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Apropriação indébita previdenciária (parte 3)

Apropriação indébita previdenciária (parte 3)

Após classificar o tipo penal de apropriação indébita previdenciária de acordo com os ditames da teoria do crime e de tecer alguns comentários sobre as causas extintivas de punibilidade previstas nos parágrafos segundo e terceiro do artigo 168-A do Código Penal, cumpre, agora, trazer à tona a tese defensiva de inexigibilidade de conduta diversa – para os casos em que reste comprovado que o não repasse das contribuições à previdência social se deu em função da situação de vulnerabilidade financeira na qual a empresa se encontrava, o que impossibilitou, em absoluto, que a mesma adimplisse com suas obrigações previdenciárias perante o INSS.

Dessa feita, antes de tecermos alguns comentários sobre a referida causa supralegal de exclusão de culpabilidade, se faz necessário rememorar algumas diretrizes básicas atinentes ao crime de apropriação indébita previdenciária.

Assim, em primeiro lugar, vale afirmar que o referido tipo penal é crime material que se caracteriza sempre com a constituição definitiva do crédito previdenciário que ocorre através do lançamento definitivo do tributo, como bem já ressaltou o STF e o STJ por meio, por exemplo, do RHC 40.411/RJ  Segundo entendimento adotado por esta Corte Superior de Justiça, os crimes de sonegação de contribuição previdenciária e apropriação indébita previdenciária, por se tratarem de delitos de caráter material, somente se configuram após a constituição definitiva, no âmbito administrativo, das exações que são objeto das condutas.

O próprio informativo 361 do STJ é nesse sentido de que só há justa causa para instauração de inquérito policial em relação a suposto crime de apropriação indébita previdenciária, após o devido esgotamento da via administrativa, esgotamento este que se dá só com o lançamento definitivo do crédito tributário.

Nessa esteira, em segundo lugar, frisa-se ainda que o delito em comento é crime omissivo e inadmite, obviamente, a forma tentada – já que logicamente é impossível punir através da tentativa algo que se deixou de fazer.

Por último, é correto afirmar também que o pagamento integral da contribuição previdenciária é causa extintiva de punibilidade, ainda que já tenha havido o trânsito em julgado da decisão penal condenatória. Nessa esteira, no que tange à tese defensiva de inexigibilidade de conduta diversa, é imprescindível mencionar algumas decisões já prolatadas que acolheram a mencionada tese:

PROCESSUAL PENAL E PENAL: CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. AUTORIA E MATERIALIDADE. OMISSÃO DO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ARTIGO 95, “D” DA LEI 8.212/91. ADVENTO DA LEI 9.983/00. ARTIGO 168-A DO CP… IV – A inexigibilidade de conduta diversa é causa supralegal de exclusão da culpabilidade sendo, pois, imprescindível, perquirir se o agente estava efetivamente impossibilitado de recolher os valores descontados dos empregados da sua empresa. V – A comprovação da real impossibilidade de praticar a conduta determinada pela norma é de ordem a excluir a tipicidade do delito, em razão da aplicação da causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa. VI – A prova da alegação incumbe a quem a fizer, sob pena de não ser considerada pelo julgador (artigo 156 do CPP). VII – A omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias passou a ser tipificado no artigo 168-A do CP. VIII – A mera referência a dificuldades financeiras não é suficiente para ilidir a responsabilidade penal dos agentes. A exclusão da culpabilidade requer a existência de elementos seguros, aptos a comprovar a impossibilidade do recolhimento das contribuições devidas à Previdência, sendo insuficiente a produção de prova exclusivamente testemunhal […] TRF, 3ª Região, ACR 14292, DJ 28/05/2004.

Nota-se que a jurisprudência exige que a comprovação das dificuldades financeiras seja feita por meio de robusto arcabouço probatório, não sendo suficiente, logo, a mera indicação de testemunhas para a constatação de que o empresário agiu sob o manto da inexigibilidade de conduta diversa.

Assim, é correto afirmar que a situação de dificuldade financeira da empresa deve ser inequívoca, devendo ser comprovada mediante a apresentação de prova documental.

Ademais, exige-se, ainda, a demonstração da situação de insolvência ou de vulnerabilidade da empresa. Ou seja, entende-se que só há que se falar em inexigibilidade de conduta diversa nos casos em que a empresa, de fato, não tinha como sanar os débitos previdenciários sem ter que, por exemplo, dispensar um funcionário.

A inexigibilidade de conduta diversa como causa de exclusão da culpabilidade, portanto, deve ser demonstrada através de provas robustas que atestem que o responsável por repassar as contribuições previdenciárias ao INSS só não repassou por conta da extrema crise financeira em que a empresa se encontra.

Em sentido semelhante, em recente decisão, a 12° Vara Federal de Brasília acolheu a tese de inexigibilidade de conduta diversa para absolver um equatoriano que havia sido preso em flagrante por transportar 5.780 kg de cocaína.

In casu, o magistrado entendeu que a situação de vulnerabilidade econômica, psicológica e familiar do réu, fez com que o mesmo incidisse na prática delitiva. Assim, acolheu-se a tese de inexigibilidade de conduta diversa por se entender que o equatoriano, na verdade, não possuía um verdadeiro livre-arbítrio para se comportar em conformidade com o direito.

Dito isto, no que diz respeito à apropriação indébita previdenciária, é correto afirmar que não dá pra se atribuir qualquer tipo de censura ao agente que deixa de repassar às contribuições previdenciárias ao sistema de custeio em razão de forte crise financeira da empresa.

Pensar de modo diverso é o mesmo que contrariar o princípio da culpa (nulla poena sine culpa), pois tanto no caso do equatoriano como no caso da retenção indevida de valores devidos ao sistema de custeio, inexiste verdadeira liberdade de agir por parte do autor do fato.

Logo, não se deve confundir espontaneidade e voluntariedade com a reprovabilidade que se exige para a comprovação da culpa do agente pelo fato delituoso, pois são institutos diferentes que possuem aplicabilidade em elementos distintos da teoria do crime.


REFERÊNCIAS

JUSTIÇA FEDERAL. Processo n° 1009383-72.2018.4.01.3400. Juiz(a). Dr. Marcus Vinícius Reis Bastos. 12° Vara Federal de Brasília. Publicado em: 20/07/2018. Disponível aqui. Acesso em 20/04/2019.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 3° REGIÃO. Apelação Criminal n° 14292/SP. Relator(a): Des. Federal. Cecília Melo. Segunda Turma. Publicado em: 28/05/2004. Disponível aqui. Acesso em 20/04/2019.


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Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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