Advogado bom é o que gasta a sola do sapato!
Por Jean de Menezes Severo
Fala meu povo do Canal Ciências Criminais! Que maravilha encontrar Vossas Excelências nesta última quinta-feira de outubro. É uma grande alegria escrever semanalmente para leitores tão interessados, que acabam tornando-se amigos da gente e que este humilde rábula diplomado possa continuar escrevendo algo que seja do seu agrado, bem com de alguma utilidade aos mesmos. Sem “migué”, mostrando o dia a dia do advogado militante, que acorda cedo e dorme tarde, mas sempre com um sorriso no rosto.
Processos, muitos processos, milhares de processos para poucos julgadores. Temos aí um imenso problema: muita demanda processual para pouco efetivo humano. No entanto, você e teu cliente não têm culpa disso, certo? Pagamos uma verdadeira fortuna de impostos que, infelizmente, não reflete na qualidade dos serviços oferecidos em nosso país e com o Judiciário não é diferente.
Quando iniciei na profissão, perguntava-me: Será que o juiz leu minha apelação? Meu HC foi analisado como deveria pelo ilustre desembargador? Até hoje não tenho respostas para essas questões, porém, descobri com a luta diária uma maneira de ser visto e lembrado por esses julgadores tão atarefados, qual seja: gastar a sola de sapato e sempre que possível comparecer no gabinete do juiz, desembargador, diretor de presídio ou de quem quer que seja. Mas vá, pois é o único meio de você ter seu pleito analisado da maneira que tu e teu cliente esperam.
Advogado que fica atrás da mesa curtindo seu ar condicionado na tranquilidade de seu escritório está fadado ao fracasso. A conversa direta, de forma clara, educada, o bom e velho “olho no olho” tem muito mais eficiência do que cem páginas de petição bem redigidas. Aliás, cem páginas bem redigidas é um dos conselhos que dou: seja sucinto, eis que ninguém lerá mesmo tantas laudas.
Divido com vocês, nesta coluna, mais uma das minhas batalhas e angústias do dia a dia. Cliente preso há mais de dez anos, necessitando, com urgência, de transferência de casa prisional. No cárcere, desenvolveu síndrome do pânico e outras enfermidades. Sua maior dificuldade para o deferimento da transferência era o fato de o mesmo ter sido, supostamente, há anos atrás, um dos líderes de uma facção criminosa, o que efetivamente dificultava sua transferência.
O último pedido de transferência feito por este advogado foi negado! Desta vez, não aceitei aquilo; o apenado está completamente debilitado na cadeia, ingerindo uma gama de remédios controlados. Eu fazia alguma coisa ou o cara morria e não poderia deixar isto acontecer na minha defesa.
Pego o “carango” e me vou para a cidade interiorana que havia negado sua transferência. Dirijo-me prontamente à Vara de Execuções Penais e peço para falar com o juiz ou com sua assessoria. Então, aparece um senhor simpático, para o qual exponho o ocorrido e que me interpela: Doutor, o histórico do apenado é ruim; a casa prisional negou.
Não perco tempo e me desloco até o presídio para o qual eu havia requerido a transferência. Assim que chego, já peço gentilmente para falar com o diretor. De maneira surpreendente, sou muito bem recebido por todos e, em uma sala reservada, começo a contar a história do meu cliente e a necessidade de sua transferência, com extrema urgência.
Agora pasmem, porque não é piada! O diretor não sabia de absolutamente nada do que a defesa havia pedido; apenas ouviu um comentário do chefe da segurança que um apenado, líder de uma facção, queria guarida em sua penitenciária. É evidente que, após o comentário do chefe da segurança, o diretor negasse a transferência, porém ao me ouvir e, principalmente, os motivos que me traziam até ali, a situação modificou-se. Contei da doença do apenado e que, após tanto tempo na prisão, não poderia estar liderando absolutamente nada nem ninguém e que, por uma questão de humanidade, este preso pedia para ser transferido para aquela casa prisional com o intuito de ficar próximo da família que não via há muitos anos.
Excelente conversa que se encerrou com um aperto de mão e com uma renovada possibilidade de a casa aceitar aquela transferência. Contudo, ainda existia a figura do magistrado local que eu fora visitar na manhã seguinte, visto que, em determinado dia da semana, ele atendia à comunidade em geral e advogados.
Retornei cedo no outro dia para conversar com o juiz que, de forma muito cordial e gentil, escutou os argumentos da defesa e me informou que havia negado o pedido pelo fato de a casa prisional ter negado receber o apenado. Porém, após ouvir atentamente a defesa, disse que estava inclinado a receber o apenado desde, que se comprovasse que o mesmo tivesse família naquele local, assim como estivesse realmente adoentado, com uma ressalva: que o preso mantivesse comportamento adequado no presídio, senão retornaria a antiga casa prisional.
A transferência do apenado não se efetivou, mas tenho convicção que ela ocorreram em breve, vindo a cumprir o restante de sua pena perto da família e em uma casa prisional que lhe possa oferecer condições melhores de saúde para controlar sua grave moléstia.
Com esta coluna, apenas quero deixar bem claro que o trabalho do advogado vai além do escritório; mais além ainda do das petições escritas com tanto esmero por todos nós. Para realmente termos sucesso, é necessário irmos atrás, olhar nos olhos dos julgadores e argumentar. Sim, dá muito mais trabalho, todavia o prazer de uma conquista como esta que estou prestes a obter, que é a simples transferência de um preso, vale muito. Atuando neste processo, já em fase de execução criminal, tive duas certezas: que salvei uma vida e a outra é que a lugar de advogado é atuando onde o problema estiver, seja lá onde for!