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As mudanças da vida no cárcere determinadas pelo PCC (Parte 3)


Por Diorgeres de Assis Victorio


Prosseguindo com o artigo da semana passada, lá estava eu vendo os integrantes do G.O.E. sumindo no meio da escuridão. Fiquei onde estava até ter certeza absoluta que realmente o G.O.E. não ia aparecer da escuridão em um momento. E fiquei ali quase que imóvel porque não queria que eles me vissem do local de onde estavam, mas eu estava me preocupando desnecessariamente com isso, pois eu nem ao menos sabia onde os mesmos estavam. Então, bem devagar fui saindo do local onde estava e eis que eu estava no Setor de Portaria.

Verifiquei que lá haviam alguns funcionários muito preocupados e estressados com o ocorrido. Resolvi por dormir na Unidade, o interessante é que na Unidade não existe alojamento para agentes de segurança, você tem que se “virar nos trinta”, fazendo uma sátira ao programa Se Vira nos Trinta do Domingão do Faustão. O que me causava espanto e ainda me causa é que como que pode o agente de segurança penitenciária, ganhar o R.E.T.P. (Regime Especial de Trabalho Policial) e em virtude desse “adicional” pode ser chamado a qualquer horário sem ter horário para ir embora, podendo isso durar dias, sem ter um local ao menos para repousar, sentar, deitar e etc.

E isso porque os Estados deixam de usar milhões para reformas e ampliações da Unidades Prisionais (incluindo nessas ampliações a construção de alojamentos e materiais de segurança (câmeras e etc)) e esse dinheiro ter que retornar ao Departamento Penitenciário Nacional? No voto do Ministro Lewandowski, verificamos o quanto o Estado é omisso quanto a querer melhorar as condições do cárcere tanto para os presos como para os funcionários:

“Causa perplexidade que o referido Fundo tenha arrecadado, até junho de 2015, a considerável importância de R$ 2.324.710.885,64 (dois bilhões, trezentos e vinte e quatro milhões, setecentos e dez mil, oitocentos e oitenta e cinco reais e sessenta e quatro centavos). E mais, saber que basta aos entes federados, para acessar essas verbas, que celebrem convênios com a União para executar projetos por eles mesmos elaborados e submetidos ao DEPEN. O que, porém, causa verdadeira espécie é que o emprego dessas verbas orçamentárias mostrou-se decepcionante: até 2013, foram utilizados pouco mais de R$ 357.200.572,00 (trezentos e cinquenta e sete milhões, duzentos mil e quinhentos e setenta e dois reais). De um lado, em virtude do contingenciamento de verbas do Fundo, e, de outro, em face da inconsistência, mora ou falha na execução dos projetos concebidos pelos entes federados. A título ilustrativo, menciono, por oportuno, reportagens veiculadas nos portais de notícias “IG” e “G1”, as quais traziam, respectivamente, em 16/11/2013 e 30/1/2014, as seguintes manchetes: “Estados perdem R$ 135 milhões destinados a investimentos em presídios” e “Estados deixam de construir prisões e devolvem R$ 187 milhões à União”,corroborando as impressões acima expostas. Vê-se, pois, que, embora complexo, o problema prisional tem solução, especialmente quanto à disponibilidade de verbas, bastando que a União e os Estados conjuguem esforços para resolvê-lo, superando a sua histórica inércia ou, quem sabe, a persistente ausência de vontade política para atacá-lo de frente.”

O melhor local que encontrei para descansar o corpo, porque com todo aquele stress eu não ia conseguir dormir mesmo, foi em um banco de madeira que tinha sido construído pelos próprios presos, e lá fui eu descansar um pouco, já tinha se passado da zero hora da noite. Os pernilongos me comiam vivo e eu não tinha nada ali para me proteger, ou seja, um repelente ou algo assim.

Mas eis que me veio a mente que eu podia fazer uma “tia” de papel higiênico (os presos usavam muito isso em sua cela, eles pegavam um pedaço grande de papel higiênico, enrolavam tipo uma corda e meio que trançavam a mesma em forma de vários oitos e colocavam fogo, aquela fumaça de um certo modo afugentava os pernilongos. Passei a noite ali sozinho naquele local fazendo “tias” (“terezas”) de papel higiênico.

Antes mesmo do Sol lançar seus primeiros raios eu já estava de pé, pois a cadeia já estava se movimentando. Já não tinha dormido bem, pois eu estava preocupado com medo de que algum visitante que estivesse dormindo por ali jogasse um coquetel molotov

Antes mesmo de o sol lançar seus primeiros raios eu já estava de pé. A cadeia estava se movimentando. Eu não tinha dormido bem, pois estava preocupado, com medo de que algum visitante que estivesse dormindo por ali jogasse um coquetel molotov[1] em mim, um ácido, tipo água de bateria de carro ou algo que pudesse me machucar, queimar. Mas também eu não tinha outra alternativa, pois não ia dormir no chão, tinha medo de cobra, escorpião ou algum outro animal me atacasse.

Levantei e fui procurar um café para tomar, e depois fui conversar com o responsável pelo G.O.E. e disse que tinha achado aquilo que eu tinha visto na noite anterior extraordinário e que eu nunca tinha visto aquilo nem no Exército, expliquei que havia sido sargento do Exército Brasileiro antes de ser agente de segurança penitenciária. Nisso o comandante do G.O.E.  me deu um rádio HT (Hand-Talk = rádio de mão). Ele deu um sorriso e me disse que eu me escondi muito bem, pois nem ele tinha conseguido me achar no local onde eu estava escondido. Me disse que aquele rádio ia ficar sob minha responsabilidade e que eu só deveria entregar a ele e a mais ninguém e que ele tinha uma frequência especial somente utilizada pelo G.O.E.

Minha missão era informá-lo (comandante) o que estava ocorrendo na cadeia já que ele me disse que eu conseguia espionar as coisas muito bem, brinquei com ele, dizendo que achava que tinha prestado muita atenção nas técnicas de camuflagem, ruído e luz no Exército. Ele deu um sorriso e se despediu. Quando adentrei a cadeia os agentes me perguntaram aonde eu havia conseguido aquele rádio e quem tinha me dado autorização para portá-lo. Eu respondi que estava em missão para o G.O.E. e que a cadeia estava nas mãos dos grupos especiais (G.O.E., GATE e Tropa de Choque) e que o comandante do G.O.E. que tinha me dado aquele rádio.

Segui andando até o setor de revisora. Eis que trazem um preso encapuzado sem abertura para os olhos, tinham outros quatro presos armados com estiletes, estiletes imensos, maior que minha perna. Aí esses presos começaram a gritar e dizer que agora nós iríamos ver que o Primeiro Comando da Capital não estava de brincadeira e que ali seria a primeira demonstração de poder do P.C.C em uma Unidade.

Nisso os presos começaram a dar uma sequência de várias estiletadas nesse preso, ele urrava de dor, quando ameaçou cair, dois outros presos o seguraram pelos braços para que seu tórax e suas costas fossem mais atingidos. Eu já tinha perdido a conta de quantas estiletadas aquele preso já havia levado e ele de repente parou de gritar.

Dou por encerrado o artigo dessa semana, dando continuidade na semana que vem. Boa semana.


NOTAS

[1] Trata-se de uma bomba incendiária de fabricação caseira: uma garrafa cheia de combustível com um pavio no gargalo. Esse tipo de arma existe desde que se descobriram os poderes inflamáveis da gasolina, mas o nome surgiu na Segunda Guerra Mundial. Os guerrilheiros soviéticos utilizavam armas domésticas como essa para atacar o exército alemão e resolveram prestar uma homenagem ao chanceler (ministro das Relações Exteriores) e então presidente do Conselho de Ministros da antiga União Soviética: Vyacheslav Mikhailovich Molotov (1890-1986). O próprio chanceler chegou, inclusive, a encomendar uma grande quantidade de garrafas para atacar os invasores. Leia mais sobre o artefato aqui.

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Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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