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O Decreto 9.785/19 e as armas de fogo de uso restrito

O Decreto 9.785/19 e as armas de fogo de uso restrito

Recentemente, o presidente da república editou o Decreto 9.785/19 que regulamenta questões relacionadas ao porte de arma de fogo, principalmente quanto aquelas de uso restrito, tratando-se de uma novatio legis in mellius.

Além de possibilitar o porte de armas para um grande número de pessoas, o Decreto modificou o rol de armas de uso restrito, fazendo com que vários calibres que antes eram de uso restrito das forças armadas sejam agora de uso permitido.

E isso tem uma implicação direta nas ações já em curso e até mesmo naquelas já julgadas.

Acontece que agora são consideradas de uso permitido as armas de fogo que, dentre outras questões, “com a utilização de munição comum, não atinjam, na saída do cano, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé e mil seiscentos e vintejoules”.

E são consideradas de uso restrito, dentre outros fatores, as armas “que, com a utilização de munição comum, atinjam, na saída do cano, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé e mil seiscentos e vintejoules; ou “de alma raiada que, com a utilização de munição comum, atinjam, na saída do cano, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé e mil seiscentos e vintejoules”.

Trocando em miúdos, várias armas de fogo que eram consideradas de uso restrito passaram a ser de uso permitido e isso traz grande consequência nas ações penais em curso e até mesmo já julgadas.

Antes do Decreto, eram permitidas armas de até 407 joules, como as de calibre 38, 22, 25 e 32.

Depois do Decreto, são permitidas armas de até 1.620 joules, incluindo diversas armas que eram de uso restrito, como a 9mm, .40, .44, .44 Magnum, .45 e .357 Magnum.

Permanecem restritas, falando de armas portáteis, a .50 Magnim e a .454 Casull, pois possuem potência de 1.900 e 2.531 joules, respectivamente.

armas de fogo de uso restrito 01

Mas o que isso tem relação com os processos em curso e já julgados?

De acordo com o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.816/03), a pessoa pode responder pela posse ou pelo porte de arma de fogo de uso permitido (artigos 12 e 14, respectivamente) e pela posse ou porte de arma de fogo de uso restrito (artigo 16).

Logo, aquele que não possui autorização para ter arma ou para portar uma, caso fosse flagrado, antes do Decreto, com um revólver calibre 380, responderia ou pelo crime do artigo 12 ou pelo do artigo 14; enquanto se o flagrante fosse com uma arma calibre 9mm, a imputação seria da prática do crime do artigo 16.

A consequência disso é que o crime do artigo 16 possui uma pena mais severa, além de ser considerado um crime hediondo, fazendo com que a progressão da pena seja de 2/5 ou 3/5 (se reincidente), além de ser vedada a anistia, indulto, graça, sursis, …

Inclusive, a maioria dos crimes de posse/porte de arma de fogo de uso restrito ocorria em decorrência de armas calibre 9mm e .40 (com exceção daqueles casos da figura equiparada do artigo 16, parágrafo único, inciso IV, que trata sobre armas com numeração raspada, adulterada ou suprimida).

Sem falar que, com a maior circulação legal de armas como essas, com maior potência, aumentará o número delas no mercando clandestino, ou seja, teremos mais “bandidos” portando armas 9mm, .40 e até mesmo .44 Magnum por aí.

Com isso, todas aquelas pessoas que respondem a uma ação penal ou foram condenados em decorrência de posse/porte de armas de fogo calibres 9mm, .40, .44, .44 Magnum, .45 e .357 Magnum, serão beneficiados, pois estamos diante de uma novatio legis in mellius.

Isso significa que uma lei mais benéfica sempre retroage para beneficiar o réu, em qualquer circunstância e em qualquer fase.

Vejamos o que diz o artigo 2º do Código Penal:

Art. 2º – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Assim, se estamos diante de uma modificação do conceito de armas de fogo de uso permitido e de uso restrito, todos aqueles que respondiam a uma ação penal em decorrência de armas que antes eram consideradas de uso restrito e agora não são mais, serão beneficiados.

Portanto, caso tenha algum cliente já condenado nesse crime, basta requerer ao Juízo da Execução o reconhecimento da novatio legis in mellius.

Será que o presidente pensou nisso antes de editar o Decreto? Logo ele que é totalmente contrário a qualquer tipo de “benefício” a réus de ações penais?


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Pedro Magalhães Ganem

Especialista em Ciências Criminais. Pesquisador.

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