Alice de Rivera e a constante busca por igualdade de direitos
Alice de Rivera e a constante busca por igualdade de direitos
Boa parte das legislações e constituições preveem expressamente a igualdade de direitos entre homens e mulheres. No Brasil, a Constituição de 1988 estabelece em seu artigo 5º, inciso I:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (…).
Nos E.U.A., a Décima Quarta Emenda estabelece:
EMENDA XIV (1868)
Seção 1 Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência.
Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis.
Apesar das previsões legais e constitucionais, a igualdade material entre homens e mulheres nas sociedades modernas ainda está muito longe.
Sempre que é questionada sobre a inspiração para seu clássico distópico “O conto da aia”, a canadense Margaret Atwood insiste que sua inspiração foram os próprios Estados Unidos, que são um país profundamente conservador por baixo de um verniz de modernidade e igualdade.
Quando analisamos que em 1969 a maioria das escolas e universidades norte-americanas ainda não aceitava mulheres, vemos que Atwood é certeira em sua observação.
Em 1969, uma garota de 13 anos, que vivia na cidade de Nova York, fez história pela igualdade de gênero ao entrar com uma ação judicial a fim de garantir uma vaga no tradicional colégio Stuyvesant High School, tida como uma das melhores escolas secundárias dos Estados Unidos, pública, mas que só aceitava meninos.
Alice de Rivera
Alice de Rivera era uma garota comum, com forte inclinação para matemática. A jovem frequentava John Jay High School, um colégio público de seu bairro. Mas em conversa com outras jovens que, como ela, queriam ter acesso à melhor educação possível, de Rivera chegou até a ativista de Direitos Civis Ramona Ripston. Ramona se interessou pelo caso, que obviamente poderia abrir portas para outras jovens, e pediu que a advogada ativista Eleanor Jackson Piel assumisse o caso pro bono.
Logo a mídia foi atrás da história e Rivera foi assunto de várias matérias jornalísticas. Havia pessoas a favor da causa da jovem e pessoas contra, obviamente. Inacreditavelmente, em 1969 a maioria das escolas e universidades dos E.U.A. era somente para meninos:
Fighting educational sexual segregation was a radical idea at the time: most Ivy League universities, prep schools, and specialized public schools were still all-male. But Piel felt that barring academically talented girls from attending an élite public school violated the Fourteenth Amendment’s equal-protection clause, and intended to take the school to court. (SHAPIRO, 2019).
Em tradução livre:
Lutar contra a segregação sexual na educação era uma ideia radical naquele tempo: a maioria das universidades da Liga Ivy, escolas preparatórias, e escolas públicas especializadas eram ainda totalmente masculinas. Mas Piel sentiu que barrar garotas talentosas academicamente de entrarem em uma escola pública de elite violava a cláusula de proteção de igualdade da Décima Quarta Emenda, e pretendia levar a escola ao tribunal.
Com a grande repercussão alcançada, pouco antes da decisão judicial, o conselho de educação local aboliu a restrição de sexo da Stuyvesant High. Então, no outono de 1969, treze garotas começaram a estudar no tradicional colégio até então restrito a meninos. Rivera não estava entre elas. Por muitas razões, a família da jovem pensou que a repercussão do caso e o provável assédio da mídia poderiam dificultar a vida acadêmica da estudante. Então, eles mudaram de cidade.
Mesmo com a desistência de Rivera, o efeito cascata era inevitável. Aos poucos, as escolas e universidades mais estreladas dos E.U.A., conhecidas em todo o mundo por sua excelência acadêmica, começaram a aceitar estudantes do sexo feminino: Yale, Harvard, Princeton, Darmouth, Brown, entre outras.
Em entrevista ao The New Yorker, Alice de Rivera, hoje uma médica, entende que no fim das contas a ação judicial era uma questão coletiva, não individual, e não se arrepende de, assim como Moisés nunca ter chegado à Terra Prometida, ela nunca chegou realmente a estudar no Stuyvesant High. Idealista como quando adolescente, a médica atende na pequena cidade de Auburn, estado do Maine. Boa parte de sua clientela é de migrantes, entre elas mulheres que foram vítimas de violência sexual. Seu ativismo e idealismo continuam os mesmos da juventude.
REFERÊNCIAS
SHAPIRO, Laurie Gwen. How a thirteen-year-old-girl smashed the gender divide in american high schools. Publicado na revista The New Yorker em 26 de janeiro de 2019. Disponível aqui.
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