É permitido aborto em fetos com microcefalia?
É permitido aborto em fetos com microcefalia?
Para responder essa pergunta, mister entender a dinâmica trazida no Código Penal acerca do aborto em conjunto com o entendimento dos Tribunais Superiores.
Como regra geral, temos que a interrupção da vida intrauterina é considerada crime de aborto. Até mesmo o aborto eugênico/eugenésico é passível de responsabilização criminal, isto é, aquele cometido, quando há, comprovadamente, riscos de que o feto nasça com alguma anomalia física ou psíquica.
Fica clara a intenção do Código Penal em proteger, de forma intensa, o direito fundamental à vida, ao lermos o item 41 da Exposição de Motivos de sua Parte Especial, vez que são poucas as situações permissivas de aborto.
Mantém o projeto a incriminação do aborto, mas declara penalmente licito, quando praticado por médico habilitado, o aborto necessário, ou em caso de prenhez resultante de estupro. Militam em favor da exceção razões de ordem social e individual, a que o legislador penal não pode deixar de atender.
Assim, segundo o art. 128, I, II, CP, existe apenas duas hipóteses em que pode ser realizado um aborto sem que haja responsabilização criminal, funcionando como causas especiais de exclusão de ilicitude (conforme doutrina majoritária), sendo:
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)
Aborto necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Notamos que o legislador traz certas especificidades, como o fato de somente o médico poder realizar esse procedimento.
Portanto, para nosso Código, salvo o aborto necessário e àquele resultante de gravidez no caso de estupro, toda e qualquer interrupção da vida intrauterina será considerado aborto, independente das condições fisiológicas que o feto apresente.
Ocorre que chegou até o Supremo Tribunal Federal a ADPF 54, que culminou na análise acerca da possibilidade de aborto no caso de fetos anencefálicos, ou seja, aqueles em que há uma má formação congênita, implicando na ausência de parte vital do sistema nervoso central.
Ao proporem a aludida ADPF, os profissionais da área da saúde apresentaram dados estatísticos acerca da mortalidade nos casos de anencefalia, que chega em 100%, ou seja, é praticamente impossível sobreviver sem parte substancial do cérebro, o verdadeiro “motor” do corpo humano. Não obstante, 50% não resistem sequer até o nascimento, vindo a óbito ainda no ventre materno.
Em razão disso e levando-se em conta o sofrimento que advinha para mulher que passava por esse tipo de situação, ou seja, a frustração de ter seu bebê morto em poucos dias de vida, ou, sequer do feto vir a nascer, a Corte Suprema decidiu ser possível o aborto de fetos anencefálicos, desde que a mãe assim deseje, fundamentando sua decisão nos princípios da dignidade da pessoa humana, legalidade, liberdade e autonomia de vontade.
Todavia, o procedimento para aborto, ainda que na situação que o STF autorizou, deve ser estritamente observado, obedecendo o previsto na Resolução n.º 1989/2012 do Conselho Federal de Medicina.
Até o surto de Zika que assolou o Brasil, as discussões acerca de permissão do aborto se encontravam paralisadas, porém, a aludida doença desencadeou em uma geração de fetos com microcefalia. A partir daí, começou o questionamento acerca da possibilidade de aborto nos casos de feto com microcefalia.
Há duas correntes para responder a esse questionamento.
A primeira corrente entende que se cabe ao feto com anencefalia, poderia, também, caber ao com microcefalia, desde que autorizado pela mãe, por razões de dignidade, já que se trata de enfermidade incurável.
A segunda corrente entende que a situação de fetos com microcefalia em nada se parece com os de anencefalia, vez que em que pese a microcefalia ser incurável, não obsta o desenvolvimento do ser humano, ou seja, o indivíduo irá se desenvolver e levar uma vida com limitações, assim como em vários outros tipos de deficiência.
Outrossim, defende, essa corrente, que permitir o aborto nesse caso seria ferir, por completo, as disposições do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o qual, logo em seu art. 1º, prega pela inclusão social dos portadores de necessidades especiais.
Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
Eis a corrente majoritária, razão pela qual não é admitido o aborto em caso de microcefalia.
E você, amigo leitor, seria a favor da inclusão do aborto de fetos com microcefalia como hipótese especial de exclusão da ilicitude?
REFERÊNCIAS
CUNHA. Rogério Sanches. Código Penal para Concursos. 11. Ed. Salvador: Juspodivm, 2018.