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Advocacia baunilha

Advocacia baunilha

Anteriormente e de forma estupenda, neste site jurídico (aqui e aqui), foram abordadas as prerrogativas do profissional exercente da advocacia.

Todavia, antes de discutir referido tema (bem como qualquer outro inerente ao mundo jurídico e, por via de consequência, da advocacia), torna-se necessário abordar a origem dos profissionais. Para tanto, sendo o ensaio uma reflexão introdutória (de trabalho futuro), deve ser analisado contexto no qual é forjado o operador/exercitador do direito.

Em um primeiro momento, contextualizando referida assertiva, deve-se ter em mente que o Brasil é o país com a maior quantidade de instituições de ensino superior em Direito do mundo. E o pior: ainda que referidas instituições fossem somadas ao redor do globo, não atingiriam a quantidade e disponibilidade de cursos existentes em Terrae Brasilis.

Só em 2015, ganhou-se 105.317 novos bacharéis em direito, ultrapassando a marca de um milhão de advogados. Indiscutivelmente é uma área saturada, quiçá a com a maior quantidade de graduados.

Entretanto, diante do exponencial número de graduados, será que a quantidade de cursos ofertados corresponde a expectativa que o mercado de trabalho (jurídico) exige? São formados bons operadores? Qual a qualidade do profissional?

Se não bastasse a exacerbada oferta e as indagações acima expostas, há uma tendência pela busca da simplificação. Sinopses, manuais, compilações, jargões e toda e qualquer forma que busque sintetizar (e facilitar o “decoreba”) o ensino jurídico que, no final das contas, torna-se “fast food” (expressão atribuída e utilizada por Streck em inúmeras de suas colunas).

Longe de discutir as inúmeras (e, por vezes, óbvias) razões pelas quais há essa tendência ao “reducionismo” (mercado dos concursos públicos, formação jurídica direcionada ao Exame da Ordem, etc.), frise-se que, de forma veemente, inúmeros pensadores e expoentes têm se posicionado de modo contrário a esta banalização, tal como Paulo Silas Filho e, de modo mais crucial e prominente, Lenio Luiz Streck (em inúmeras colunas, escritos e obras de sua autoria).

Advocacia baunilha

Dentro deste contexto (caótico) surge a expressão “baunilha”, inicialmente trazida por Maria Filomena Gregori e adaptada por Alexandre Morais da Rosa para diagnosticar o fenômeno da atual formação jurídica que, direta e indiretamente, reflete na atuação e comportamento profissional deste contingente estudantil. Como menciona Morais da ROSA (2017, p. 56/57),

A sedução pela simplicidade faz com que muitos se abracem nos resumos que prometem o Direito fácil, simplificado, e tenho lá minhas desconfianças de que seja assim mesmo, até porque se fosse tão simples ou fácil, não precisaríamos de tantas publicações. […]

O desconforto e a angústia decorrem do fato de que o ensino do direito acabou se focando no estudo para prova da OAB. E a prova da OAB não prepara para o mundo da vida.

Para tanto, a solução prática criada, como filtro (principal), para barrar o grande contingente de formados, é a prova do Exame de Ordem. Ela é exigida para a admissão do (então) bacharel em direito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (e, assim como os demais setores, move um mercado equivalente ao “concurseiro”).

Em referido certame, exigem-se conhecimentos – mínimos – para o exercício da advocacia. Não há concorrência. A aprovação consiste em duas etapas: a primeira, objetiva, é superada com o acerto da metade das questões. A segunda, com o enfrentamento de questões discursivas e a solução de problema prático-profissional (e o desenvolvimento da peça prática correspondente).

Neste ínterim, mesmo com referida barreira (que barra a grande maioria dos candidatos em suas primeiras tentativas) e tratando-se especialmente do Estado de São Paulo, verifica-se, em rápida pesquisa online, nos quadros da OAB/SP (consulta de inscritos), há mais de 429.000 inscritos (entre ativos e inativos).

Ainda que de forma sucinta, exposto o contexto caótico em que está inserido (e, desse modo, enfrentado) por aquele que se torna um advogado, não é difícil verificar que o diagnóstico exposto se replica na profissão.

Advogados e a advocacia baunilha

O jovem advogado baunilha (no caso, aquele que acabou de se formar e inscrever nos quadros da OAB, bem como não cursou a graduação de forma crítica, buscando fontes diversas das simplificações outrora abordadas) dificilmente terá sucesso no seu mister. É fato. Isto porque o conhecimento que detém está exclusivamente atrelado ao “decoreba” utilizado para passar no Exame da Ordem.

Não é raro o insucesso retórico e argumentativo em processos quando da realização de audiências, peças e demais atos processuais. Mais alarmante ainda é a questão das prerrogativas profissionais: seja pelo desconhecimento da existência das mesmas ou até pela rasa importância atribuída as mesmas, uma vez que o contato, via de regra, se dá no estudo para o Exame (na matéria de ética profissional).

Destarte, este operador do direito enfrentará sérias dificuldades, de modo que colocará em xeque a sua atuação e a defesa dos interesses e garantias fundamentais do seu cliente.

A solução para o problema, ainda que de forma breve, é simples: estudar e saber se valer, quando necessário, de suas prerrogativas.

O bom advogado, fugindo do estigma atual, é aquele que está em constante aperfeiçoamento: tem em mente que a graduação é o primeiro passo de uma longa e interminável caminhada (que deve ser realizada de maneira crítica e com ressalvas pessoais). É aquele que exige o respeito ao seu exercício profissional ainda que diante de inúmeras adversidades cotidianas, prezando pelos prismas constitucionais.

Por fim, o patrono deverá ter em mente que o sucesso, na grande maioria das vezes, é gradual e vem com o tempo (enquanto fator de amadurecimento). E para que atinja referido sucesso, deverá ter em suas prerrogativas a liberdade necessária para sua atuação e defesa dos interesses próprios e de seu cliente.


REFERÊNCIAS

ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 4. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.


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Gabriel Teixeira Santos

Advogado. Pós-graduando em Filosofia e Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2018-2019).

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