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Abigeato: inovação ou invenção Jurídica?

Os delitos ofensivos ao patrimônio sempre receberam um tratamento rigoroso na nossa legislação penal. O patrimônio sempre foi tido como um bem jurídico de extrema e elevada importância, reflexo da influência burguesa e mercantilista que sofremos.

Sendo assim, em virtude do caráter patrimonialista e da preocupação com a propriedade privada da nossa legislação penal, as condutas que lesam ou que expõem a perigo, ainda que minimamente, o patrimônio, recebem uma resposta penal rápida e efetiva.

Dito isto, é correto afirmar, portanto, que o nosso direito penal é, de certa forma, seletivo, já que busca tutelar com uma maior eficácia, na grande maioria das vezes, os bens jurídicos que são considerados importantes para as classes dominantes, como, por exemplo, o patrimônio privado.

Nessa esteira, apenas a título exemplificativo, o furto simples tem pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, enquanto a lesão corporal leve tem pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Ademais, o código penal reserva um título, sete capítulos e diversos tipos penais incriminando condutas ofensivas ao patrimônio.

Percebe-se, portanto, que o patrimônio, como bem jurídico penal, recebe uma super proteção em relação a outros bens jurídicos que deveriam ser tratados com maior rigor.

Qual a lógica em punir um crime de furto na modalidade simples, no qual não há emprego de violência ou grave ameaça na subtração do bem com uma pena substancialmente mais elevada em relação a uma lesão a integridade física ou moral do indivíduo?

Vale ressaltar ainda que, no caso do furto simples, comparado com a lesão corporal leve, este é crime de menor potencial ofensivo, sendo assim, segue um rito processual mais célere, regido pela oralidade, ao contrário daquele, que segue o rito comum e todos os trâmites pertinentes a este rito que, na prática, como sabemos, é bem mais vagaroso.

Partindo-se dessa premissa, analisaremos, a partir de agora, o crime de furto qualificado pela subtração de semovente domesticável de produção, ou abigeato, como é popularmente conhecido o referido tipo penal.

O crime de abigeato ou furto qualificado pela subtração de semovente domesticável de produção, previsto no artigo 155, §6º, do Código Penal, que foi incluído na nossa legislação por meio da lei 13.330/2016, é um tipo penal que, apesar de ter sido introduzido recentemente, na prática não inovou em nada.

Explico: o furto de gado, antes da entrada em vigor da lei 13.330/2016, já recebia resposta penal severa; já era uma conduta criminalizada, sujeita à imposição das sanções previstas em lei. O legislador ordinário, ao incluir a qualificadora do §6º não inovou em nada, só fez punir com um pouco mais de severidade uma conduta que já estava sendo reprimida de uma forma devida e eficaz.

Em outras palavras, o crime de furto de gado sempre recebeu uma resposta por parte do direito penal, ou seja, sempre foi objeto da tutela penal. O referido delito sempre se enquadrou como furto qualificado, já que era praticamente impossível realizar a conduta delituosa na modalidade de furto simples.

Assim, o legislador ordinário, ao incluir essa nova qualificador para incriminar uma conduta que já vinha se enquadrando tipicamente como furto qualificado, só fez se utilizar de uma nova qualificadora para incriminar algo que já vinha sendo incriminando. E isso, cá entre nós, é, no mínimo, estranho e inusitado.

A subtração de gado é uma conduta delituosa que, na prática, é impossível de ser executada sem que o meliante se enquadre em um ou mais incisos do §4º do art. 155, do código penal, tendo em vista que a conduta de subtrair semovente domesticável de produção não há como ser realizada sem a destruição ou rompimento de algum obstáculo, ou por apenas um agente, de forma isolada.

Nota-se, portanto, que a criação da qualificadora do abigeato é totalmente prescindível e desnecessária, já que o abigeato sempre foi um crime de furto praticado na forma qualificada.

A única mudança que temos é que, com a introdução do §6º, o furto de gado passou a ter pena máxima em abstrato de 5 (cinco), anos, ao invés da pena máxima em abstrato de 8 (oito) anos referente ao furto qualificado do parágrafo quarto, do código penal.

Vale ressaltar ainda que o abigeato se configura ainda que o animal seja abatido ou dividido em partes no local da subtração. Assim, ainda que o animal venha a ser abatido no local da subtração, a qualificadora do abigeato ainda incidirá.

Conclui-se que a nova qualificadora referente ao furto de gado é uma norma sem objetividade jurídica, já que o furto de gado sempre foi tratado como furto qualificado.

Sendo assim, fica evidenciado o caráter hiperpatrimonialista do direito penal e a sua preocupação exagerada com a propriedade privada, na medida em que cria uma nova qualificadora para tutelar um bem jurídico que já vinha sendo objeto da tutela penal.

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