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Acordo de não persecução penal em ação penal privada

Acordo de não persecução penal em ação penal privada

Antes de adentrar no tema propriamente dito, cabe fazer uma breve abordagem sobre o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).

Diante da inércia de aprovação do Projeto Lei n. 513/2013 pelo Poder Legislativo, o Conselho Nacional do Ministério Público, através da Resolução n.º 181, em seu artigo 18, trouxe o Acordo de Não Persecução Penal. Trata-se de um negócio jurídico extrajudicial que deve ser realizado entre o titular da ação penal e a defesa.

Desde o seu surgimento, ocorreram algumas discussões no tocante à sua (in)constitucionalidade, na medida que seu surgimento e sua aplicação feririam de morte o princípio da legalidade. Contudo, tal discussão foi superada, vez que a inclusão do referido instituto ocorreu por via legislativa adequada, através da Lei 13.964/2019, intitulada Pacote Anticrime. Sua disposição encontra-se no artigo 28-A, do Código de Processo Penal.

É certo que diversos fatores ensejaram a criação do instituto e sua adequação no sistema processual brasileiro, sendo alguns deles:

  1. proporcionar medida alternativa do cárcere, mais célere e eficiente na solução de casos menos severos, que muitas vezes não justificam a movimentação do aparato estatal;
  2. diminuir as demandas das varas criminais, diante do seu hipertrofiamento;
  3. reduzir os efeitos sociais através do acordo, visto que sua celebração com posterior cumprimento devidamente reconhecido pelo juiz competente, não acarretará em reincidência, diferentemente de uma sentença penal condenatória transitada em julgado;
  4. através do acordo é nítido a regulamentação de alguns princípios constitucionais como por exemplo: eficiência (art. 37, CF), proporcionalidade (art. 5º, inciso LIV, da CF), da razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, da CF).

O acordo de não persecução penal é uma exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e, conforme a doutrina,

o acordo de não-persecução penal pode ser celebrado independentemente da natureza do procedimento investigatório (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, p. 275)

O ANPP assemelha-se à transação penal do artigo 76, da Lei 9099/95, bem como a suspensão condicional do processo do artigo 89, da mesma lei. Algumas das distinções entre os apontados institutos residem na necessidade da confissão formal da prática de crime sem violência ou grave ameaça pelo autor do fato.

Além disso, a pena mínima para o delito praticado deve ser inferior a 4 anos. Neste ponto, é importante ressaltar que devem ser consideradas as causas de aumento e diminuição da pena. No caso concreto, para verificação da pena deve ser considerada o mínimo da causa de aumento de pena e o máximo da redução da pena, já que o que se busca é a pena mínima cominada.

Ponto importante que existe discussão e controvérsia doutrinária, diz respeito à discricionariedade do Ministério Público ou direito subjetivo do acusado. Parece que o raciocínio mais coerente é aquele que adota como direito público subjetivo do acusado quando preenchidos os requisitos para o oferecimento do acordo.

Explica-se. O art. 28-A traz em seu bojo requisitos objetivos para a aplicação do instituto em favor do interessado. Satisfeitos os requisitos de ordem objetiva, surgem os requisitos de ordem subjetiva, quais sejam, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Diante disso, pergunta-se: o que é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime?

Sem embargo, diz respeito a finalidade da pena, o que não é o caso de um acordo, na medida que não há condenação para haver pena. Ademais, através deste trecho destacado, extrai-se, que o legislador deu margem para interpretação do membro do Ministério Público, colocando o direito à liberdade do sujeito nas mãos do titular da ação penal.

Não reconhecer como direito subjetivo do acusado para a realização do acordo pela ausência dos requisitos de ordem subjetiva, é causar insegurança jurídica – o que há tempos está comprometida no âmbito penal – é dar margem para o bom humor ou não do membro do Ministério Público. Outrossim, deixar a aferição das condições subjetivas para análise do parquet, que irá analisar com base na simpatia ou antipatia do acusado, promoverá além da insegurança jurídica uma violação ao princípio da isonomia consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal.

Há posições no sentido de que, por se tratar de pleito embasado no direito público subjetivo do acusado, caberá ao juiz como garantidor dos direitos constitucionais do réu, decidir a questão mediante provocação. No mais, caso haja resistência quanto ao oferecimento do acordo, o legislador deixou expressa a hipótese do pedido de revisão para a instância competente do Ministério Público, com fulcro no artigo 28-A, parágrafo XIV, do CPP.

Finalmente, quanto a questão principal, poderá ser oferecido o acordo de não persecução penal nas ações penais privadas? Primordialmente, cabe a leitura do artigo 28-A

Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente.

Verifica-se que não há óbice ao oferecimento em ação penal privada, diante do dispositivo legal ser enfático aos requisitos.

Considerando que, na ação penal de iniciativa exclusiva da vítima, o querelante é detentor do ius ut procedatur, significa dizer que o poder de proceder contra alguém, deverá quando presentes os requisitos, propor o acordo. Não é só isso.

Conforme parte final do artigo 45 do Código de Processo Penal, caberá ao Ministério Público intervir em todos atos processuais, ainda que ação seja privativa do ofendido e no ensejo, oferecer o acordo. Caso contrário, embora o artigo 564, inciso III, alínea “d”, do CPP, traz a hipótese de nulidade absoluta quando não há intervenção do Ministério Público no processo, nessa hipótese de ação penal de iniciativa exclusiva da vítima, caso o juiz deixe de abrir vistas ao parquet para sua atuação, é caso de nulidade relativa.

Portanto, de início, acredita-se que haverá resistência quanto a celebração do acordo em ação penal privada, contudo, dada similitude entre os institutos da transação penal e o ANPP, futuramente, poderá estar pacificado a possibilidade dessa realização de acordo.

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