Afinal, Bolsonaro pode ser responsabilizado criminalmente?
Ultimamente, a mídia tem reservado tempo significativo para discutir e informar a população acerca da reunião ministerial, os depoimentos do Presidente da República Jair Bolsonaro e seus ministros, bem como todo emaranhado que envolve a exoneração do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro.
O ex-ministro afirma que o Presidente da República teria cometido crime ao tentar interferir ilegalmente nas investigações comandadas pela Polícia Federal, quando o mesmo queria trocar – sem motivos técnicos – um dos Diretores da Superintendência da Policial Federal. Tais trocas beneficiariam seu filho, Flávio Bolsonaro, senador da república e alvo das investigações.
Portanto, diante do cargo exercido por Jair Bolsonaro, quais seriam as implicações jurídicas atinentes ao caso? Poderia ser investigado ou processado? Vejamos.
Análise jurídica
Primeiramente, não podemos confundir que o Presidente da República, bem como parlamentares, possuem imunidade acerca de suas opiniões. Essa imunidade garante o livre exercício do cargo, diferentemente de supostas ações criminosas.
Quando um Presidente da República comete algum crime, esse possui algumas prerrogativas. Essa prerrogativa é chamada de “irresponsabilidade penal relativa temporária”, aplicável somente ao esse chefe do executivo federal.
A irresponsabilidade penal relativa temporária inibe que o Estado exerça o seu poder de persecução criminal contra aquele que estiver na titularidade da Presidência da Republica. Novelino (2016) pontua que
Durante a investidura, portanto, o Presidente da República não poderá ser responsabilizado penalmente por infrações cometidas antes do mandato ou durante o seu exercício, mas que não tenham relação com as funções inerentes ao cargo. (p. 654)
Essa impossibilidade de responsabilização se restringe ao âmbito penal, não abrangendo a responsabilidade civil, tributária, nem a infrações político-administrativas.
Portanto, se um presidente da República cometer um crime comum durante seu mandato que tenha relação com o cargo, a prerrogativa de irresponsabilidade penal relativa não é aplicável, de acordo com o art. 86 §4º da Constituição Federal.
No silêncio da lei maior e de acordo com o Inquérito 672/DF, o Ministro Celso de Mello balizou o tema:
[…] impõe-se advertir que, mesmo na esfera penal, a imunidade constitucional em questão somente incide sobre os fatos atinentes à persecutio criminis in judicio. Não impede, portanto, que, por iniciativa do Ministério Público, sejam ordenadas e praticadas, na fase pré-processual do procedimento investigatório, diligências de caráter instrutório destinadas a ensejar a informatio delicti e a viabilizar, no momento constitucionalmente oportuno, o ajuizamento da ação penal (STF, InQ 672-DF, Rel. Min. Celso de Mello).
Continua:
[…] a cláusula constitucional de imunidade temporária – que só afeta o jus persequendi in judicio nas infrações penais estranhas ao exercício da função presidencial – não se estende, não obsta e nem afeta a regular instauração e o normal desenvolvimento das investigações pertinentes ao comportamento supostamente delituoso do Chefe do Poder Executivo (STF, InQ 672-DF, Rel. Min. Celso de Mello).
Desse modo, a Constituição não proíbe a instauração ou continuidade de investigações em face do Chefe do Executivo Federal, ainda que os fatos envolvam, em tese, crime comum praticado fora do exercício da função presidencial.
Portanto, podemos afirmar que o Chefe do Executivo Federal:
1. Não pode ser PROCESSADO por fatos cometidos anteriormente ao mandado e por fatos cometidos atualmente, mas estranhos ao exercício do mandato – é a chamada regra de “irresponsabilidade penal relativa temporária” (por exemplo, um homicídio culposo);
2. Pode ser INVESTIGADO por fatos anteriores e atuais (quaisquer que sejam, relacionados ou não ao mandato);
3. Pode ser PROCESSADO se presentes os requisitos legais e mediante autorização da Câmara dos Deputados (art. 51, I e 86, caput, ambos da Constituição Federal), como já reconhecido no Inquérito 927-DF:
A Constituição do Brasil não consagrou, na regra positivada em seu art. 86, 4º, o princípio da irresponsabilidade penal absoluta do Presidente da República. O Chefe de Estado, nos ilícitos penais praticados ‘in officio’ ou cometidos ‘propter officium’, poderá, ainda que vigente o mandato presidencial, sofrer a ‘persecutio criminis’ desde que obtida, previamente, a necessária autorização da Câmara dos Deputados.
Portanto, caso haja elementos seguros e provas cabais de que o Presidente da República tenha interferido ou tentado interferir em investigações criminais, conforme relatado, o mesmo, além de poder ser investigado sem qualquer impedimento, poderá responder criminalmente pela conduta, desde que autorizado pela Câmara dos Deputados, da mesma forma que os crimes de responsabilidade.
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