e adentram as consequências práticas das visitas. Apesar de não possuir previsão legal expressa, a visita íntima se consolidou através de práticas adotadas informalmente em presídios. Neste artigo, apresentarei um pequeno panorama histórico, o fundamento jurídico da visita íntima e as críticas que são feitas ao controverso direito.

Histórico

Em Estação Carandiru, Drauzio Varella afirma que a origem da visita íntima é nebulosa, mas provavelmente teve início nos anos 80. Os presos improvisavam barracas nos pátios dos pavilhões e os funcionários dos presídios faziam vista-grossa. 

Ficou evidente que a situação havia fugido de controle quando apareceram as primeiras menores de idade grávidas durante esses encontros. Com isso, decidiu-se regularizar a visita íntima, criando-se cadastro das visitantes e estabelecendo-se algumas regras (VARELLA, 1999, p. 60).

Como dito anteriormente, a visita íntima não possui previsão legal, existindo previsão apenas sobre o direito à visita no artigo 41, X da Lei de Execução Penal (1984):

Art. 41 – Constituem direitos do preso: 

(…) X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em alguns dias determinados.

Por isso, o direito à visita íntima se encontra em uma situação delicada, dependendo de regulamentos do Poder Executivo e arbítrios de cada estabelecimento prisional. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 1.0857/2018, o qual pretende alterar o supracitado artigo para que passe a constar a seguinte redação:

Art. 41 – Constituem direitos do preso: (…)

X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em alguns dias determinados, vedada a visita íntima.

Neste contexto, é importante reforçar o fundamento jurídico da visita íntima e defrontá-lo com as críticas feitas em seu desfavor. Desde já, deve ser esclarecido que várias destas críticas são válidas, ainda que não se considere como suficientes para proibir o controverso direito.

O fundamento jurídico da visita íntima

Os defensores da visita íntima compreendem que este é um direito derivado do princípio da dignidade humana (art. 1º, III da CF). A pena privativa de liberdade deve ser a menos dolorosa possível, limitando-se o dano causado pela pena. A vedação de visitas íntimas não constitui uma consequência lógica da pena privativa de liberdade, de forma que infligir essa pena acessória de forma desnecessária constitui uma violação ao princípio da dignidade humana.

Além disso, constituí um importante fator na manutenção da integridade familiar do preso e em seu processo de ressocialização. O detento que sai da prisão distanciado e excluído da família possui um motivo a menos para não delinquir novamente. 

Apesar de alguns entenderem que as relações íntimas são dispensáveis para a manutenção da unidade familiar, o argumento não possui respaldo científico. Muito pelo contrário, é quase uma inferência lógica que a ausência de relações sexuais irá prejudicar o relacionamento.

 A família possui proteção jurídica conferida pela Constituição (art. 226 da CF), de forma que a visita íntima é um meio de cumprir a obrigação estatal emanada pela Constituição.

Deve ser esclarecido que é um direito que pode ser limitado quando baseado em comprovada e justificada necessidade.

Críticas

Existem inúmeras críticas a visita íntima. As principais são encontradas na justificação do PL 1.0857/2018. Os principais argumentos encontrados na justificativa do PL são: visita íntima é um meio de comunicação utilizado pelo crime organizado e portanto deve ser extinta; a visita íntima é realizada frequentemente prostitutas e a crença de que a pena privativa de liberdade deve ter o propósito de punir, sendo a vedação das visitas íntimas um meio para este fim.

Guilherme de Souza Nucci elenca ainda a dificuldade de controlar a entrada de armas e aparelhos celulares causada pela visita, a ausência de estabelecimento adequado para a visita, e a prática de presos “venderem” as suas mulheres em troca de favores dentro da prisão (NUCCI,2018, p. 73). Apesar de enumerar várias críticas, o autor se manifesta favorável ao direito e à sua expansão.

Afinal, a visita íntima deve ser proibida?

Para concluir o texto, também me posiciono favoravelmente à visita íntima. Apesar de saber que algumas das críticas feitas são válidas (muitas são infundadas ou de caráter moral), o interesse estatal não pode preponderar sobre o princípio da dignidade humana e da necessária proteção especial à família.

O Direito jamais pode ser pensado pela ótica meramente pragmática. Um direito não pode ser negado pelo abuso deste direito cometido por outros ou pela ineficácia estatal em prevenir esses abusos. Apesar de ser uma ferramenta útil no crime organizado, deve ser esclarecido que nem todos os presos integram facções. A visita íntima mantém famílias unidas e o Estado não pode ignorar este fato. Negar visita íntima porque alguns a utilizam para fins criminosos é violar frontalmente o princípio da individualização da pena. É o justo pagando pelo pecador.

Além disso, a visita íntima inibe a violência sexual entre os presos (NUCCI, 2018, p. 73) e diminui a violência nos presídios, tendo em vista que os presos ficam receosos de perderem o direito.

Apesar da validade de algumas críticas, acredito que o que move o movimento contrário às visitas íntimas é o punitivismo-pragmático idiota, busca-se maximizar o sofrimento do “inimigo” para cumprir um fim da maneira mais fácil. Neste caso, maximizar o sofrimento do preso para evitar a operação do crime organizado, sem perceber que esse sofrimento pode causar mais violência dentro do presídio e até fora, pois um detento que sai da prisão sem família pode ser mais propenso a reincidir.


REFERÊNCIAS

DEBROT, A. et al. More Than Just Sex: Affection Mediates the Association Between Sexual Activity and Well-Being. Personality and Social Psychology Bulletin. Disponível aqui. Acesso em jun. 2019.

NUCCI,  Guilherme de Souza. Curso de Execução Penal. Rio de Janeiro: Forense. 2018.

PINTO, Rita Isabel de Sousa. A influência das visitas íntimas na vivência da reclusão feminina. 2015. Dissertação (Mestrado Integrado de Psicologia) – Faculdade  de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto. Disponível aqui. Acesso em jun. 2019.

VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras. 1999.


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Felipe Rocha de Medeiros

Pós-Graduando em Ciências Criminais. Advogado criminalista.

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