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A absolvição sumária do art. 397 do CPP e os crimes dolosos contra a vida

A absolvição sumária do art. 397 do CPP e os crimes dolosos contra a vida

Com a reforma legislativa de 2008, o Código de Processo Penal passou por algumas transformações. Dentre elas, uma das mais relevantes, foi a que estabeleceu que, após recebida a denúncia ou queixa-crime, o acusado será citado para apresentar resposta à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias, quando poderá arguir preliminares e alegar tudo que interesse à sua defesa.

Assim está previsto no rito do procedimento comum (arts. 396 e 396-A do CPP) e, também, no rito procedimental dos crimes dolosos contra a vida (art. 406 do CPP).

Ocorre que, no procedimento comum, o art. 397 do CPP, com redação determinada pela Lei n.º 11.719/2008, prevê a possibilidade de absolvição sumária do acusado, ou seja, um julgamento antecipado da lide penal, quando o juiz verificar a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; quando o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou quando extinta a punibilidade do agente.

Já no procedimento dos processos em que a acusação verse sobre crimes dolosos contra a vida, não há a previsão da possibilidade de que, após a resposta à acusação, o juiz possa absolver sumariamente o réu, surgindo, então, dissenso sobre a aplicabilidade ou não do julgamento antecipado previsto no art. 397 do CPP.

A primeira objeção que se costuma fazer à possibilidade da absolvição sumária antecipada aos acusados desses crimes, é a de que a competência para o julgamento de mérito é do Tribunal do Júri, e, portanto, estaria inviabilizada a aplicação do art. 397 do CPP, sob pena de usurpação de competência.

Tal argumento, para além de superficial, não resiste a um meridiano raciocínio: o fato de o Ministério Público denunciar alguém pela prática de crime doloso contra a vida não significa, necessariamente, que o processo será julgado pelo plenário do Júri Popular.

Ora, compete ao Poder Judiciário, no âmbito do devido processo legal, examinar a presença da prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria e, ademais, de um juízo negativo acerca de excludentes de antijuridicidade e de culpabilidade, de tipicidade penal e da punibilidade do acusado. Em resumo, cabe ao juiz togado barrar o processamento de acusações temerárias e desprovidas de fundamento.

Demais disso, se o fato de a acusação tratar de crime doloso contra a vida impedisse o exame da matéria de fundo antes de o caso ser julgado pelos jurados, pela mesma razão, não haveria a possibilidade de absolvição sumária após o enceramento da instrução processual, ao cabo da fase do juditium accusationis.

E, como sabido, o Código de Processo Penal contempla essa possibilidade de absolvição sumária no rito dos processos de competência do Júri, conforme previsão do art. 415.

Para além desse raciocínio, cumpre enfatizar que a Constituição Federal (art. 5.º, inciso LV) assegura aos acusados em geral o exercício da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

E a legislação infraconstitucional, possibilita ao cidadão que for alvo de denúncia relativa a crime doloso contra a vida, após citado, possa, em resposta à acusação, arguir preliminares e alegar tudo que interessar à sua defesa (art. 406, § 3.º, do CPP), de maneira que soa ilógico a defesa poder arguir preliminares e deduzir outras alegações, inclusive, por óbvio, as situações passíveis de conduzir à absolvição sumária antecipada (incisos do art. 397 do CPP), e o juiz não poder acolhê-las e decretar a absolvição sumária do acusado.

Se a defesa tudo pode alegar, é porque o juiz tudo pode acolher. Do contrário, resultaria em grave violação à ampla defesa que a Constituição Federal a todos os acusados assegura.

A segunda objeção que habitualmente se faz à absolvição sumária prevista no art. 397 do CPP aos acusados de crimes dolosos contra a vida, é de que o rito  relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri não contempla expressa previsão de absolvição sumária após o juiz examinar a resposta à acusação apresentada pela defesa técnica do acusado.

Igualmente, sem razão tal argumento.

É verdade que no procedimento não há a previsão do julgamento antecipado, na forma de absolvição sumária. E nem se fazia necessária tal previsão. É que o art. 394, § 4.º, do CPP, com redação dada pela Lei n.º 11.719/2008, determina que As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.

Com efeito, é lição básica de hermenêutica a de que o legislador não utiliza palavras supérfluas ou inúteis. Vale dizer, se a lei manda aplicar o disposto nos arts. 395 a 398 do CPP a todos os procedimentos penais de primeiro grau, inexiste razão para excluir a possibilidade de adoção da absolvição sumária prevista nas hipóteses do art. 397 do CPP ao procedimento do Júri.

Demais disso, se a aplicação do disposto nos arts. 395 a 398 do CPP é cabível, inclusive, aos procedimentos penais não regulados pelo Código de Processo Penal, com mais razão deve haver a aplicação aos procedimentos que são regulados pelo mencionado Código, dentre eles, obviamente, o procedimento dos crimes dolosos contra a vida.

Portanto, a possibilidade de absolvição sumária antecipada, no procedimento dos crimes de competência do Júri, não configura qualquer ofensa à Constituição Federal. Muito pelo contrário. Cuida-se de prestigiar os postulados do devido processo legal, do contraditório e da amplitude defensiva, todos albergados na Carta Magna.

Rodrigo de Oliveira Vieira

Advogado criminalista. Ex-Promotor de Justiça.

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