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Advocacia criminal: minha primeira experiência na Delegacia

Advocacia criminal: minha primeira experiência na Delegacia

Quero trazer um pequeno causo da primeira vez que fui à Delegacia.

A intenção é apenas contar uma das minhas idas e vindas nas Delegacias de São Paulo.

É de se destacar, a priori, que nunca nutri familiaridade com a matéria penal e suas práticas durante o curso de Direito.

Sempre fui um estagiário assíduo na área cível, fato que assiste para minha agrura em iniciar na seara Penal.

Ocorre que eu estava determinado em atuar nesse ramo apaixonante do Direito.

Não obstante, é claro, alguns infortúnios.

Cabe, nesse primeiro momento, discorrer brevemente acerca da minha dificuldade de captar clientes – uma tarefa árdua, por sinal.

Pois bem. Peço licença para começar.

Após muita dificuldade, estava eu em casa, formado, advogado, orgulho da família, sem nenhum “puto” no bolso. Sem clientes.

Formado há pouco mais de seis meses e, literalmente, sem rumo nenhum na vida.

Constantemente era confrontado por amigos se já estava trabalhando em algum escritório, se já estava rico.

Recordo que nas festas de Final de Ano, mais precisamente de 2016 para 2017, enchia o peito para falar que era advogado e iria trabalha com Direito Penal. Um assombro, é claro, para familiares e amigos, que diziam coisas como:

Como assim, você vai defender bandido?

Ou então:

Nossa, estudou tanto pra defender bandido?

Pois bem, era fevereiro de 2017, um sábado. O céu estava sem nuvens, muito raro em São Paulo.

Por voltas das 22h recebo uma mensagem na rede social:

Dotor, Tício está preso! É caro pra você defender ele?

Lembro muito bem. É difícil descrever, muito difícil confessar, mas na verdade eu fiquei muito feliz com aquela notícia. Nem sabia o que fazer.

Depois de escolher o terno, camisa e, é claro, a gravata para combinar com todo o aparato, fui ao encontro dos familiares.

E aqui deixo claro minha primeira dificuldade: explicar como e o que fazer para o cliente é muito difícil, porque sempre vem aquela pergunta, depois de uma série de outras perguntas:

Ele vai sair hoje, doutor? É de partir o coração.

E aqui começa a saga.

Após conversar com os familiares do meu cliente, munido de algumas informações, liguei na Delegacia, falei com o Escrivão e perguntei se realmente o Tício estava lá.

Confirmado, informei que chagaria em alguns minutos.

Chegando ao local, para minha surpresa, tinha alguns familiares de Mélvi.

Ao que tudo indicava, estava em conluio com Tício na empreitada.

Após confirmar os valores para atuar em sede policial, adentrei na Delegacia com o terno preto, alinhado, peito estufado, sério e com as pernas trêmulas.

Falei com o escrivão que gostaria de ver meus clientes.

O escrivão, então, solicitou a minha OAB.

Mostrei de pronto, todo orgulhoso. Nunca tinha antes tirado da carteira, estava primorosa:

Doutor, seus clientes vão falar?

Respondi rapidamente:

Vou conversar com eles primeiro!

Ato contínuo, ele me pediu para acompanhá-lo até o xilindró.

No trajeto, eu estava muito nervoso, minhas pernas tremiam muito, minhas mãos suadas e a garganta seca.

Então, lá estavam eles: Tício de pé, cabeça baixa, encostado na parede e segurando as grades enferrujadas da cela; Mélvio, sentado no chão com a cabeça baixa e entre os joelhos.

O escrivão falou bem alto, produzindo um eco no local:

Advogado chegou.

Meus clientes levantaram suas cabeças ao mesmo tempo, ambos com lágrimas nos olhos. E aqui, caro leitor, pela primeira vez, vivenciei a responsabilidade de ser um Advogado.

Após seis meses com a “vermelhinha” na mão, experimentei a árdua tarefa que é ser advogado criminal.

Atuar na área exige frieza. Naquele momento, você tem a laboriosa tarefa de acalmar seu cliente, de transmitir confiança, porque agora é você, um jovem recém-formado, pegando seus medos e suas inseguranças e colocando-as de lado.

Mas eu falava de Tício e Mélvio. Após conversar com meus clientes, expliquei o que poderia ser feito, como iria fazer e o que poderia pedir.

Saindo do xilindró, ainda na Delegacia, pedi para falar com o Delegado. Logo em seguida falei com os familiares, informei a eles que Tício e Mévio não iriam para casa naquela noite.

É importante ressaltar que os familiares sofrem a pena junto com seus filhos, maridos, sobrinho e netos.

Talvez Tício e Mélvio estivessem naquela situação por manter más companhias, ou até mesmo a educação recebida em casa ou a falta dela.

O fato é que eu não estava ali para julgar.

E, por fim, diante de todos os acontecimentos, fiquei a noite toda acompanhando os depoimentos dos meus clientes.

Aliás, fui para casa já era quatro horas da manhã, com a sensação de dever cumprido.

No domingo, a cabeça não parava de matutar, sabendo que na segunda-feira teria um intenso trabalho.

E assim, meu caro leitor, começa minha vida na Advocacia Criminal.

Obrigado e até a próxima.


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João Carlos Gomes do Nascimento

Advogado criminalista

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