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Ainda sobre o tratamento penal do terrorismo

Por Marcelo Crespo

Conforme vimos na semana passada, o terrorismo tem se destacado como fenômeno internacional, sendo permeado por muitas controvérsias, em especial no que tange o seu tratamento penal.

Apesar da expressão “terrorismo” ser recorrente, o termo acaba sendo empregado com diversos significados, inexistindo um conceito legal, o que leva a uma certa confusão. Para tentar melhorar este entendimento é preciso recorrer ao nosso ordenamento jurídico para analisar como o assunto é por ele tratado.

Nesta perspectiva, nossa Constituição faz apenas duas menções a ele. A primeira afirmando que nas relações internacionais o Brasil será regido pelo repúdio ao terrorismo (art. 4º, VIII) e a segunda estabelece que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática do terrorismo (art. 5º, XLIII) entre outros. Não há, portanto, uma definição.

Por seu turno, a lei de Segurança Nacional – nº 7.170/83 – contém um crime que menciona a prática de terrorismo, mas igualmente não o define, conforme se observa abaixo:

Art. 20 – Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos. (destacamos)

No entanto, não se pode esquecer que em nosso ordenamento vigem alguns diplomas internacionais que foram inseridos por meio de Decretos que os promulgaram e, portanto, tornaram normas cogentes do nosso sistema jurídico. São eles:

A) Convenção relativa às infrações e a certos outros atos cometidos a bordo de aeronaves, assinada em Tóquio, em 1963, promulgada pelo Decreto nº 66.520/1970;

B) A Convenção para a repressão do apoderamento ilícito de aeronaves, assinada em Haia, em 16 de dezembro de 1970, promulgada pelo Decreto nº 70.201/72;

C) A Convenção para a repressão de atos ilícitos contra a segurança da aviação civil, assinada em Montreal, em 23 de dezembro de 1971, promulgada pelo Decreto nº 72.383/1973;

D) A Convenção sobre a proteção física dos materiais nucleares, assinada em 03 de dezembro de 1980, promulgada pelo Decreto nº 95/1991;

E) O Protocolo para a repressão de atos ilícitos de violência nos aeroportos que prestem serviços à aviação civil internacional complementar à Convenção para a repressão de atos ilícitos contra a segurança da aviação civil, assinada em Montreal em 24 de dezembro de 1988, promulgada pelo Decreto nº 2.611/1998;

F) A Convenção sobre a prevenção e punição de crimes contra pessoas que gozam de proteção internacional, inclusive agentes diplomáticos adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 14 de dezembro de 1973, promulgada pelo Decreto nº 3.167/1999; 

G) A Convenção internacional contra a tomada de reféns, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 17 de dezembro de 1979, promulgada pelo Decreto nº 3.517/2000;

H) A Convenção sobre a marcação de explosivos plásticos para fins de detecção concluída em Montreal em 1991 e promulgada pelo Decreto nº 4.021/2001;

I) A Convenção internacional para a supressão de atentados terroristas a bomba, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas 15 de dezembro de 1997, promulgada pelo Decreto nº 4.394/2002;

J) A Convenção interamericana contra o terrorismo (Convenção de Barbados), concluída em Barbados em 2002, promulgada pelo Decreto nº 5.639/2005;

L) A Convenção internacional para a supressão do financiamento do terrorismo adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 09 de novembro de 1999, promulgada pelo Decreto nº 5.640/2005; e

M) A Convenção para a supressão de atos ilegais contra a segurança de navegação marítima e protocolo para a supressão de atos ilícitos contra a segurança das plataformas fixas situadas na plataforma continental, ambos feitos em Roma, em 10 de dezembro de 1988, promulgados pelo Decreto nº 6.136/2007.

O que há em comum entre estes diplomas? Todos são mencionados pela Convenção interamericana contra o terrorismo como instrumentos internacionais aplicáveis para preveni-lo, puni-lo e eliminá-lo, além de nenhum deles trazer qualquer definição.

Há, no projeto de lei nº 236/12 do Senado, a previsão de crimes de terrorismo, em especial nos artigos 239 (terrorismo), 240 (financiamento do terrorismo), 241 (favorecimento pessoal no terrorismo) e 242 (disposições comuns). Ocorre que o projeto em questão sofre duras críticas da doutrina e de respeitadas instituições por se mostrar um péssimo Código Penal sob diversos vieses, o que se percebe pela leitura da nota técnica conjunta da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, da Pastoral Carcerária e da Rede Justiça Criminal. Assim, espera-se que o projeto não seja aprovado para evitar caos jurídico-penal.

Vale mencionar, ainda, que tramitam no Senado Federal os Projetos de Lei números 762/2011 e 499/2013.

O Projeto de Lei nº 762/2011, de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira, em seu artigo 2º define o crime de terrorismo como “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico, homofóbico ou xenófobo”. Além do mais, o referido projeto de lei estampa como agravantes, o fato do crime ser cometido contra determinadas autoridades. Ademais, o projeto também tipifica a incitação ao terrorismo por meio da (material gráfico, sonoro ou vídeo com pena agravada se cometido pela Internet), o crime de grupo terrorista (associação de três ou mais pessoas para praticar o terrorismo) e o financiamento do terrorismo (agravado se praticado por intermédio de pessoa jurídica com o objetivo de dissimular a origem e a destinação dos recursos). As penas variam entre três e trinta anos e a competência para julgamento é da Justiça Federal.

Já o projeto de Lei nº 499/2013, de lavra do Senador Romero Jucá, define o crime de terrorismo exatamente como no projeto de lei anteriormente descrito, exceto por retirar do tipo penal a motivação (ideológica, racial, política, etc) para a prática do ato, tornando o tipo penal ainda mais aberto. Em compensação, define melhor o que é o terrorismo contra coisa, previsto no projeto nº 762/11, listando quais as coisas passíveis de atos terroristas, lacuna presente no outro projeto, mas ainda não é suficiente porque ali faltam menções a equipamentos importantes como redes de esgoto e elétricas.

Em termos gerais o projeto está melhor redigido que o outro, trazendo, ainda, a figura do arrependimento eficaz do agente que, voluntariamente, interrompe a execução do ato e impede a produção do resultado, conferindo ao mesmo a extinção da punibilidade, bem como a proteção policial ao agente arrependido.

Por fim, há o projeto nº 2016/15 que segue no padrão dos outros, acima citados. Um grande problema dos projetos mencionados reside no fato de que, excluída a ideologia dos tipos penais, manifestantes poderão ser enquadrados como terroristas, o que, evidentemente, tolhe dos cidadãos o direito de protesto.

Evidentemente não se pode concordar com a depredação de patrimônio público, mas é preciso cuidado redobrado ao tipificar condutas sob o prisma de serem terroristas porque isso pode ferir – e com muita gravidade – direitos e garantias fundamentais.

_Colunistas-MarceloCrespo

Marcelo Crespo

Advogado (SP) e Professor

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