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Adão e Eva (e a pena de prisão)

Adão e Eva (e a pena de prisão)

Adão e Eva foram expulsos do paraíso por terem cometido o pecado de experimentar a fruta proibida. A antiga alegoria que retrata a criação do universo (3.896 a.c) ilustra de forma fidedigna a atual lógica vigente no âmbito do senso comum no que diz respeito ao fundamento das práticas punitivas estatais.

O cometimento do pecado – a mordida na maçã – ensejou forte reação retributiva – o fechamento dos portões do Jardim do Éden para sempre. Não se buscou conscientizar, educar ou entender os meios pelos quais houve a violação da ordem.

Atualmente, temos pecados mais numerosos, insculpidos na parte especial do Código Penal e em uma infinidade de Leis Extravagantes. Porém, os mecanismos de expiação dos “pecadores” ainda adotam a mesma ordem de legitimação.

A despeito de todos os debates e considerações acerca das teorias da sanção penal, a nossa política criminal atual estabelece como diretriz material, sem ignorar os pretensos fins declarados, o mesmo mote punitivo da época de Adão e Eva.

O rompimento da ordem jurídica conflagra a aplicação de uma pena, no mais das vezes, a pena de prisão. Não se busca conscientizar, educar ou entender os meios pelos quais houve a violação da ordem.

Fato é que a reação social frente a um delito é, instintivamente, a indignação e o pleito por punição, na forma de segregação, sob o pretexto de tornar a sociedade um lugar mais seguro, como que tornando inócuos os sujeitos potencialmente criminosos. Todavia, muitas vezes o tiro sai pela culatra.

Nos últimos 15 anos, a população carcerária brasileira praticamente triplicou (v. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, de dezembro de 2014), não apresentando contrapartida simétrica no que diz com a redução da criminalidade. Pelo contrário, a criminalidade tem aumentado.

E, ao contrário do que pensa o senso comum, o encarceramento massivo pode ser um dos grandes responsáveis pelo incremento na criminalidade. Isso porque o sistema penitenciário brasileiro, da forma como está estruturado, se constitui em um dos maiores fatores criminógenos existentes.

É verdadeira a crença popular de que a prisão é a escola do crime. Um sujeito que comete um delito sem violência ou grave ameaça e é submetido às agruras do sistema carcerário tem potencializada a chance de se tornar um criminoso violento, ante as influências as quais é submetido no interior do sistema penal.

Ainda, o cidadão que é preso e não pertence a nenhuma facção precisa, para obter proteção, se vincular a algum grupo, que cobra um preço caro, o qual pode ser pago mediante a prestação de serviços no âmbito da criminalidade.

Além disso, grande parte das atividades relacionadas ao tráfico de drogas, inclusive homicídios, são ordenados do interior das penitenciárias, de modo que a prisão se revela, novamente, ineficaz aos fins para os quais se propõem.

Dentro dessa perspectiva, convém questionar: até que ponto é conveniente manter a aplicação da pena de prisão nos moldes como vem sendo aplicada hoje, de forma violenta e irracional?

Se, por um lado, a prisão satisfaz a ânsia por punição, adimplida pelo sofrimento dos sujeitos encarcerados; por outro, se traduz em malefício à sociedade, uma vez que não impede a prática de crimes e, ao revés, induz o desenvolvimento da engenhosidade dos grupos criminosos.

Com base nisso, é importante frear a subjetividade e resgatar a racionalidade no sentido de evidenciar que o caminho até então trilhado não está funcionando. A prisão cumpre apenas o desejo subjetivo por punição, mas não se demonstrou capaz de reduzir concretamente os fatos criminosos e a violência.

Tendo em consta esta perspectiva, cumpre romper com o status quo existente – segundo o qual somente a prisão se constitui medida de punição – a fim de se examinar alternativas à violações da ordem, tais como o desenvolvimento de práticas dialogais, substitutivos penais, penas alternativas e justiça restaurativa.

Por mais que essas formas alternativas de resolução de conflito encontrem resistência no âmbito da sociedade, a comunidade científica possui obrigação de, pelo menos, avaliar sua eficácia e efetividade, considerando-as como ferramentas à disposição do sistema de justiça penal, com as quais se pretende alcançar resultados diferentes dos até então experimentados.

A incrementação da pena de prisão, por mais que nos dê a ilusão de segurança, em verdade se constitui medida paliativa e analgésica que não ataca as fontes reais do problema. É como aumentar a dose de um remédio ineficaz.

Felipe Faoro Bertoni

Advogado (RS) e Professor

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