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Notas sobre o texto ‘O que acontece além do Oceano? Direito e Literatura na Europa’

Notas sobre o texto “O que acontece além do Oceano? Direito e Literatura na Europa”

NOTA INTRODUTÓRIA

Na coluna da Comissão Especial de Estudos em Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais, apresentaremos aos leitores um pouco daquilo que vem sendo desenvolvido pela comissão. Para além da obra, com a reunião de artigos produzidos pelos membros, que será produzida ao longo do ano, a comissão se dedica a pesquisa e ao debate sobre questões presentes na temática “Direito & Literatura”. Em 2018, passamos a estudar de maneira mais específica o aporte teórico que dá embasamento ao movimento, preocupando-se com formas possíveis de abordagens, questões metodológicas e afins. Diante disso, alguns textos foram selecionados para serem estudados pelos membros, propiciando uma salutar discussão entre todos. Disso se resultam os resumos, uma vez que cada membro acaba ficando responsável por “relatar” determinado texto por meio do resumo. É o que aqui apresentamos nessa coluna, almejando compartilhar com todos um pouco do trabalho da comissão. O resumo da vez, formulado pelo membro Emanuel José Lopes Pepino, foi feito com base no artigo “O que acontece além do oceano? Direito e literatura na Europa”, de M. Paola Mittica, traduzido por André Karam Trindade e publicado na ANAMORPHOSIS (Revista Internacional de Direito e Literatura).

Paulo Silas Filho – Coordenador da Comissão de Estudos em Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais

RESUMO DO ARTIGO ESTUDADO

A intenção do texto é apresentar uma descrição do Estado atual da arte do direito e a literatura na Europa, em particular na Itália, e compará-lo à situação nos EUA. É importante destacar que o título original do artigo – Diritto e letteratura. Disciplina, metodologia o movimento? – ressalta um dos pontos centrais a ser discutido no artigo que é o que é o Direito e Literatura.

Duas críticas fortes são feitas ao movimento Direito e Literatura (ou Law and Humanities, quando se pensa na utilização de obras mais amplas do que meramente obras literárias), a primeira tem caráter metodológico e aponta justamente a falta de uma metodologia comum com o movimento (e sem essa metodologia comum não poderia ser uma ciência).

A segunda grande crítica é feita com base no objetivo do Direito e Literatura. Mais uma vez aponta a falta de unidade do movimento, a falta de um objetivo comum entre os agentes que utilizam o direito e literatura, o que impede a compreensão do Direito e Literatura como a manifestação acadêmica de um movimento político (de fato, a divisão do movimento exige a compreensão de que se trata de diversos movimentos diferentes, não unificados).

1. Breves Considerações sobre uma história conhecida

Ao fazer uma análise do Law and Lit nos EUA, a autora reconhece que a obra The Legal Imagination, de James Boyd White, publicada em 1973, permitiu o renascimento da questão como um “(…) movimento que visa à renovação do discurso político e jurídico, mas a partir de uma pesquisa atenta à realidade social e humana. A resposta à call to context consiste em reconduzir ao contexto os “discursos” e os numerosos estudos interessados sobre aquele “tecido de sentido” que se completa ao longo da vida cotidiana, em específico pela produção da lei ou da literatura e, de modo geral, por meio de todos os textos que operam na criação e na reprodução dos significados que regulam as relações” (p. 2). Nessa linha, o Law and Lit assume uma postura contrária ao formalismo, seguindo por um caminho semelhante aos Critical Legal Studies.

O posicionamento de White exigia as várias ciências envolvidas no ato de interpretação lexical (mais ampla do que a meramente literária) um pressuposto comum e transversal, que exige uma “(…) mediação interdisciplinar com um esforço de interpretação, tradução e recombinação de categorias e léxicos que não são alheios (…)” (p. 3). Dada a dimensão de tal exigência, o próprio movimento absorveu apenas parcialmente esses anseios, preferindo se aprofundar nas discussões que envolvessem apenas Direito e Literatura, discutindo as implicações dessa aproximação no plano teórico e metodológico, criando uma amplitude de abordagens que mais uma vez impossibilitam uma reconstrução completa.

Ainda assim o primeiro destaque a ser feito se relaciona com as obras analisadas. O Law and Humanities amplia as abordagens possíveis englobando o Cinema, a Música e a Arte em geral, convidando a explorar os nexos entre o direito e as várias humanidades por entender que “(…) não pode prescindir de uma atenção para a “cultura” que deve declinar-se conscientemente como sensibilidade em direção à complexidade da vida em comum para criar as condições de uma aproximação “simpatética” do Outro” (p. 4).

De maneira análoga nasce a corrente do Law as Narrative, onde o direito é visto como uma prática ou conjunto de práticas narrativas, onde se destaca o ensaio “Nomos e narração” de Robert Cover (também traduzido e disponível na Anamorphosis, DOI: http://dx.doi.org/10.21119/anamps.22.187-268) “(…) com a ambição de fazer emergir as “vozes excluídas” da lei no discurso público, restituindo valor ao patrimônio jurídico presente nas práxis sociais e às expectativas normativas dos grupos minoritários desprovidos de cidadania (…)” (p. 4). Uma vertente posterior do Law as Narrative conjuga a compreensão da dimensão identitária do homem social que por meio da tensão narrativa constrói o próprio projeto de vida e o compartilha no contexto comum.

Quando a discussão recai na perspectiva metodológica, se destaca a crítica literária do direito, que “(…) retrataria o direito como uma arena em que jogam tantos os aspectos estruturais como aqueles propriamente voluntaristas (escolhas e ações dos atores sociais) do universo simbólico que regula a vida em comum, expressos segundo as modalidades e nas formas do gênero literário. Por essa via, então, “ferramentas” da crítica literária contribuiriam para o desvelamento de elementos particulares e, frequentemente, instrumentais mascarados pelo formalismo jurídico (…)” (p. 5).

Quanto ao conteúdo, o Law and Literature se materializa em uma amostra de Law in Literature, tratando da análise da representação literária de temáticas relevantes ao direito e para a formação cívica. Uma crítica comum a essa linha é reduzir o movimento a mero diletantismo, crítica que é respondida com a elaboração de um projeto político inspirado por valores que suportem o desenvolvimento humano (como proposto por Martha C. Nussbaum), em contraste com modelos de crescimento amparados no utilitarismo econômico.

Para finalizar a compreensão do movimento nos EUA, a autora defende que o ponto de ligação é a compreensão que da “(…) literatura advém a possibilidade de apreender o autêntico significado de palavras como responsabilidade, alteridade, comunidade política. Isso porque o coração da justiça é ético e relacional, atendo-se à atitude e à capacidade com que os textos legais são lidos e interpretados; ao tipo de atenção dada às reivindicações opostas; à qualidade da abertura (ou do fechamento) de novas formulações, novas vozes; ao convencimento de que a opinião judicial ou jurídica é um texto ético e político, assim como intelectual, e que sobretudo quem o elabora é o seu principal responsável” (p. 7).

2. A experiência Europeia

Quando passa a discutir o law and lit na realidade europeia, o texto faz um corte quanto à evolução dos estudos sobre a intercessão entre direito e literatura: os estudos realizados antes da década de 1990 e os posteriores.

Antes de 1990, law and lit não era enraizado no velho continente, com os estudos não alcançando “(…) grande reconhecimento, nem mesmo no nível da pesquisa, e se restringem, normalmente, a experiências individuais e isoladas, sem atravessar, salvo raras exceções, as fronteiras nacionais” (p. 9).

(…) o Direito e Literatura é percebido nos estudos europeus não com uma matéria em si, mas como uma via posterior a ser percorrida para aprofundar a reflexão jurídica, sobretudo quando voltada à complexa relação entre o direito e o homem com as suas realidades. (…) Entre os estudiosos europeus, persiste, mais provavelmente, a ideia de que a educação em prol do direito e da cidadania não é tanto um fim, quanto uma óbvia consequência da formação de um modo geral da pessoa, que “se cultiva” voltando-se de uma maneira ampla à cultura humanística e científica, à qual se dedica, com maior razão, o jurista por sua própria sensibilidade, comprometido pela proximidade com a lei, que o obriga a atravessar diversos mundos” (p. 9). Nesse sentido, o tratamento do assunto na Europa assume um aspecto significamente menos interdisciplinar do que nos Estados Unidos.

Após a década de 1990, há uma aproximação do movimento europeu com o norte-americano, derivado da “(…) Complexidade crescente, burocratização e tecnicização do direito, des-responsabilização dos operadores jurídicos, incapacidade de visão, de perspectiva e de real inovação do sistema…, são todos problemas que marcam a experiência americana e europeia e que, portanto, orientam a redescoberta dos Direito e Literatura europeus no seio das correntes estadunidenses, focalizando-se na necessidade de contrastar as exasperações do formalismo jurídico (…) e o progressivo empobrecimento da capacidade do jurista de cultivar-se no interior de um necessário projeto cívico e político que não tem mais bandeira” (p. 11 e 12).

O texto conclui esse ponto diagnosticando que “(…) uma nova fase europeia deveria estar orientada para a recuperação dos pontos fortes da nossa cultura, que poderiam nos restituir uma profundidade de observar que se mostra útil para o avanço da pesquisa no seu conjunto. Ao mesmo tempo, precisaria responder à necessidade de se iniciar uma importante reflexão de caráter metodológico (e, aqui, a lição que vem do debate estadunidense é crucial) para produzir um diálogo atualmente inevitável entre estudiosos do direito, teóricos da literatura e cientistas do texto” (p. 12).


REFERÊNCIA DO TEXTO-BASE PARA O RESUMO

MITTICA, M. Paola. O que acontece além do oceano? Direito e literatura na Europa. ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 3-36, maio 2015. ISSN 2446-8088. Disponível aqui


BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moares. Direito, Literatura e Cinema: Inventário de Possibilidades. São Paulo: Quatier Latin, 2011;

SNEDAER, Kathry Holmes. Storytelling in Opening Statements: Framing the Argumentation of the Trial. In: Narrative and the Legal Discourse: a reader in storelling and the Law. Coordenação: PAPKE, David Ray. Liverpool: Deborah Charles Publications, 1991;

MINDA, Gary. Postmodern Legal Movements: Law and Jurisprudence at Century’s End. Nova York: New York University Press, 1995;

BARON, Jane B. Law, Literature, and the Problems of Interdisciplinarity. In: Yale Law Journal. Nº 108, 1999;

LINHARES, José Manuel Aroso. Law in/as Literature as an Alternative Humanistic Discourse: the Unavoidable Resistance to Legal Scientific Pragmatism or the Fertile Promise of a Communitas without Law? In: DOSSIER LAW AND LITERATURE A Discussion on Purposes and Method. Italian Society for Law and Literature. Editora: Paola Mittica. 2010. Disponível aqui.

Emanuel José Lopes Pepino

Doutorando em Direito. Advogado.

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