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Uma administração pública suscetível aos crimes de powerful

Uma administração pública suscetível aos crimes de powerful

Começo o presente artigo esclarecendo que o objetivo é destacar que os problemas sociais envolvendo a criminalidade econômica não estão somente adstritos às pessoas jurídicas de direito privado, seus membros e a sociedade civil como um todo, mas também à influência substancial dos atos da administração pública direta e indireta, principalmente de omissão.

O que são crimes de powerful?

Utiliza-se propositalmente o termo “crimes de powerful”, pois o termo não abrange somente os famosos agentes de colarinho branco, teorizados por Edwin Sutherland, mas também abarca a linha de crimes corporativos, tais como os delitos financeiros, tributários, contra consumidores, contra relações de trabalho e, ainda, contra o meio ambiente.

Fora o corporativo, também são reconhecidos como de powerful os crimes estatais e até mesmo crimes de ódio, os quais termos que pregam ódio podem ser difundidos por agentes cujo poder e influência se mostram notórios.

Ao todo, o termo – utilizado por teóricos como: Stanley Cohen, Hazel Croall e Dave Whyte – fora usado para não abarcar somente agentes com poder de influência, econômico e social de toda forma, mas também para citar no presente artigo deficiências geradas ou omitidas pela pessoa do Estado e seus membros de diversos níveis.

Além disso, cumpre salientar que não demanda de longos referenciais empíricos para previamente certificarmos a existência de irregularidades criminais no âmbito da administração pública, uma simples consulta jurisprudencial é capaz de demonstrar certa existência.

Contudo, a título de curiosidade, cita-se o ocorrido na operação “carne fraca” a qual, em curtos termos, consistiu no conluio entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA e empresas privadas do ramo alimentício, que praticavam atos de corrupção em sentido amplo:

TRF4, HC 5072862-36.2017.4.04.0000, OITAVA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 05/01/2018. […] Quanto à complexidade do caso, esta é notória. A chamada “Operação Carne Fraca” foi deflagrada em 17/03/2017, após mais de 2 anos de investigação  de irregularidades existentes no âmbito da Superintendência Federal de Agricultura no Estado do Paraná (SFA/PR) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/MAPA,  na qual estaria instalada organização criminosa formada por funcionários públicos com atuação no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Superintendência Regional do Paraná, aparentemente desde meados de 2007,  cujo objetivo precípuo seria a obtenção pessoal de proveitos financeiros indevidos, aparentemente integrados aos respectivos patrimônios em nome de terceiros, mediante exercício irregular de funções públicas. Os indícios até então amealhados apontavam para a prática dos delitos de corrupção passiva (art. 317 do CP), lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/98) por parte dos fiscais do MAPA, e de um horizonte a perder de vista de outros atos criminosos, como corrupção ativa (art. 333 do CP), fraude em licitação no bojo da Secretaria de Educação do Paraná (art. 90 da Lei 8.666/93), além de adulteração/corrupção/falsificação de produtos alimentícios (art, 272 do CP), emprego de processo proibido ou de substância não permitida (art. 274 do CP), utilização de invólucro ou recipiente com falsa indicação (art. 275, do CP), por parte dos responsáveis legais das empresas envolvidas, tudo de conhecimento dos fiscais responsáveis, sendo que toda a mecânica do conchavo ilegal entre servidores da Administração Pública e empresários de indústrias agropecuárias se amolda aos contornos de organização criminosa, prevista como crime pela Lei 12.850/13, art. 2º.

Prática de crimes de powerful

Além do mais, em pesquisa realizada pelo Tribunal de Contas da União, estimou-se que 38 órgãos públicos são mais propensos a sofrer com práticas de crimes de powerful. Juntos, tais órgãos movem valores superiores a 200 bilhões de reais com o gerenciamento da administração pública.

Portanto, percebe-se que o poderio da administração não se amolda somente a seus atos, mas também aos ativos financeiros que circundam em seu todo. Tais valores são oriundos, em sua máxima, por tributos pagos pela população brasileira e até mesmo por empresas internacionais.

Gerenciamento de riscos

Desse modo, há um dever em gerenciar os riscos das atividades desses órgãos, visando a coibir a prática de tais ilícitos econômicos, por exemplo. Contudo, ao que exprime fatidicamente no cenário atual não enseja resultados que satisfaçam anseios de confiabilidade popular, muito menos de garantias efetivas de gerenciamento de riscos.

O que se percebe está ligado ao fato pelo qual a administração pública em seu todo se constitui como uma atividade de extrema importância popular, por regulamentar atividades e serviços, por fornecer “subsídios” que tragam melhorias ao povo e, ainda, em se autogerenciar, garantindo a manutenção de um Estado democrático de dinheiro.

Sob esse aspecto, imperiosa se faz a tomada de medidas de prevenção, levando em consideração todo o arcabouço estrutural da administração pública. E, em sendo assim, todos os cuidados acerca dos riscos criminais devem ser de atenção elevada.

Mas, infelizmente, não é o que se extrai da administração pública em linhas gerais. O resultado da má administração dos riscos, como dito anteriormente, enseja nas investigações criminais e, ainda, reduz ainda mais índices de confiabilidade populacional que já são baixos.

Há certa predileção por parte dos agentes que praticam ilícitos econômicos em agir sobre as fragilidades da administração pública, principalmente por conta dos altos valores que nela circulam e, ainda, na facilidade em praticar tais atos, levando em consideração a escassez de fiscalização, controle e consequente descoberta da prática dos fatos, pela participação de membros da própria administração e deficiência – ou até mesmo inexistência – de mecanismos capazes de gerenciar os riscos criminais, tais como corrupção e lavagem de dinheiro e de combate a estes. Ou seja, é um setor suscetível à criminalidade por ser grande, valorosa e frágil sob esses aspectos preventivos e combativos.

Programas de compliance

Inversamente, principalmente após o advento da Lei anticorrupção, com os programas de compliance, o gerenciamento de riscos e tomada de medidas preventivas vêm gerando uma mudança cultural no Brasil, incluindo na administração pública.

Para algumas entidades – principalmente após a publicidade e divulgação das operações Lava-Jato, Carne Fraca, entre outras que geraram repercussão federal – obrigações ou disposições sobre a existência de tais programas tornaram-se presentes, tais como o Banco central e a obrigação das instituições financeiras em gerir programas de conformidade e, ainda, de forma mais recente, o MAPA passou a exigir que empresas que licitam com o Ministério detenham tais programas.

Sendo assim, o que se verifica resume-se no início de um processo de mudança cultural, voltando-se ao gerenciamento de riscos, tais como os criminais. Contudo, ainda não satisfazem as necessidades nesse sentido, pois ainda há certa resistência por parte de algumas instituições, bem como na carência de estudos sobre mapeamento e gerenciamento de riscos, neste caso ressalto os criminais, aplicáveis ante a administração pública.

Nesse sentido, o que previamente se analisa está envolto na necessária adoção de tais medidas, pois a importância da administração pública para com a União e seu povo é dotada de alto grau, sendo necessária sua existência e eficiência para a manutenção e andamento da máquina administrativa, carecendo controle sobre suas fragilidades.

Suzana Rososki de Oliveira

Advogada criminalista

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