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A atuação do advogado criminalista nas penitenciárias femininas

Homens e mulheres são iguais perante a lei. Entretanto, na esteira do princípio da igualdade material, há de se tratar de forma diferente os desiguais, na medida da sua desigualdade. É com este propósito que a Lei de Execuções Penais tratou as penitenciárias femininas de forma diferenciada, adaptando as necessidades das mulheres para um público cada vez maior.

Nas penitenciárias femininas, e trato aqui daquela em que mais atuei, a Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, há condenadas ao cumprimento de pena privativa de liberdade, tanto nos regimes semiaberto e fechado, bem como de presas provisórias. Na sua maioria, são mulheres usuárias de drogas, pobres ou moradoras de rua, com filhos e sem trabalho formal.

Aí reside um dos maiores dramas da população carcerária feminina: a administração da família, sobretudo, dos filhos menores e dependentes. Quem nunca entrou em penitenciárias femininas, decerto nem mesmo pensa em como uma detenta poderá amamentar o filho. Ficará ele lá, à mercê do sistema carcerário, submetido também à pena restritiva de liberdade?

A resposta vem estabelecida na Lei de Execuções Penais, em seus artigos 83 e 89, que tratam da estrutura de uma penitenciaria feminina, a contemplar berçários e creches, além de seção para parturientes e gestantes. Diz a lei:

Art. 83. (…) 

§ 2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade.

Art. 89.  Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa. 

Parágrafo único.  São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste artigo: 

I – atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e 

II – horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável. 

Dúvidas podem surgir ainda sobre como serão formadas as equipes de atendimento nas dependências das penitenciárias femininas. Poderão ser compostas por homens? Se assim for, de que forma um agente do sexo masculino poderá fazer a revista nas detentas, por exemplo?

A resposta também vem descrita na LEP, nos artigos 77 e 83, ao determinar a composição das equipes, inclusive de segurança, unicamente por pessoas do sexo feminino, exceto quando se tratar de corpo técnico especializado:

Art. 77. (…)

§ 2º No estabelecimento para mulheres somente se permitirá o trabalho de pessoal do sexo feminino, salvo quando se tratar de pessoal técnico especializado.

Art. 83. (…).

§3º  Os estabelecimentos de que trata o § 2º deste artigo deverão possuir, exclusivamente, agentes do sexo feminino na segurança de suas dependências internas.

O cotidiano de uma presa, por outro lado, não é muito diferente dos segregados do sexo masculino. Logo que adentra ao sistema carcerário, a detenta compreende quem manda e quem obedece. Cabe a ela manter-se com os olhos para baixo, as mãos posicionadas para trás das costas e permanecer com o rosto voltado para a parede.

Assim como nos locais destinados aos homens, há a “xerife”, existem as líderes das celas, as briguentas, as caguetes etc. As chefas na maioria das vezes são as presas mais antigas, chamadas “da casa”, ou mesmo conquistaram a sua liderança pela força. Deste modo, é um cargo que se vê sempre em disputa.

Em minha experiência profissional como advogada criminalista, certa vez atuei em plenário do júri, em uma das Varas do Foro Central de Porto Alegre. O caso era famoso, levou até o nome de uma minissérie televisiva atinente às suas sete acusadas e a uma mesma casa prisional. Sobre o processo, havia ocorrido uma briga entre as sete detentas, oriunda da disputa pelo tráfico interno e por um posto de chefia da ala. Uma das presas envolvidas veio a óbito, e sete mulheres foram a júri popular, acusadas tanto da traficância como do homicídio.

Nunca esqueço do interrogatório da minha cliente: uma moça humilde, realmente muito pobre, grávida de seu terceiro ou quarto filho. Questionada pela magistrada em plenário sobre os motivos pelos quais havia foragido da ala semiaberta por certo tempo, respondeu sem hesitar:

Precisei ficar uns tempos fora, pois a minha mãe é dependente química e estava emprestando a minha filha menor em troca de drogas. Precisei sair para cuidar dela

Não é difícil imaginar o silêncio que se seguiu a essa fala, calando a todos naquele dia cinzento. Foi a concretização de uma realidade muitas vezes tão distante, que somente quem atua na área criminal pode um dia contemplar, e da qual eu nunca vou esquecer.

Karla Sampaio

Advogada Criminalista e Bacharel em Administração de Empresas. Especialista em Direito Penal e Direito Penal Empresarial, com atuação no RS e nos Tribunais Superiores, em Brasília.

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