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Crimes Contra a Administração Pública em Tempos de e-Gov (Parte I)

Em tempos de governo eletrônico (e-Gov), Estado virtual, governo web e tantas outras designações que atualmente fazem parte do nosso vocabulário moderno e que indicam a ideia de que o Estado se utiliza das novas tecnologias para realizar a entrega dos produtos e serviços aos cidadãos, com a nítida dependência, cada vez mais intensa, de ferramentas eletrônicas e tecnologias da informação, nos parece oportuno e relevante analisar como ficam os crimes contra a administração pública.

Em outras palavras, há alguma mudança para tais delitos, frente ao novo contexto em que os serviços públicos estão inseridos?

No espaço de hoje, pretendemos introduzir o leitor à reflexão proposta, visando criar elementos para que possamos, efetivamente, compreender a dimensão na qual os crimes contra a Administração Pública estão inseridos no atual contexto das novas tecnologias, bem como as possíveis consequências que tal convergência pode trazer à seara do Direito Penal.

Inicialmente cabe abordar o conceito de e-Gov, termo que vem do inglês, electronic government – cuja tradução livre seria governo eletrônico – e que consiste no uso das tecnologias da informação para a entrega dos produtos e serviços do Estado aos cidadãos em geral.

O termo e-Gov também está comumente associado à ideia de uso de ferramentas eletrônicas e tecnologias da informação para aproximar governo e cidadãos, buscando-se a superação, com isso, do obstáculos de comunicação existentes entre as duas esferas.

O objetivo dessa inovação é fortalecer as relações dos governos e torná-los mais efetivos, aumentando a transparência, a responsividade e a administração de recursos.

A ideia matriz de governo eletrônico surgiu em 1993, após o lançamento do primeiro browser que permitia uma navegação fácil pela internet.

A partir desse ensejo, na abertura do primeiro Fórum Mundial de Reinvenção de Governo, o então vice-presidente do Estados Unidos, Al Gore, trabalhou com essa ideia visando um movimento mundial de modernização dos governos, sendo que, desde então, governos de todo o mundo têm investido em novas ferramentas de comunicação a partir das novas tecnologias eletrônicas (Chahin, 2004).

Atualmente, podemos dizer que a noção de governo eletrônico está ligada à prestação de serviços públicos por meio eletrônico, ou seja, utilizando-se recursos de tecnologia da informação, em caráter remoto e disponível no sistema 24/7 ou seja, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana.

Neste ponto, devido às várias confusões doutrinárias e conceituais que existem, vale diferenciar governo eletrônico de democracia digital, pois que, enquanto o e-Gov se debruça sobre as aplicações das tecnologias de comunicação digital sobre as práticas burocráticas do governo e do Estado (cobrança de impostos, prestação de serviços, dentre outras atividades), as experiências de Democracia Digital se empenham em aprimorar a participação e a transparência políticas (Matsuda, 2006).

Nesse contexto, como bem apresenta Pierre Levy, “a necessidade de investimento em um governo eletrônico é justificada no surgimento de um novo espaço público, criado a partir da revolução comunicativa dos meios eletrônicos.

Dentro dessa esfera está o ciberespaço, permeado pela comunicação sem a necessidade da presença do homem, em que todos os indivíduos estão ligados por meio dos seus relacionamentos”.

Além disso, Levy destaca que a exploração deste novo ambiente pode favorecer o que ele denomina “inteligência coletiva”, já que há uma tendência de se usar o ciberespaço em favor do desenvolvimento dos grupos desfavorecidos, podendo, portanto, o desenvolvimento tecnológico e sua aplicação nas atividades e ações do Estado ser usado tanto para quem já detém poder controlar os seus subjugados quantos para reverter esse processo e diminuir as diferenças entre comandantes e comandados.

No Brasil, veremos que este processo ainda encontra-se em estágio bastante inicial, sendo certo que a ainda há muito a ser desenvolvido neste sentido, pois que há, não só, ainda um acesso reduzido dos usuários à Internet, como também falta aos cidadãos o conhecimento sobre as estruturas governamentais.

Acrescente-se a isso, o uso, pelos governos, de softwares sofisticados que, por vezes não possuem a mínima facilidade de utilização. Por fim, cabe destacar que a falta de interesse dos usuários diminui a demanda pelos investimentos nessas ferramentas, agravando a situação descrita, apresentando-se, com isso, uma não-efetividade do serviço, já que as taxas de interação com os governos ainda são muito baixas.

Frente a isso, buscaremos destacar como se pode compreender as figuras típicas elencadas no Código Penal, especificamente no Título XI, que trata do crimes contra a administração pública.

Na análise proposta, abordaremos o peculato, em todas as suas modalidades, a concussão, a corrupção e a prevaricação, visando destacar o uso das novas tecnologias na perpetração de tais condutas criminosas, bem como os reflexos que tal convergência trará ao aspecto penal da situação fática.

Não obstante tenhamos em mente que a reflexão aqui proposta é preliminar e bastante rudimentar, frente a total ausência de literatura sobre o tema, também entendemos de extrema relevância sua realização, pelo que, instamos o leitor a participar ativamente de sua construção.

Com a visão voltada à ideia de que a ampliação do acesso à informação pública é necessária no âmbito de um regime democrático, sem, contudo, nos esquecermos de que se houver uma avalanche de informações do governo, mas a maioria dos cidadãos não se sentirem preparados para utilizá-las de forma crítica ou buscá-las, elas servirão apenas a um grupo de interesse que continuará dominando a esfera de discussão, passaremos, na próxima semana a debater, especificamente, os tipos penais propostos.


REFERÊNCIAS 

CHAHIN, Ali et al. E-gov.br: a próxima revolução brasileira. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

LÉVY, PIERRE. A Máquina Universo. Tradução Bruno Charles Magne. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2002.

MATSUDA, Toshito Celso. Governo eletrônico, a reforma democrática do Estado-Nação: a prefeitura da cidade de São Paulo: ECA-USP, 2006, Tese de doutorado.

VAZ, José Carlos. Administração Pública e Governança Eletrônica? Possibilidades e Desafios para a Tecnologia da Informação. In: Governo Eletrônico – Os Desafios da Participação Cidadã. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer. Série Debates no. 24. Dezembro 2002.

Dayane Fanti Tangerino

Mestre em Direito Penal. Advogada.

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