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Animais vítimas dos conflitos armados

Animais vítimas dos conflitos armados

Cerca de 50 animais que viviam em um zoológico situado em Rafah, cidade da conflituada Faixa de Gaza, viraram notícia no início de abril do corrente ano. Entre os animais havia leões, macacos, gazelas e um lobo, os quais não tiveram respeitadas as Cinco Liberdades preconizadas pela Farm Animal Welfare Council (FAWC, 2012): 1) liberdade de fome e sede; 2) de desconforto; 3) de dor, ferimentos ou doenças; 4) para expressar seu comportamento natural e; 5) liberdade de medo e angústia.

A organização australiana Four Paws (Quatro Patas) tirou os animais das jaulas nas quais viviam em péssimas condições e os levou para a Jordânia – a 300 quilômetros do enclave palestino –, via Israel, depois de coordenar a mudança com as autoridades israelenses, que controlam as entradas e as saídas na Faixa de Gaza (EFE, 2019).

O zoológico de Rafah ficou conhecido depois que quatro filhotes de leão morreram congelados em janeiro de 2019. Foram divulgadas também as tristes imagens de uma leoa que teve suas unhas retiradas com tesoura de podar árvores. De acordo com a Four Paws,

muitos dos animais do zoológico morreram em atentados desde que o parque abriu, em 1999 (AFP, 2019).

Em Gaza, onde não há uma legislação que proteja os direitos dos animais, havia seis zoológicos, mas cinco deles fecharam pela falta de visitas e por dificuldades financeiras (EFE, 2019).

Conflitos armados

Pode-se afirmar que um grande número de animais perde a vida em conflitos militares devido a explosões, incêndios, armas químicas e outras armas usadas durante a guerra. Os animais que vivem em fazendas nas zonas de guerra podem morrer quando são abandonados. Durante os bombardeios, animais confinados em zoológicos são mortos, e animais de estimação podem morrer por abandono ou porque seus donos também morreram vítimas dos conflitos (ÉTICA ANIMAL, [200-?]).

Outro exemplo de mortes de animais causadas por testes militares são os cetáceos,  prejudicados pelos sonares militares. Em outros casos, morrem por causa de minas e outros explosivos que continuam ativos depois da guerra. Algumas vezes a sua morte é instantânea, mas, em outras, é lenta e dolorosa (ÉTICA ANIMAL, [200-?]).

A exploração de recursos naturais para financiamento dos combates, o uso de produtos químicos que contaminam rios e plantações e a morte de animais em extinção estão entre os principais problemas ambientais que afetam países em guerra.  Uma avaliação ambiental realizada dois anos após o início da Guerra do Afeganistão, em 2001, mostrou que as terras cultiváveis do país estavam gravemente degradadas e com baixos recursos hídricos. Além disso, depois que o país foi atacado, a cobertura vegetal e várias espécies de animais ficaram ameaçadas (POLUIÇÃO, DESMATAMENTO… 2013).

Em Kosovo, território onde houve diversos episódios de confronto armado na luta por sua independência e reconhecimento como nação, os trabalhos da Unep  (programa das Nações Unidas para desenvolvimento sustentável do meio ambiente) começaram em 1999, com um relatório completo da situação ambiental do país. Em quatro regiões do Kosovo (Pancevo, Novi Sad, Kragujevac e Bor) foram realizadas operações de descontaminação de água e de recuperação de espécies animais e vegetais ameaçadas durante os conflitos (POLUIÇÃO, DESMATAMENTO… 2013).

Na Síria,

os seis anos de guerra civil não fizeram apenas vítimas humanas. A maioria dos 150 animais que viviam em um zoológico de Aleppo foi morta por bombas; os sobreviventes passavam fome e sede em suas jaulas – até uma missão de resgate enfim levá-los para um centro de reabilitação na Turquia. Depois, finalmente, foram para sua nova casa, um santuário de animais na Jordânia.

Eles estavam traumatizados física e psicologicamente (BBC, 2017).

Já no se refere aos animais domésticos e domesticados da Síria, “os que sobrevivem aos ataques enfrentam a fome e a sede em um território arrasado” (HOMEM ALIMENTA…, [201-?]).

Há de se ressaltar, também, que “elefantes, antílopes e gazelas estão desaparecendo da região do Saara-Sahel por causa dos conflitos armados, alerta uma equipe internacional de cientistas”. Cinco por cento dos conflitos mundiais acontecem no deserto do Saara-Sahel, região que compreende partes da Argélia, Burkina-Faso, Chade, Egipto, Eritreia, Líbia, Mali, Marrocos, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Sudão e Tunísia (GERALDES, 2018).

Ainda segundo Geraldes (2018), “ataques de grupos extremistas, sequestros, escravidão e contrabando de armas e drogas também atingem a vida selvagem que ali vive. Dos quatorze tipos de vertebrados de grande porte que ocorrem na região, doze estão classificados como ‘extintos na natureza’ ou ‘ameaçados de extinção’. Este é um problema que não para de crescer.” Desde 2011, o número absoluto de conflitos cresceu 565% nestes países.

Animais vítimas dos conflitos armados

Além das consequências que os vitimizaram – como as citadas acima –, os animais também foram utilizados para o combate direto em conflitos criados pelos humanos, “numa saga não menos trágica do que a dos próprios combatentes bípedes” (MARTON, 2019). Vejamos alguns exemplos:

  • Na Antiguidade, os cavalos puxavam charretes de guerra, como as bigas, com arqueiros para atacar em combate próximo. Mesmo depois de a cavalaria perder sua importância, os cavalos continuaram a servir como animais de carga em combate, dividindo essa função com mulas, bois, camelos e, até mesmo, com elefantes (MARTON, 2019).
  • Nos quatro anos da Grande Guerra, que começou em 1914, além da carnificina humana, as batalhas que se espalharam pela Europa dizimaram cerca de oito milhões de cavalos. A maior parte morria de fome e exaustão, sacrificada ou abandonada nas longas travessias entre os campos de batalha (LOIOLA, 2016).
  • Na Segunda Guerra, o Exército da então União Soviética ensinou cães a procurar comida debaixo de tanques. Amarrava bombas aos bichos para explodirem sob os veículos alemães, mas o programa foi cancelado porque os animais não diferenciavam tanques alemães de soviéticos (MARTON, 2019).
  • Dos cinco mil cães que participaram da Guerra do Vietnã, menos de 200 retornaram para casa. Todos os demais foram abandonados ou mortos pelos próprios americanos tão logo se tornaram inúteis – se feridos em combate, por exemplo (MARTON, 2019).

Marton (2019) aborda também o papel dos pombos-correio nos conflitos:

capazes de voar até 1,8 mil km e voltar infalivelmente a seu pombal, já levavam mensagens no Egito Antigo e foram decisivos até a Primeira Guerra, quando o rádio ainda era precário.

Um destes pombos, chamado Cher Ami, voou em doze missões, levando informações fundamentais para o apoio das tropas entrincheiradas no campo de batalha. No dia 4 de outubro de 1918, um batalhão do Exército americano foi cercado pelos alemães. O jeito foi mandar um bilhete pelo único pombo-correio que restava, pois os outros foram abatidos pelos soldados alemães logo que levantaram voo nos dias anteriores.

Cher Ami foi atingido assim que iniciou seu voo e, “segundo relatos, mesmo sob vários tiros, não foi alvejado mortalmente, chegou no QG e conseguiu entregar a mensagem”, salvando 194 soldados norte-americanos que ainda estavam vivos. Mesmo muito ferido, cego de um olho e sem uma das patas, os médicos do front conseguiram salvar a vida da ave.

Quando teve condições de viajar, Cher Ami foi levado aos Estados Unidos da América, onde foi condecorado como herói pelos militares norte-americanos (POMBOS DE GUERRA, 2016). A ave morreu em 1919, seu corpo foi embalsamado e está Museu de História Natural Smithsonian, em Washington, DC, nos EUA.

Ante os exemplos acima mencionados, cabem as palavras de Geraldes (2018). A autora afirma que

é preciso […] mudar a atitude dos países que produzem e comercializam armas e munições. As interferências de países terceiros nas zonas de conflito, como foram as ações militares da União Europeia e Estados Unidos da América no conflito da Líbia, não consideram os riscos e consequências em longo prazo para as populações humanas e biodiversidade.

Isto posto, percebe-se que os animais são submetidos a sofrimentos e têm seus direitos violados de muitas formas, inclusive nos conflitos armados, tema dessa coluna. Seja no campo de batalha, seja nas cidades arrasadas ou por meio da consequente destruição do seu habitat, os animais são vítimas inocentes e indefesas. Poucos percebem que, ao lado do flagelo humano causado por esses conflitos, os animais também padecem, direta ou indiretamente.


REFERÊNCIAS

AFP. Mais de 40 animais evacuados do zoológico da Faixa de Gaza para Jordânia. 7 abr. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 15 abr. 2019.

BBC. Os animais traumatizados resgatados de ruínas da guerra na Síria. 7 set. 2017. Disponível aqui. Acesso em: 15 abr. 2019.

EFE. Animais em péssimas condições são retirados de zoológico na Faixa de Gaza. Exame, São Paulo, 7 abr. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 15 abr. 2019.

ÉTICA ANIMAL. Uso militar de animais. [200-?). Disponível aqui. Acesso em: 16 abr. 2019.

FAWC. Five Freedoms. 10 Oct. 2012. Disponível aqui. Acesso em: 15 abr. 2019.

GERALDES, Helena. Animais selvagens do Saara-Sahel estão a desaparecer por causa da guerra. 4 abr. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 15 abr. 2019.

HOMEM alimenta a 150 gatos vítimas do conflito na Síria. [201-?]. Disponível aqui. Acesso em: 15 abr. 2019.

LOIOLA, Rita. Cavalos: as vítimas esquecidas da I Guerra Mundial. Veja [online], São Paulo, 9 maio 2016. Disponível aqui. Acesso em: 15 abr. 2019.

MARTON, Fábio. Animais na guerra: parceiros, guerreiros, vítimas. 7 fev. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 15 abr. 2019.

POLUIÇÃO, desmatamento e massacre de animais: conheça as outras vítimas das guerras. 5 nov. 2013. Disponível aqui. Acesso em: 15 abr. 2019.


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Gisele Kronhardt Scheffer

Mestre em Direito Animal. Especialista em Farmacologia. Médica Veterinária.

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