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Admissão de prova obtida por via inconstitucional?

Admissão de prova obtida por via inconstitucional?

No dia 14/06/2018, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por maioria de 6 votos contra 5, ainda que tardiamente, a inconstitucionalidade do artigo 260 do Código de Processo Penal, que disciplinava a condução coercitiva do investigado ou acusado que, não atendendo à prévia intimação, se ausentasse de ato judicial do qual sua presença fosse imprescindível.

Votaram pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo legal os ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello, alegando, em suma, que a condução coercitiva não estaria recepcionada pela Constituição da República de 1988 por ferir o direito do cidadão de não produzir provas em seu desfavor.

De igual modo, o dispositivo violaria o direito de não autoincriminação, uma vez que segundo a disciplina do dispositivo legal em tela, o acusado poderia ser coercitivamente conduzido para, por exemplo, a realização de reconhecimento pessoal.

Entretanto, mesmo que acertadamente reconhecida a inconstitucionalidade da medida, a Corte Suprema entendeu por convalidar os interrogatórios já realizados dessa forma. Diz a ementa do julgado nas ADPFs 395 e 444, in verbis: “O Tribunal destacou, ainda, que esta decisão não desconstitui interrogatórios realizados até a data do presente julgamento, mesmo que os interrogados tenham sido coercitivamente conduzidos para tal ato.”

Ora, se o meio de prova utilizado é declarado inconstitucional, por certo que trata-se, pois, de prova ilícita, a qual não pode ser convalidada sob qualquer fundamento, sob pena de violação direta ao artigo 157 do Código de Processo Penal que é taxativo ao inadmitir as provas ilícitas no processo penal.

Nessa esteira, válido colacionar o conceito de prova ilícita trazido por Aury Lopes Jr. (2015, p. 402):

“…é aquela que viola regra de direito material ou a Constituição no momento de sua coleta, anterior ou concomitante ao processo, mas sempre exterior a este (fora do processo).”

Dessa forma, é inadmissível que tais provas, reconhecidamente obtidas por vias inconstitucionais, sejam admitidas no caso concreto, devendo ser desentranhadas dos autos.

Embora seja referido na Constituição da República de 1988 que a lei penal retroagirá em benefício do réu, não disciplinando, portanto, a respeito da lei processual penal, é patente que a norma, ainda que processual penal, deverá retroagir em benefício do acusado quando servir como garantida de direito fundamental do cidadão.

Assim, aplica-se a regra do direito intertemporal penal, eis que a norma processual possui conteúdo material (ou substancial) (CARVALHO, 2014, p. 166), já que o artigo 260 do Código de Processo Penal limitava direitos fundamentais do cidadão, qual seja, o direito de não autoincriminação ou de não produzir prova em prejuízo próprio, insculpidos artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição e no art. 8º, 2, g, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos – CADH.

Em relação à definição de prova processual de conteúdo penal (material), em especial à violação de garantia fundamental-constitucional, as palavras de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (2014, p. 166):

“Então, a questão reside, primeiramente, em saber identificar uma norma processual pura de uma norma processual com conteúdo material (ou substancial). Se a norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como norma puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou norma mista. Sendo assim, a ela se aplica a regra de direito intertemporal penal, e não processual.” [3]

Assim, tendo em vista a violação a direitos fundamentais e o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 260 do Código de Processo Penal, outra alternativa não há senão a desconstituição das provas ilicitamente obtidas através da agora extinta condução coercitiva.

Ao posicionar-se de tal maneira, reconhecendo a inconstitucionalidade do dispositivo e convalidando os interrogatórios realizados através da condução coercitiva, agindo contraditoriamente a sua própria decisão, cria o Supremo Tribunal Federal uma nova anomalia no processo penal brasileiro, e eleva, ainda mais, a insegurança jurídica tão enraizada no Poder Judiciário.


REFERÊNCIAS

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti de. Processo Penal e Constituição: Princípios Constitucionais do Processo Penal. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.

CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti de. Processo Penal e Constituição: Princípios Constitucionais do Processo Penal. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.

Mauricio Dal Castel

Advogado criminalista. Especialista em Ciências Penais (PUCRS).

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