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Afinal, “líderes” do PCC devem ou não ser isolados?

Afinal, “líderes” do PCC devem ou não ser isolados?

Estou aqui, mais uma vez, a escrever sobre Criminologia Penitenciária.

Tenho que obrigatoriamente invocar essa ciência “multi, trans e interdisciplinar”. Ciência deveras necessária e infelizmente tão renegada nas academias/universidades, não por sua irrelevância, mas por falta de interesse. 

A mesma falta de interesse que deixou o sistema prisional e a criminalidade organizada alcançar esse “status”, assim com o emprego do empirismo (conhecimento baseado na experiência), que mostrou equívocos graves em relação ao Plano Anticrime e as transferências de “líderes” visando ao “isolamento” dos mesmos. 

O fato de endurecer as leis, ampliar o rol de crimes hediondos, vedar o direito a progressão de regime e outros benefícios, visando a “intimidar”, “frear” a velocidade de expansão e poderio da criminalidade organizada, de nada adiantará contra aqueles que nasceram do Massacre do Carandiru (PCC).

Eles estão “acostumados” com essa “vida de mortes”, de torturas, de injustiças, covardias e etc., pois sempre viveram nesse “ambiente”. Faz parte da história de nascimento do crime organizado a ocorrência desses fatos. E isso não seria “privilégio” nosso quanto ao Partido do Crime. Afinal de contas, a disputa pelo poder com mortes dentro das organizações é um fato corriqueiro nas organizações criminosas mundiais. 

Quando iniciei como agente penitenciário, em 1994, o preso cumpria a sua pena do crime hediondo (que foi criado através da Lei 8.072/90) em sua integralidade no regime fechado. E nem por isso a cadeia estava “meio que vazia” de cometedores desses crimes.

Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional o cumprimento integral no regime fechado quando da prática de crime hediondo, por entender que o nosso sistema é o progressivo (HC nº 82.959-7/SP).

O acórdão fora publicado somente em 01 de setembro de 2006, mas já era tarde, pois o cárcere já estava entupido de presos que cometeram esse crime. Demoraram 16 anos para reconhecer a inconstitucionalidade e os efeitos devastadores do cárcere.

Mas será possível que 13 anos após a declaração de sua inconstitucionalidade, o Estado vai querer entupir ainda mais as cadeias, fazendo com que essas pessoas que cometeram crimes hediondos permaneçam mais tempo cumprindo penas no regime fechado?

Se anteriormente essa política criminal legislativa não conseguiu inibir o crime, por que agora esses criminosos iriam temer a tal mudança na lei? A volta dos presos no “integral no fechado” não inibirá a prática dos crimes, do mesmo modo que não inibiu anteriormente. Aliás, os Estados Unidos estão abolindo a pena capital (pena de morte) em razão de sua ineficiência (20 Estados já aboliram; outros 30 ainda aplicam a pena capital).

Resumidamente: era isso que eu gostaria de mostrar ao leitor, que essa “técnica legislativa penal” de endurecer com quem já foi muitas vezes endurecido. Afinal de contas, a profissão (crime) que resolveu seguir, exige isso do preso. A história já nos mostrou que não funciona. É só o leitor pesquisar que verá isso com muita facilidade. Fico indignado com essas políticas criminais e penitenciárias de amadores. 

Mas, falando em penitenciárias, tratarei agora dessas transferências que não inibem a comunicação com o mundo externo, podendo os presos continuarem praticando todos tipos de crimes.

Se você clicar AQUI, você poderá ver como o Fernandinho Beira-Mar se comunicava mesmo estando em RDD de Penitenciária Federal (a fragilidade da segurança é impressionante, sendo que até conseguirem descobrir o “método” empregado, muito estrago já tinha sido feito por Beira-Mar). 

Outro fato interessante é que, mesmo sem visita íntima e com o emprego da visita virtual (autorizada pelo judiciário), Beira-Mar conseguiu se “comunicar” usando códigos com sua esposa.

Mesmo preso também conseguiu arrumar empregos na Câmara Municipal de Duque de Caxias, para quem ele queria (um dos salários, o de sua filha, era de R$ 5.300). Até sua sogra foi beneficiada com o “cabidão de empregos do Beira-Mar” (ganhava R$ 3.200). Tudo isso você poderá ver no link acima, mas advirto: o vídeo é para aqueles que realmente querem “enxergar”, pois há também o direito daqueles que “querem permanecer cegos”.

Também há grupos de pessoas que vão dizer que isso o que estou “dizendo” é coisa de esquerdista, de PT, do Lula que tá preso e etc.. Mas esses grupos, na verdade, são ramificações, subdivisões “dos que não querem enxergar” e que não querem se envolver, porque estão em uma situação de “conforto” perante o Estado. É claro: “até o calo apertar o pé dos mesmos”. 

Observando as informações sobre as transferências, verifiquei que o Marcolinha (irmão do Marcola) teria sido transferido para a Papuda. Mas será o Benedito, que transferiram para o local que anteriormente seu irmão teria fundado uma filial do PCC, em uma das políticas criminógenas do Estado de SP? Por mais absurdo que seja isso, infelizmente é outra a verdade.

Transferiram “Marcolinha” (irmão do Marcola) para Brasília, mesmo local onde seu irmão (graças ao Estado de SP) fundou o PLD. E agora os dois estão confinados na mesma unidade prisional.  Vejamos um pouco sobre a história do PLD:

Segundo a investigação da Dipo, a história do PCC em Brasília começou em 5 de março de 2001, após o chefe máximo da organização desembarcar em terras candangas. Depois de peregrinar por diversos presídios do país, Marcos Herbas Camacho, o “Marcola”, foi recolhido ao Centro de Internação e Reeducação (CIR). Apesar da estada ter sido curta – ficou preso até 8 de fevereiro de 2002 –, ele deixou marcas profundas, tanto na mentalidade da massa carcerária quanto na segurança pública do DF. No curto período em que esteve na Papuda, Marcola criou um braço do PCC chamado pelos criminosos de Partido Liberdade e Direito (PLD). Investigadores da Divisão Especial de Combate ao Crime Organizado (Deco) identificaram que a facção havia sido criada nos mesmo moldes da organização criminosa paulista, inclusive em relação às regras contidas em seu estatuto.

Vejamos algumas transferências do Marcola:

(…) o mesmo possui diversas passagens pela “Caverna” (total de oito passagens) e em 16/02/2001 começou a rodar pelos Estados da União pondo em prática a política criminógena de São Paulo e assim nessa data foi transferido da Penitenciária do Estado em São Paulo para Ijuí/RS permanecendo até 05/03/2001, onde foi transferido para Brasília/DF ficando lá até 08/02/2002, onde foi removido para Aparecida de Goiânia/GO ficando até 15/02/2002, retornando a Brasília nessa data e permanecendo até 23/02/2002, onde foi transferido a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueada/RS permanecendo na mesma até 17/04/2002.

Seria assim recomendável como política criminal e penitenciária, transferir o irmão do líder do PCC para a mesma região aonde o PCC possui uma filial e depois transferir o Marcola, ou essa transferência seria “proposital”? No mínimo podemos dizer que isso é muito estranho.

Vamos tratar agora de “Julinho Carambola” (Júlio César Guedes de Moraes) e para isso vamos estudar um pouco sobre um certo processo do mesmo:

Imputa-se a “Marcola” e Júlio César Guedes de Moraes autoria intelectual do homicídio, eis que teriam determinado, como líderes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital PCC, juntamente com o corréu Sandro Henrique da Silva Santos, vulgo “Gulu” (falecido fls. 1.548 e 1.610), a morte do Magistrado, que era Juiz das Execuções Criminais e Corregedor dos Presídios da Região de Presidente Prudente, onde se encontravam recolhidos os ora acusados em Regime Disciplinar Diferenciado RDD. Naquela época o referido RDD era adotado por Portaria do (sic) SAP, não constando em termo expresso de leis, como veio a ocorrer com a alteração do art. 52, da LEP pela Lei n.º 10.792, de 1º/12/2003. (Apelação nº 0408108-07.2010.8.26.0000, da Comarca de São Paulo) 

Vejamos outra decisão interessante:

Em Plenário, ratificou a negativa de autoria e assegurou que cumpria pena no regime disciplinar diferenciado na penitenciária de Presidente Bernardes à época dos fatos. Ademais, se trata de criminoso contumaz, com longa pena a cumprir, chefe de organização criminosa que também dirige de dentro de estabelecimentos prisionais, tendo ordenado a morte de magistrado como forma de atemorizar a autoridade pública e obrigar a Secretaria de Assuntos Penitenciários e o Poder Judiciário a não impor o regime disciplinar diferenciado, criado à época por decisão administrativa para criminosos perigosos, chefes de quadrilha ou do crime organizado e que não se adaptassem ao regime comum de cumprimento de pena. (…) demonstrou com extrema vaidade criminal e imenso atrevimento no pretender atingir autoridades públicas, atemorizando-as com a morte do Juiz Corregedor dos Presídios e das Execuções Criminais de Presidente Prudente, fato que causou intensa comoção social.” (Apelação nº 0356144-72.2010.8.26.0000, da Comarca de São Paulo) 

Mas seria, então, a mesma a primeira transferência de Estado desse preso? Infelizmente a verdade nos mostra que não:

(…) mas não podemos deixar de mencionar que Julinho Carambola foi transferido para esse Estado em 06/03/1998 e tendo como sua ultima passagem por lá em 28/06/2000. Mister se faz mencionar que o Julinho Carambola permaneceu no Estabelecimento Penal de Segurança Máxima de Campo Grande/MS no período de 12/10/2000 a 28/12/2001 onde posteriormente foi transferido para a Penitenciária de Dourados/MS permanecendo até a data de 07/01/2002, sendo removido nessa data para o Estabelecimento Penal de Campo Grande/MS e permanecendo no mesmo até a data de 22/02/2002.

Eu não consigo entender como o Estado tem a “cara de pau” de se vangloriar com essas transferências, tentando-nos induzir a erro, fazendo-nos acreditar que isso nunca teria acontecido na vida de membros do PCC e que essas transferências seriam capazes de surtir algum grande efeito.

Se o leitor verificar com atenção as datas verificará que os mesmos ficaram distantes anos do Estado de SP e que na verdade isso só lhes trouxe mais poder junto aos presos e a própria organização.

Então por qual motivo foram realizadas essas transferências na prática carcerária? Eu respondo! Somente para que eles não tenham direito à visita íntima e para que não recebam alimentação dos visitantes (jumbo)! Seria assim tão importantes essas transferências?

Lógico que não! Mas o Estado precisa “enganar” a sociedade, mostrar que faz algo. Afinal de contas, eles têm que fazer algo. Nem que seja “trocar seis por meia dúzia”. O “enxugar gelo” ainda continua!


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Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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