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Analogia e Interpretação em Direito Penal: o que precisamos saber?

Analogia e interpretação em Direito Penal: o que precisamos saber?

Por Daniel Lima e José Muniz Neto

Como se sabe o princípio da legalidade, principalmente em Direito Penal, é de extrema importância, uma vez que funciona como limite ao poder de punir do Estado. Figueiredo Dias (2002), ao tratar do referido postulado, assinala que o princípio da legalidade, apesar de impor objetividade à lei penal, concede ao julgador uma certa margem de discricionariedade na aplicação da norma.

Esse pensamento, inclusive, é corroborado por Tapia de Carvalho (2016), que afirma ser ilusória a ideia de que o juiz é um mero aplicador da norma. Para o autor, as palavras possuem significados diversos e o juiz como intérprete da norma, deve guiar o seu entendimento pela ratio da incriminação para, desse modo, conseguir extrair os fins almejados pelo legislador.

Para Tapia de Carvalho, portanto, o que se veda em Direito Penal é

a aplicação de uma norma penal a uma situação que não esteja expressamente abrangida por um dos (eventuais) vários sentidos compatíveis com o texto legal em que a norma se materializa e se manifesta. (2016: 177)

Logo, não se permite o uso da analogia para suprimir eventuais lacunas deixadas pela lei penal. Proíbe-se, portanto, o preenchimento das lacunas deixadas pelo legislador através de processos de equiparação. O que se veda é justamente o reaproveitamento de uma norma já existente para casos semelhantes.

Contudo, apesar da referida vedação, é correto afirmar que a doutrina majoritária notadamente admite a utilização de analogia para beneficiar o réu. Bittencourt (2016), ao falar sobre o tema, assevera que o aspecto dinâmico da vida em sociedade viabiliza a utilização de analogia in bonam partem, desde que, obviamente, o referido método de integração não implique na criação por equiparação de tipos ou sanções criminais.

Como exemplo de utilização de analogia pro reo, Nucci (2017: 30) traz a possibilidade do aborto da mulher vítima de violação sexual mediante fraude. Para o autor, apesar da lei somente autorizar a interrupção da gravidez quando a mesma é originária de estupro (art. 128, II, CP), é possível estender tal possibilidade para os casos de violação sexual mediante fraude através do uso da analogia in bonam partem.

Dito isto, pode-se dizer que também é isento de pena o indivíduo que na constância da união estável pratica crime contra o patrimônio em desfavor de seu companheiro, pois apesar de o artigo 181, inc. I, do CP não englobar a figura do companheiro, o uso da analogia em favor do réu possibilita tal entendimento.

Por outro lado, e em sentido contrário, pode-se afirmar ainda que, o indivíduo que em união estável contrai casamento com pessoa casada sabendo das condições desta, não comete o crime de bigamia, previsto no artigo 235, § 1o, do CP, pois só quem pode incidir na referida infração penal é o indivíduo solteiro, divorciado ou viúvo.

Nesse caso, como a equiparação causa prejuízo ao réu, a sua utilização deve ser vedada. Afinal de contas, o réu em união estável não pode ser equiparado ao indivíduo solteiro, divorciado ou viúvo, quando isso lhe for causar prejuízo, pois, como já dito, a analogia em maléfico do réu é vedada no Direito Penal.

Já as interpretações analógicas e extensivas, como se tratam de espécies do gênero “interpretação”, podem ser utilizadas tanto em benefício quanto em malefício do réu, desde que haja expressa manifestação legal.

O art. 121, § 2º, inc. I, do CP, que trata do homicídio qualificado pelo motivo torpe, é um bom exemplo a ser dado sobre o uso de interpretação analógica em malefício do réu. No caso do referido dispositivo, como o legislador trata as hipóteses de homicídio mediante paga ou promessa de recompensa como exemplos de torpeza, acaba dando-se margem para que o julgador através do uso da interpretação analógica, encare as demais situações de homicídio mediante uma contraprestação como exemplos de homicídio qualificado pelo motivo torpe.

Sobre interpretação extensiva temos o exemplo do crime de violação de domicílio (art. 150, CP), que estabelece como inviolável o elemento “casa” alheia, sem, contudo, conceituar o que se entende por “casa”.

Pois bem.

Para se buscar o real alcance da norma, é necessário fazer uso da interpretação extensiva (que nesse caso é em malefício do réu). Assim, nos parece óbvio que a intenção do legislador, in casu, foi tutelar a inviolabilidade do domicílio, ou seja, foi proteger o local onde a pessoa estabelece residência, independentemente de ser um móvel, um imóvel ou apenas um compartimento de uma residência.

Posto isso, é correto afirmar que desde que a elasticidade na interpretação da lei se dê de acordo com a ratio da incriminação e com o bem jurídico tutelado, a interpretação em Direito Penal será sempre possível, independentemente de ser maléfica ou benéfica para o réu. Em contrapartida, a analogia só se admite se for benéfica ao réu.


REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: vol.1. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

CARVALHO, Américo Tapia de. Direito Penal: parte geral: questões fundamentais: teoria geral do crime. 3° ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2016.

FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. O direito penal do bem jurídico como princípio jurídico-constitucional à luz da jurisprudência constitucional portuguesa. In: Direito penal como crítica da pena: estudos em homenagem a Juarez Tavares por seu 70.º Aniversário em 2 de setembro de 2012 , organizadores Luís Greco, Antonio Martins. Madri: Marcial Pons, 2012, p. 249-261.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 17° ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. (livro digital)


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Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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