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Advocacia criminal e literatura: uma união essencial

Advocacia criminal e literatura: uma união essencial

O mundo mudou. A velocidade é a marca registrada. No âmbito da advocacia, o advogado artesanal perde seu espaço aos grandes escritórios de ações de massa que muitas vezes funcionam copiando a mesma petição, alterando os nomes e os dados essenciais. Todavia, a advocacia criminal distingue-se desse tipo de serviço.

Ela sim, deve ser artesanal, arquitetada e muito bem planejada. Não há cópias, uma vez que cada caso é cada caso, toda parte escrita (peticionada) deve patrocinar uma causa que sempre, em seus meandros, difere de outra. Por esse motivo, o criminalista deve diferenciar-se e a literatura o completa numa união essencial.

Na atual circunstância da exuberante e assustadora velocidade, o dom de contar as histórias de seus clientes deve estar incrustado no criminalista. A facilidade em condensar e preparar as ideias e fatos para que a petição não seja monótona e caia no esquecimento daquele que lê é o primeiro passo.

Páginas e páginas de petição que narram o fato, muitas vezes são necessárias, todavia, saber contar o caso com erudição e mais que isso, singeleza e objetividade é um exercício que deve ser praticado todos os dias.

O direito nos traz, desde os primórdios passos na faculdade, inúmeras oportunidades de leitura técnica que não deve ser menosprezada.

Entretanto, a pratica da leitura não pode ser obrigada, deve vir numa pulsão interna da pessoa, que a traz como característica de sua personalidade. Por esse motivo, muitos advogados são também escritores, alguns tão famosos como Ruy Barbosa, José de Alencar, Gregório de Matos e Franz Kafka.

O direito traz consigo o cerne da leitura, por isso, muitas pessoas que escolhem o curso carregam consigo a paixão pela arte de ler.

Além de auxiliar no vocabulário, que cresce dia a dia com a literatura, é por ela que o advogado criminalista consegue contar a história, que não deve ser narrada de forma enfadonha ou até mesmo, que desrespeite aquele que a interpreta.

Como dito, na modernidade em que se vive, páginas e mais páginas de um conto que não atinge o seu ápice nem seu objetivo de integrar o magistrado ao caso concreto, podem levar ao sentido contrário: enquanto se pensa que escrever um absurdo número de laudas significou ser completo, na verdade foi fatigante, não envolvente e muito dispersivo.

Saber condensar as ideias e tratar o assunto com parcimônia e clareza é exercício diário. Por isso, a literatura nos fornece possibilidades. Muitos contos e historias trazem consigo, além da visão do autor, a criação de expectativas que o próprio leitor, ao interpretar aquilo que lê, ao mesmo tempo, as cria.

Ao final, descobre-se que o caminho para o entendimento da obra muito dependerá da compreensão que o leitor faz do objeto. Desse modo, é fundamental torna-la atrativa. A petição criminal é a mesma coisa.

Da mesma forma que saber contar a história é fundamental, também o é entender a complexidade dos dias em que vivemos. Muitas petições não comportam esse entendimento, uma vez que são realizadas de forma a deixar de fora as novas nuances da pós modernidade, ou surmoderne, como quer Balandier.

Para que se possa contar uma história convincente, ela deve estar arraigada nos valores que se fundamentam no tempo em que se vive. Por exemplo, fatos devem ser apontados pela interpretação que o personagem principal faz do contexto em que vive, das circunstancias em que se habitua.

Em essencial no direito criminal, onde as interpretações se dão por um interacionismo entre o leitor e o objeto, é primordial que o escritor tenha aptidão em ligar esse objeto àquele que o lê.

Entende-se que exista uma relação de distância efetiva entre o julgador da lide e o réu que se defende, uma vez que não há interacionismo simbólico algum entre ambos, em nenhuma circunstância.

Nesse intento deve agir o criminalista, trazer um pouco mais para perto as pessoas, tentar criar o elo entre o um e o outro, fazer com que todos os envolvidos, tanto na leitura quanto naquilo que está devidamente sendo narrado, os personagens e o julgador, tornem-se nós.

Para isso, fundamental a literatura. Por ela inúmeras histórias e maneiras de contar os casos que aparecem são magistralmente utilizados pelo contador das histórias.  Por outro lado, saber destacar casos análogos ao que traz a literatura, para a vida real, é um dom que somente o bom leitor tem.

Por isso, desde o começo dos estudos jurídicos, na primeira vez em que perpassar a mente do jovem estudante a possibilidade em estudar o direito, este deve preparar-se para uma aventura além daquelas que trazem a exegese do que é direito. Deve ler, o que de bom e excelente tiver para ler.

Em especial aos criminalistas, uma vez que contam histórias muitas vezes precisando reverter um entendimento que paira em conjunto na população e porque não, no julgador, pois também faz parte da mesma população, dessa forma, enraizado no problema.

É dever do criminalista trazer a solução, transformar um entendimento pétreo/concebido previamente pela própria vida, numa outra maneira de olhar o caso: numa outra forma de olhar o outro.

Iverson Kech Ferreira

Mestre em Direito. Professor. Advogado.

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