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A vítima e o Direito Penal

Por Diógenes V. Hassan Ribeiro

Na última coluna abordei rapidamente um aspecto sobre a vítima no Direito Penal. Precisamente o ponto dos incluídos e dos excluídos do direito penal, em que há uma diferença de classe. No caso de um incluído ser também incluído como vítima, aí, normalmente, não haverá recursos para investigação, especialmente nos chamados países periféricos (para a Teoria dos Sistemas Sociais), ou países do chamado Terceiro Mundo, ou do Sul, como propõe Boaventura de Souza Santos, ou ainda subdesenvolvidos. Há diferenças entre as concepções que não são apenas semânticas, mas há alguma semelhança.

Pois a vítima, por exemplo das classes baixas/pobres – e o pobre é um dos incluídos no direito penal – quando incluída também como vítima desfruta de um desinteresse do Estado e de seus mecanismos burocráticos de exclusão.

Contudo, de qualquer modo a vítima, normalmente, não tem merecido, do direito penal, um papel importante. Há a possibilidade de haver assistente de acusação, o que é raro ocorrer. Existe, inclusive, o campo de estudo chamado de vitimologia, que estuda o comportamento das vítimas no crime, o que mostra, de certo modo, um certo desprezo do direito penal pela vítima. Essa noção de vitimologia está bem clara no art. 59 do Código Penal, em que, na fixação da pena, o juiz deve examinar se o comportamento da vítima contribuiu para o evento e, nesse caso, isso deve ser avaliado e arbitrado. Isso equivale a dizer que, às vezes, poderia o desavisado, por andar à noite em local ermo, ter contribuído para o aumento estatístico da criminalidade ou para a prática do crime. Já examinei situações em que a vítima reagiu no desespero e acabou morta logo após ter sido roubada. A questão é: isso até que ponto ingressa no estudo da vitimologia?

Entretanto, nos últimos tempos tem havido algumas mudanças e evoluções.

No caso da Lei Maria da Penha, a vítima passou a ocupar um lugar de destaque, desde a edição da lei 11.340/2006. Na condição de magistrado em vara de família por vários anos, desde antes da Lei Maria da Penha, recebia diariamente vários pedidos de separação de corpos, a cautelar que existia antes das medidas protetivas. Essa convicção pela necessidade de mudança dessa cultura machista fez com que se editasse a chamada Lei Maria da Penha. O Juizado da Violação Doméstica, em Porto Alegre, em uma determinada data, tinha em tramitação mais de vinte mil pedidos de medidas protetivas e processos correlatos.

Portanto, com esse novo diploma legal a vítima da violência doméstica passou a ser vista e ouvida.

Curiosamente, antes da lei e mesmo depois dela, consta que, nas repartições policiais e públicas, havia muito de preconceito com a mulher que sofria violência. Por isso as mulheres vítimas evitavam o registro da ocorrência policial, pelo preconceito dos servidores públicos, pela vergonha da situação enfrentada e pelo preconceito social. As mulheres vítimas sofriam caladas e continuavam sofrendo.

Recordo que no último ou no penúltimo Fórum Social Mundial que ocorreu em Porto Alegre fui convidado pelo Presidente Seccional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família/Seção RS, para palestrar numa Oficina, quando tive muita satisfação e gratificação pessoal. O debate que ocorreu logo após revelou que, no Brasil e no Mundo, havia uma situação muito diversa. Enquanto aqui no Rio Grande do Sul a análise das ações cautelares de separação de corpos ocorria no mesmo dia e, possivelmente, sendo deferida, no mesmo dia o acusado de agressões ou ameaças era retirado de casa, noutros Estados havia demora de meses para a análise do pedido e, sendo deferido, de outros meses para ser cumprida. Na Austrália e na Nova Zelândia a situação era bem diversa, mais pronta, rápida, eficaz, com assistência de instituições públicas, extremamente atuantes. A vítima da violência no Brasil continental era tratada de forma muito diversa.

Portanto, no caso da Lei nº 11.340/2006 a vítima passou a receber um tratamento adequado, sem preconceito, mas é certo que o Brasil está ainda muito distante de proporcionar todas as possibilidades institucionais nessa modalidade de violações.

Tem havido também uma sensível melhoria de cuidados, atenção, e providências gerais, inclusive de investigação e de processo, quando se trata de vítima infantis abusadas sexualmente ou por agressões.

No âmbito do Juizado Especial Criminal também a vítima, desde a edição da Lei nº 9.099/1995, passou a desfrutar de um espaço próprio para ser ouvida e ter a atenção devida. Com efeito, por esse diploma legal é possível que a vítima, por exemplo de lesões corporais, participe e faça desde logo uma transação em que poderá ser indenizada, material e moralmente, dos danos sofridos. Além disso, quando não há lesões ou danos materiais, quando se trata, por exemplo, de ofensas ou incômodos, é possível que a vítima e o acusado, nessa transação, consigam um lugar para dialogar sobre o futuro das relações de vizinhança ou de parentesco até, fixando alguns parâmetros para o convívio.

O propósito desta coluna foi o de discutir o papel da vítima no direito penal e no âmbito do processo penal. Mas há uma novidade extremamente importante que desde há algumas décadas muda uma cultura de judicialização das relações sociais, que é o da Justiça Restaurativa.

A Justiça Restaurativa é um novo modelo de referência. Eu não aprecio muito a expressão novo paradigma, considerando que se tornou popular e passou a ser usada impropriamente, mas é possível dizer que JUSTIÇA RESTAURATIVA é um novo paradigma que envolve os autores de fatos delituosos as vítimas e a sua comunidade para um diálogo que busca a responsabilidade, não a culpa nem a vingança.

Aliás, é possível que esse afastamento da vítima do direito penal e do processo penal tenha, justamente, como causa, evitar que o processo penal e o direito penal sejam usados como possibilidade de vingança. O Estado não pode e não tem o direito à vingança, pois o Estado é o resultado de uma racionalidade evolutiva da humanidade. Entretanto, para a vítima é até natural até falar em vingança e é isso que se quer evitar. Não custa lembrar que, por exemplo, é motivo de qualificação do crime quando o homicídio é cometido por motivo torpe, e a vingança é considerada motivo torpe, vil.

Violência gera violência. Saudemos, pois, a Justiça Restaurativa.

_Colunistas-Diogenes

Diógenes V. Hassan Ribeiro

Professor e Desembargador

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