Ainda sobre a prisão após condenação em segunda instância
Ainda sobre a prisão após condenação em segunda instância
Para que possamos melhor compreender a presente questão, é importante frisar a distinção entre prisão pena (carcer ad poenam) e prisão cautelar (ad custodiam).
A prisão pena consiste naquela que se dá após a decisão condenatória transitada em julgado, de caráter definitivo, enquanto a prisão cautelar é aquela que ocorre durante a persecução penal (pré-processual e processual).
Vale lembrar, ainda, que a prisão cautelar se subdivide em três hipóteses: (I) preventiva (artigo 312 do CPP); (ii) temporária (Lei nº 7.960/89) e (iii) prisão em flagrante (artigo 302 do CPP)
Ocorre que, após julgamento do HC 126.292/SP, firmou-se um novo entendimento a fim de permitir a prisão após julgamento em segunda instância, o que, aliás, fez com que fosse proposta as Ações de declaração de constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, as quais objetivavam a declaração da constitucionalidade do artigo 283 do CPP, o qual dispõe:
Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
Vale dizer que a discussão se dá quanto a impossibilidade da execução provisória da pena após a condenação em segunda instância.
Assim sendo, na quinta-feira (08/11/2019), o Supremo Tribunal Federal, após julgamento das ADCS, pacificou o entendimento – com efeito vinculante – no sentido que somente é possível a execução da pena após condenação penal transitada em julgado, ou seja, após todos os recursos cabíveis estiverem esgotados (artigo 5º, LVII, da CF).
No entanto, a decisão da Suprema Corte fez com que surgissem diversos questionamentos em relação a suas consequências como: (a) a possibilidade de prisão anteriormente a condenação transitada em julgado; (b) quantidade de presos que serão beneficiados com a decisão e o impacto sobre os presos da lava jato;
É possível a prisão anteriormente a condenação transitada em julgado?
Considerando que a decisão é pertinente a antecipação da execução da pena, nada impede que seja decretada alguma das hipóteses de prisão de natureza cautelar, seja de caráter temporário (no decurso do inquérito policial) ou preventivo (durante IP ou Ação Penal).
Não se confunde, aqui, a prisão pena da prisão cautelar, tampouco da execução antecipada da pena. Se preenchidos os requisitos, pressupostos e fundamentos das prisões cautelares, o agente poderá ser preso a qualquer momento da persecução criminal mediante decisão fundamentada pelo juiz (preventiva e temporária) ou permissivo constitucional (flagrante delito). Isto é, a qualquer momento anterior a condenação transitada em julgado, não necessitando que haja sempre a condenação após a segunda instância para que o agente seja preso.
A opinião pública no sentido de que criminosos com alto nível de periculosidade serão soltos não prospera. Isso porque, tais indivíduos, atualmente, se encontram presos preventivamente e não serão afetados pela decisão. Aliás, a prisão preventiva é instrumento fundamental e necessário contra as barbáries cometidas por determinados agentes, para que seja assegurada a ordem pública e, quando permitida, deverá ser decretada de ofício ou requisitado pelo Ministério Público.
Oportuno consignar que, no ano de 2017, a população carcerária chegou em 726 mil presos, sendo que 32% dos presos são provisórios. Ou seja, cerca de 232 mil presos encontram-se presos de forma provisória, haja vista que geram riscos a sociedade (estupradores; homicidas e etc). Insisto, os presos provisórios continuarão presos e não serão beneficiados pela decisão do STF.
No mais, devemos entender que a prisão em segunda instância somente privava a liberdade daqueles que, de certa forma, nem sequer causavam risco à sociedade.
Como bem suscitado pelo Defensor Público Federal, Gabriel Faria:
Teremos furtadores de chinelo, de lata de leite, de bolacha, presos e se profissionalizando em masmorras medievais com organizações criminosas.
Desta forma, não há razões para que o agente primário, sem antecedentes criminais e que não cause nenhum perigo a sociedade, cumpra pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória. Leia mais:
Ante o exposto, nada impede que o agente que pratique um delito seja preso cautelarmente antes mesmo de condenação em segunda instância. Não há nenhuma mudança nesse sentido.
A quantidade de presos que serão beneficiados com a decisão e o impacto na Lava Jato.
O Conselho Nacional de Justiça estipula que aproximadamente 4.800 presos poderão ser beneficiados da decisão do STF, incluindo os presos nessas circunstâncias na operação “Lava Jato”.
No que diz respeito à operação Lava Jato, é inegável que o combate a corrupção é algo necessário. Ademais, se trata de um marco histórico para combate à corrupção no Brasil, tendo em vista que a operação “Lava Jato” foi responsável pela prisão de 74 agentes do mais alto escalação (ex-presidente; funcionários públicos; empreiteiros e etc) pela prática de crimes do colarinho branco (White collar crimes).
Na hipótese, o Ministério Público Federal apontou que, dos 74 réus da Lava Jato, 38 poderão ser beneficiados com a decisão, pois estão presos por força da condenação após segunda instância, enquanto os demais réus encontra-se presos preventivamente e não estarão sujeitos aos efeitos da decisão do STF.
No mais, não haverá a soltura imediata/automática dos respectivos presos, seja em decorrência da Lava Jato ou não, pois caberá ao juiz analisar o caso concreto, podendo, inclusive, decretar a prisão preventiva se preenchidos os requisitos, pressupostos e fundamentos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Caso contrário, não há óbices para que o réu responda em liberdade até trânsito em julgado, pelo que deverá prevalecer o disposto no artigo 283 do Código de Processo Penal.
Por fim, não que se falar que aqueles que pactuam pela impossibilidade da prisão após condenação em segunda instância estão contra o combate à corrupção; o que há, na realidade, é garantia da norma constitucional; mais especificamente, da presunção de inocência. É fazer valer a Constituição Federal, sobretudo, a sua função de garantia e proteção aos direitos fundamentais.
Trata-se da aplicação do devido processo legal (due process of law) ao acusado e, sobretudo, a garantia da sua dignidade humana em face às limitações do Poder do Estado. Aliás, conforme sustenta o Professor Aury Lopes Junior
Punir é necessário; punir é civilizatório, desde que respeitadas as regras do jogo.
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