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O acusado e o ônus da prova

Neste escrito, trataremos da problemática do ônus da prova no processo penal, mas especificamente no que diz respeito à inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão do crime, nos casos de não repasse de contribuições previdenciárias ao INSS (art. 168-A, CP).

Partiremos da análise do AgRg no REsp 871739/PE, do Superior Tribunal de Justiça, no qual entendeu-se, que o não repasse das contribuições recolhidas dos contribuintes a Previdência Social, por parte da empresa devedora, em virtude de dificuldades financeiras da mesma, constitui causa supralegal de exclusão da culpabilidade.

O STJ tem entendimento firmado no sentido de que o não repasse das verbas previdenciárias, afasta a culpabilidade, e, consequentemente o crime, desde que existam provas concretas de que o não repasse se deu em razão de graves dificuldades financeiras.

Exige-se, portanto, o preenchimento de dois requisitos para que a inexigibilidade de conduta diversa, como causa supralegal de exclusão da culpa, possa afastar o crime, quais sejam, existência de graves dificuldades financeiras por parte da empresa e demonstração de que houve esforço pessoal dos sócios no que tange o cumprimento das obrigações previdenciárias.

Nessa esteira, o STJ entende ser ônus da defesa (portanto, das empresas), a prova da situação de extrema carência financeira e a consequente impossibilidade de repasse das contribuições.

Sendo assim, é correto afirmar que, diante de um caso concreto, compete a defesa e não à acusação, a prova da situação de extrema carência financeira da empresa devedora. Dessa forma, a demonstração de meros indícios de insolvência é insuficiente para a comprovação da situação de precariedade.

Partindo-se dessa premissa, faz-se imprescindível o estudo acerca do ônus probatório no processo penal. Quem tem ônus de provar a carência econômica da empresa devedora? A defesa tem algum ônus? Existe distribuição de carga probatória no processo penal?

O processo penal brasileiro, como se sabe, é regido pelo princípio da presunção de inocência, que funciona como uma mandamento que se impõe em face do Estado, fazendo com que o mesmo tenha o dever de tratar o acusado, em todas as fases da persecução penal, como se inocente fosse.

Em outros dizeres, a presunção de inocência ou de não culpabilidade, funciona como princípio reitor de todo o processo penal, já que impõe um dever de tratamento do Estado para com o acusado. Assim, só após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória irrecorrível é que o estado de inocência pode ser desconstituído e o acusado considerado culpado.

Sendo assim, considerando que o indivíduo é inocente até o advento de uma sentença penal condenatória de natureza irrecorrível, surge o seguinte questionamento: quem tem o ônus de provar uma justificante ou exculpante penal? O acusado tem o ônus de apresentar alguma prova para comprovar aquilo que alega?

O Ministro Arnaldo Esteves Lima, em seu voto, proferido no AgRg no REsp 871739 / PE, sustentou que:

[...] repassar as contribuições previdenciárias descontadas e não recolhidas. Ora, a alegada impossibilidade de repasse de tais contribuições em decorrência de crise financeira da empresa constitui, em tese, causa supralegal de exclusão da culpabilidade – inexigibilidade de conduta diversa – e, para que reste configurada, é necessário que o julgador verifique a sua plausibilidade, de acordo com os fatos concretos revelados nos autos. Entretanto, é consabido que o ônus da prova, nessa hipótese, compete à defesa, e não à acusação, por força do art. 156 do CPP. Por conseguinte, não há como exigir do órgão acusador a comprovação de que a omissão no recolhimento das contribuições devidas ao INSS não ocorreu em razão de dificuldades financeiras da empresa [...]

Lopes Jr (2016) entende que cabe à acusação, em sua inicial acusatória, provar tudo aquilo que alega. Sustenta o referido autor que o artigo 156 do Código de Processo Penal deve ser interpretado à luz da constituição Federal de 1988, e, sendo assim, a acusação tem o ônus integral de provar aquilo que alega na denúncia, sob pena de não recebimento da exordial acusatória por parte do magistrado.

Badaró (2003) afirma que é dever do Ministério Público narrar, na denúncia, o fato criminoso com todas as suas circunstâncias. Assim sendo, cabe a acusação a prova de todos os fatos constitutivos que integram o ius puniendi estatal, e isso inclui, portanto, a prova de todos os elementos do crime.

Em outros dizeres, cabe ao Ministério Público a prova da ocorrência do crime, a partir da análise de todos os elementos que constituem o tipo penal. Dessa forma, é ônus da acusação a prova da ocorrência de todos os elementos que compõem o delito, visto que, caso não estejam presentes todos os elementos, a acusação não deveria nem ter sido sequer recebida.

Badaró (2003) rechaça a doutrina que diz que cabe a defesa a prova das justificantes e das exculpantes penais, por serem fatos impeditivos do direito de punir do Estado. Segundo o autor, a acusação deve provar todos os elementos que compõem o crime, sejam eles positivos ou negativos.

O autor entende que tanto as justificantes penais (causas de exclusão da ilicitude), quanto as exculpantes penais (causas de exclusão da culpabilidade), são fatos constitutivos do direito de punir do Estado, já que integram o conceito analítico de crime.

Ademais, não há que se falar que é impossível a comprovação, por parte do Ministério Público, dos elementos negativos que constituem o delito, uma vez que estes são determinados e definidos em termo estritos.

Por exemplo, no que tange a legitima defesa, para que se comprove a ausência da referida justificante penal, basta que o parquet demonstre que o acusado agiu em desacordo com os requisitos estritos do artigo 25 do Código Penal.

Por sua vez, em relação a inexigibilidade de conduta diversa, como causa supralegal de exclusão do delito nos casos de não repasse das contribuições previdenciárias, nota-se que, o argumento utilizado, para se atribuir a defesa o ônus de provar a ocorrência da causa supralegal de exclusão do crime, é bastante frágil, já que se baseia em hipóteses.

Dessa forma, atribuir o ônus probatório para a defesa, em razão de uma suposta dificuldade de obtenção da prova é algo que não deve prevalecer. Ademais, conforme já dito, o artigo 156 do Código de Processo Penal, deve ser interpretado de acordo com a Constituição de 1988, e sendo assim, não há que se falar em distribuição de ônus probatório no processo penal, pois o fato da defesa ter interesse em provar a sua inocência, a ela não se atribui ônus algum.

A defesa, portanto, não precisa provar nada no processo penal, pois, conforme já dito, a ela não se atribui ônus algum, sendo assim, essa ideia de distribuição da carga probatória é totalmente falaciosa e inadequada, uma vez que, a inércia defensiva não gera prejuízo algum, já que no nosso ordenamento jurídico vigora o in dúbio pro reo como regra de julgamento.

Assim, mesmo que a defesa não se desfaça do seu suposto ônus, a sentença absolutória será prolatada em razão do in dúbio pro reo,. sendo ônus da acusação, portanto, a prova cabal do crime, sob pena de não ter a sua pretensão acolhida.

Vale ressaltar, ainda, que, existe uma doutrina intermediária que sustenta que incumbe a defesa, a prova da ocorrência de uma justificante ou exculpante penal.

De acordo com essa doutrina, a defesa não precisa comprovar plenamente a existência dessas justificantes ou exculpantes penais, basta gerar uma dúvida razoável no espírito do julgador, para que a sentença absolutória seja proferida (essa corrente doutrinária se baseia muito nos standards de prova norte-americano)

Badaró (2003) rechaça essa doutrina intermediária pois, no seu entendimento,  em virtude da regra de julgamento do in dúbio pro reo, qualquer dúvida gerada em relação a ocorrência do crime, deve ser interpretada a favor do acusado.Assim, havendo dúvida, qualquer que seja, o réu deve ser absolvido, em virtude do in dúbio pro reo, que é decorrência lógica da presunção de inocência.

A carga do acusador é de provar o alegado; logo, demonstrar que alguém (autoria) praticou um crime (fato típico, ilícito e culpável). Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade e, logicamente, a inexistência das causas de justificação. (LOPES JR, p. 199-200, 2016)

Nesse diapasão, no que tange a inexigibilidade de conduta diversa, como causa supralegal da exclusão da culpabilidade, nos casos de não repasse das contribuições previdenciárias, em razão de crise financeira da empresa devedora (deixa de recolher o tributo, por exemplo, para pagar os salários dos funcionários), entendemos que o ônus da prova deve ser, única e exclusivamente, da acusação, pois não há, no processo penal, qualquer distribuição de carga probatória.

Ademais, a dúvida sempre beneficia o acusado, e, sendo assim, basta que a acusação não prove a ocorrência de qualquer um dos elementos do crime (tipicidade, ilicitude e agente culpável), para que a dúvida fique estabelecida, e a sentença absolutória seja prolatada.

Conclui-se, portanto, que o fato de o acusado ter o interesse de provar a sua inocência através da apresentação de alguma prova que ateste a sua inocência, não se confunde com a ideia de distribuição de carga probatória já que são coisas distintas, pois, conforme já dito, não se pode atribuir ônus probatório ao acusado, visto que o estado da dúvida já é o suficiente para que ele venha, ao final, ser absolvido.


REFERÊNCIAS

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 13 ed. São Paulo, Saraiva. 2016.

Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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