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A vítima tem ‘certeza’ que reconheceu o criminoso?


Por José Willyames Santos Bezerra


Certa vez, um rapaz é preso em flagrante por roubo de celular e aparece em matéria policial de uma TV local. Uma vítima de um roubo, onde lhe subtraíram o celular alguns dias antes, assiste essa matéria e procura a Delegacia de Roubos e Furtos dizendo ter reconhecido aquele rapaz como sendo o mesmo que lhe assaltou. Desse modo, a Delegada de Polícia coloca uma foto daquele em meio à de outros rapazes, tendo a vítima apontado para aquele avistado na televisão.

Como advogado, fui contratado pela mãe do rapaz acusado para defendê-lo nos dois processos que foi denunciado. Não vamos aqui tecer comentário sobre o processo que houve flagrante delito.

O fato é que no segundo procedimento somente se tem como suposta prova: o aludido “reconhecimento de pessoa”. Mas mesmo assim foi ofertada denúncia pelo Represente do Ministério Público, o Magistrado a recebeu, mandou citar o réu, apresentamos resposta à acusação, pedimos a rejeição da denúncia por falta de justa causa, que não foi acolhida, e assim foi designada audiência de instrução e julgamento.

Em audiência, a suposta vítima foi ouvida, alegando que certo dia, ao sair de sua residência para ir ao trabalho, foi abordada por um rapaz que chegou pilotando uma motocicleta, armado e de cara limpa, pedindo seu celular, que a mesma não titubeou em entregar. Em atitude rápida o mesmo se evadiu, ficando a vítima em estado de choque, o que é normal. Afirmou esta em audiência absoluta certeza e convicção que o rapaz que assistiu na televisão foi o mesmo que tinha lhe assaltado, expondo que era magro, branco e tinha as sobrancelhas feitas.

O testemunho da vítima foi muito contundente, se não fosse o fato da pessoa que a assaltou estar pilotando uma motocicleta, visto que meu cliente não sabia dirigir veículos automotores. Isto foi corroborado pelas testemunhas de defesa, principalmente pela dona de uma lanchonete que o mesmo trabalhava, tendo ela o demitido justamente pelo motivo dele não saber pilotar moto, para a entrega de lanches na residência de clientes, preferindo contratar alguém que tivesse também essa habilidade, para diminuir custos.

Sabemos que a jurisprudência já se posicionou no sentido de que somente reconhecimento fotográfico não deve ser considerado isoladamente, mas em conjunto com outros elementos probatórios que o corroborem, justamente para evitar determinadas condenações injustas. O fato de o acusado estar preso preventivamente e responder a outros processos criminais, não dá azo para condenar por outros crimes acontecidos, sem o mínimo de provas exigíveis.

Nicola Framarino Dei Malatesta, em sua clássica e respeitável obra A Lógica das Provas em Matéria Criminal assevera que não se deve “dar valor ilimitado às palavras de quem foi ofendido nos bens, quanto a designação do delinquente”. Pois,

“o grande desejo, natural em quem foi vítima de um crime, de chegar a descoberta do réu, preocupando o espírito já perturbado pela ofensa sofrida, torna-o propenso para as suposições fazendo aceitar como probabilidades simples dúvidas e como certeza as probabilidades”.

Continua ele dizendo que quando o ofendido não o conhece anteriormente

“não tem outro critério para determinação do delinquente senão sua exterioridade material, percebida no momento do delito, sua fisionomia, idade aparente, estatura, seu físico e trajes. Todos compreendem, que por falta de calma na observação, não podem ser exatamente percebidos no momento do delito e, por isso, as semelhanças podem facilmente converter-se em identidade, aos olhos do ofendido e seu engano nos reconhecimentos pode levar a justiça penal a deploráveis erros”.

Portanto, o princípio do in dubio pro reo é realmente de suma importância no sistema criminal brasileiro, mas observamos que nesse caso específico o juiz verificando tanta certeza por parte da vítima, poderia ter condenado, afastando a dúvida por ter esta dito que o reconheceu em reportagem policial televisiva, como há casos assim. Se não fosse uma circunstância tão importante para a ocorrência do fato, que provou não ter meu cliente concorrido para a infração penal a qual foi acusado, poderíamos ter tido mais uma injusta condenação.

A cautela no julgamento de casos assim é imprescindível.


José Willyames Santos Bezerra – Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Tiradentes (UNIT). Advogado Criminalista.

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