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Analisando os sistemas processuais através do princípio unificador

Analisando os sistemas processuais através do princípio unificador

A estrutura do processo penal variou ao longo dos séculos, conforme o predomínio da ideologia punitiva ou libertária. Goldschmidt afirma que a estrutura do processo penal de um país funciona como um termômetro dos elementos democráticos ou autoritários de sua Constituição.

Cronologicamente, em linhas gerais, o sistema acusatório predominou até meados do século XII, sendo posteriormente substituído, gradativamente, pelo modelo inquisitório que prevaleceu com plenitude até o final do século XVIII (em alguns países, até parte do século XIX), momento em que os movimentos sociais e políticos levaram a uma nova mudança de rumos. (LOPES Jr., 2019, pp. 43-44)

O sistema processual aborda diversos temas (garantias do réu, jus puniendi, órgão acusador, autoridade policial que investiga, garantia constitucional de recurso, presunção de inocência, etc.). Todos esses temas que parecem estar isolados se encontram em ponto em comum, ou seja, o princípio unificador (valor que define qualquer sistema).

É importante ressaltar a existência de três espécies distintas de sistemas processuais, de modo que dois modelos são basicamente contrários um ao outro, e o último, uma mistura daqueles. Abordar-se-á doravante as características inerentes a cada um.

O sistema inquisitivo é marcado pela falta de garantias do réu. Trata o acusado como um objeto no processo, e não como sujeito de direitos. A gestão da prova está nas mãos do julgador-inquisidor. Neste modelo é comum que não haja um devido processo legal. O Estado modifica o processo de acordo com o seu interesse. Não se visa o valor “justiça” e também não há publicidade.

Em resumo, o sistema inquisitivo é concebido de forma a ser utilizado como uma ferramenta de opressão por parte do poder. Não há limites ou qualquer forma de frear este uso abusivo da coerção, o que acarreta em inúmeras arbitrariedades e injustiças em seu sentido conceitual mais amplo. É característico de regimes totalitários, monárquicos e despóticos, onde o poder do rei é de fato ilimitado.

  • PRINCÍPIO UNIFICADOR DO SISTEMA INQUISITIVO – JUNÇÃO DE PODERES EM UMA ÚNICA PESSOA. ÚNICO INDIVÍDUO ACUSA, JULGA E DEFENDE.

No sistema acusatório se percebe uma mudança drástica. O réu é um sujeito de direitos. A gestão da prova está na mão das partes envolvidas. Caso as garantias não sejam respeitadas, há nulidade no processo. Há respeito aos ritos e procedimentos, presunção de inocência (que pode ser relativizada), direito das partes de produção de provas, julgador imparcial, mecanismos de combate à imparcialidade. Se apresenta como o sistema democrático que permite – ou ao menos possibilita – a participação de todos os entes.

Conforme alhures mencionado, se trata de um sistema antagônico ao inquisitivo. O poder cria normas para frear o próprio poder. As “regras do jogo” devem ser cumpridas, sob pena de nulidades. A publicidade também é algo imprescindível, pois todos os atos processuais devem ser registrados de forma fidedigna. É característico de nações onde a centralização desarrazoada do poder foi superada e o povo possui como garantia os direitos básicos.

  • PRINCÍPIO UNIFICADOR DO SISTEMA ACUSATÓRIO – SEPARAÇÃO DE FUNÇÕES. JULGADOR, ACUSADOR E DEFENSOR SÃO ENTIDADES SEPARADAS E QUE POSSUEM CADA QUAL UM PAPEL INDISSOCIÁVEL A SER PREENCHIDO NO CONTEXTO PROCESSUAL.

Por fim, o sistema misto é uma junção dos dois sistemas acima. Divide-se em duas etapas: 1) inquisitiva (sem garantias) e 2) acusatória (com garantias). O inquérito – que neste modelo compõe a persecução penal e não o processo penal – é uma fase investigativa dotada de características inquisitivas. O juiz conduz a parte investigativa e o processo penal está atrelado ao julgador e às garantias.

Assim, o sistema misto possui a fase pré-processual (investigativa) como inquisitiva e a processual como acusatória, onde os direitos e garantias são (mais) relativizados na fase de investigação policial, etapa em que a presunção de inocência é inexistente, o contraditório é meramente opcional, entre tantas outras aberrações jurídicas que devem ser combatidas.

Ainda em relação ao sistema acima delineado, compartilha-se da crítica feita por Aury LOPES Jr. (2019, pp.49 et seq.) no sentido de que o conceito de sistema misto é reducionista – uma vez que todos os modelos são mistos: os modelos puros se apresentam apenas como referência histórica.

Mas, e no Brasil, qual o sistema vigente? Muitos defendem que estamos diante de uma espécie de sistema acusatório misto. A jurisprudência já vinha firme no sentido de afirmar que era um sistema acusatório.

O fato é que, com o advento da Lei nº 13.964/2019 (o famigerado “Pacote Anticrime”) a legislação vigente visa terminar com essa discussão ao incluir no Código de Processo Penal o art. 3º-A, que dispõe taxativamente que “o processo penal terá estrutura acusatória”, prevendo ainda uma série de inovações, entre elas o juiz das garantias, que seria “responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais” (art.; 3º-B do CPP).

Ocorre que, sem embargo de dispositivos retrógados contidos na lei supracitada, no momento em que se estava comemorando o advento de algumas normas que de fato colocariam o sistema brasileiro mais perto de um modelo acusatório real, o vigor das mesmas resta suspenso por decisão do Ministro Luiz Fux.

A valer, após a suspensão anterior de seis meses decretada pelo Ministro Dias Toffoli (15/01/2020) – o que seria até certo ponto razoável, tendo em vista o lapso temporal necessário para a implementação do novo modelo –, um dia antes da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, em 22/01/2020, foi decretada a suspensão da vigência, por tempo indeterminado, das normas que tratam do juiz das garantias, do arquivamento do inquérito pelo Ministério Público, do impedimento do juiz que toma conhecimento de provas inadmissíveis e da ilegalidade da prisão em flagrante sem audiência de custódia em 24 horas; isto com base em argumentos que, com a devida vênia, não se sustentam.

Respondendo então à pergunta acima: mesmo diante das “inovações” trazidas pelo “Pacote Anticrime”, o processo penal brasileiro continua possuindo essência inquisitória, onde o fetiche punitivista acaba predominando.

Por fim, os princípios unificadores trazidos neste artigo (junção de poderes em uma pessoa x separação das funções) para a diferenciação dos sistemas deve ser levado em consideração tão somente como algo a nortear o raciocínio, sob pena de simplificar demasiadamente um tema deveras complexo e rico em detalhes.

Neste diapasão, imprescindível que sejam observadas questões basilares como a gestão da prova, a imparcialidade do julgador, contraditório efetivo, duplo grau de jurisdição, motivação das decisões, respeito à coisa julgada, tratamento igual entre as partes, publicidade dos atos processuais, (im)possibilidade de atuação ex officio do julgador, entre tantos outros pontos essenciais à diferenciação efetiva e caracterização do sistema, que, conforme alhures sustentado, sempre será misto.


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REFERÊNCIAS

LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. Livro digital (E-pub). São Paulo: Saraiva Educação, 2019.


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