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Eu, advogada porta de cadeia?

Eu, advogada porta de cadeia?

Neste artigo falarei sobre as chibatadas no lombo da advogada (o) criminalista. E o farei com sinceridade, sem ocultar a dureza desta realidade. Por isso, perdoem-me se algumas palavras parecerem ser especialmente difíceis de aceitar. Eu entendo, são expressões difíceis de digerir, mas repito: assim é a realidade em torno de nós advogados (suponho a maioria).

Decidi escrever desse modo porque, se queremos afrontar o que ouvimos, devemos fazê-lo de forma sincera e madura, não lendo exclusivamente o que gostamos, mas também o que não gostamos. Pelo contrário, também lhes asseguro que não haverá espaço para sensacionalismo nem para invenções gratuitas. Sem blá blá blá, o meu compromisso (sem ironia) é o desabafo de uma mulher que resolveu seguir a profissão advogada criminalista. 

A descrição advogada criminalista, conhecida popularmente como: vamos lá? infinitas nomenclaturas… advogada (o) porta de cadeia, advogada (o) de bandido, etc;

Claro, vivemos em mundo no qual a violência parece haver tomado conta de todos os âmbitos. O meio de comunicação só nos informam dos fatos consumados, mas não o que há por trás deles e esse é um dos motivos pelo qual o “advogado é condenado” também. 

No entanto, a simples tentativa por parte da mídia não consiste apenas na simples tentativa de destruição da reputação de um único advogado ou escritório de advocacia. Não é um simples caso especifico polêmico, ainda que renomados advogados tenham experimentado o sabor amargo do veneno (esse poderoso veneno) destilado pela condenação mediática: é a advocacia em si que tem sido vítima, tratando os advogados como se inimigos fossem da própria sociedade. 

Muitas vezes, a população deixa-se levar pelo impulso primitivo de seus sentimentos de justiça, vingança (olho por olho e dente por dente). Porém, o que poucos percebem é que, um dia, podem estar ao lado oposto da situação.

Qualquer cidadão está sujeito a cometer algum tipo de delito, seja dolosamente ou culposamente. Ou, na maioria dos casos, algum familiar poderá se envolver em alguma situação (seu telefone tocará) e, desta forma a advogada (o) que até o momento era vista como “advogada (o) de porta de cadeia” irá ter um papel fundamental na vida dessas pessoas.

Ora, não exercem os advogados (a) uma função social indispensável, o que inclusive é expressamente definido pelo próprio texto constitucional? 

É sabido que o nosso País enfrenta hoje uma desarmonia profunda. Talvez uma suposta explicação é o fato das pessoas terem se aproximado do ódio. O embate político, a intolerância, a miséria, a falta de educação, saúde e etc. (sem novidades).

No entanto, ainda que muitos recriminem a advocacia criminal, não se pode negar que é de suma importância sua presença no cenário social, não como defensora de porta de cadeia, mas como garantidora dos direitos que o Estado, a todos, estabeleceu.

Lembro que logo quando iniciei o curso de Direito não tinha expectativas formadas ou sonhos sobre qual caminho a seguir. Ingressei no curso pensando em concurso, sem imaginar que estava seguindo a melhor profissão da minha vida. 

Comecei fazer estágio em um escritório de advocacia criminal e o envolvimento com esta área do direito nasceu desde então. Posteriormente, com alguns casos daquele escritório, surgiram as indagações. Estarei preparada para enfrentar o preconceito que virá da sociedade quando me deparar na defesa de supostos assassinos, traficantes, estupradores ou até mesmo um filho que supostamente matará sua mãe? Estarei preparada para entrar em júri e enfrentar os jurados? Estarei preparada para suportar o preconceito vindo da minha própria família? Estarei preparada ainda, supostamente quando um pai esquartejar seu filho menor?

Estabelecido fica que, não há de se confundir os atos da advogada criminalista com aqueles praticados pelo seu cliente. Além do que, sabemos que é dever assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a suposta culpa do acusado. Veja, grave em sua mente e leve isso fixado:

Não há causa criminal indigna de defesa, cumprindo ao advogado agir, como defensor, no sentido de que a todos seja concedido tratamento condizente com a dignidade da pessoa humana, sob a égide das garantias constitucionais.

Desta forma, percebo a cada situação especifica, a cada caso de um colega (acompanho), que não foi verdadeiramente algo que escolhi ou um caminho que resolvi seguir aleatoriamente. A advocacia indiretamente me escolheu.

Vejo esta profissão como uma missão.

Colocar-se diante do cliente, buscando a Justiça e a garantia dos Direitos é honroso, afinal, fui escolhida.

Tenho muito a aprender, muito a comemorar. A comemoração é pela chance de estar trabalhando por aquilo que acredito, pela admiração a profissão, as minhas lutas e comemoro quando um (a) colega alcança uma vitória.  Li certa vez que,

quem entende a advocacia criminal como algo que ultrapassa o simples exercício profissional, que se alonga para significar defesa de valores do direito do homem, sua vivência social e política, o que tudo compõe sua cidadania, haverá de reconhecê-la como a forma mais efetiva de a esta defender e fazer respeitada. Cidadania não é só o que as leis dizem que seja, mas é, também, o reconhecimento de que o homem é mais do que um número de estatísticas, é um ser social que se quer igual aos demais e assim tratado. Na medida em que o advogado criminal luta por alguns dos direitos mais essenciais, entre os quais a liberdade avulta, ele está lutando, exaltando ou construindo cidadania. É por isso que a vida profissional do advogado criminal, sua atuação perante os tribunais ou fora deles, é uma luta permanente pela cidadania, ainda que às vezes não haja plena consciência disso.  Essa luta diária é uma escola. Uma escola onde o advogado ensina e aprende (professor Edson O`Dwyer).

Quanto a discriminação existente e persistente na nossa área, desconheço. Se por algum momento sofri ou tentaram criar esse rótulo, não lembro. Nunca permitirei sentir essa “discriminação”. Jamais terei dificuldade por este motivo. 

Afinal, advogar é ter coragem, paciência, perseverança, viver as lutas, ser humilde, ser destemida, saber sofrer derrotas, ter criatividade, ser sincera com o seu cliente, saber ouvir, lutar por um ideal, buscar a paz social e acima de tudo sentir-se realizada (independente de muito dinheiro).

Eu, advogada porta de cadeia?

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Patricia Britto

Advogada criminalista

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