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As mudanças da vida no cárcere determinadas pelo PCC


Por Diorgeres de Assis Victorio


De início se faz necessário mencionar que a PII de Hortolândia esteve amotinada e com três agentes penitenciários feitos de reféns até a data de hoje, sendo que a rebelião só terminou com o atendimento de uma das solicitações dos líderes que era a transferência de presos (veja aqui).

Volto a lembrar que, quanto a gerenciamento de crises e política criminal e penitenciária, essa é uma das reivindicações que nunca deveria ser atendida, porque é o meio pelo qual o PCC sempre conseguiu espalhar os membros que possuem mais lideranças e influências sobre os presos (aqui sim poderíamos tratar da Teoria do domínio do fato de Claus Roxin, apesar que na verdade a primeira pessoa a empregar a expressão domínio do fato, ou domínio sobre o fato em Direito Penal foi HEGLER (ROXIN, Autoría y dominio del hecho,  Madrid: Marcial Pons, 2000 § 11, p. 81), tendo em vista que esses presos, pelo menos dentro da Unidade Prisional onde estão cumprindo pena tem o domínio das ordens, para por exemplo mandar exterminar um preso[1].

Outro fato interessante é que na data do dia 11 próximo, criminosos atacaram bases da polícia militar em São Paulo e que essas ações teriam sido coordenadas pelo PCC, onde foi dado um “alerta geral” para a polícia militar (veja aqui). Precisei mencionar esses fatos para posteriormente entrar no artigo que me propus a escrever. Vamos a tarefa!

Na sexta-feira dia 24 de março de 1995, eu estava como via de regra trabalhando no Raio II e vi que três amigos já tinham sido pegos como reféns no Raio III, tentamos negociar a soltura dos reféns ali mais que rapidamente, mas o preso que estava de posse de um estilete, estilete esse que estava no pescoço de um dos agentes não nos ouvia e dizia que só conversaria com o juiz da execução. Eis que a direção conseguiu trazer um juiz da execução e quando o mesmo iniciou o diálogo com o preso não teve sucesso, pois escutamos o preso dizer bem alto:

“Não quero esse juiz! Eu quero aquele que apareceu na TV (televisão)!

Cheguei à conclusão que resolver aquela crise não seria nada fácil, porque já tinha observado que era um preso que é denominado no cárcere como “chapado” (desequilibrado, louco, doente mental e etc.), pois não tem lógica ele sair pedindo um juiz que ele viu na TV, esse juiz nem teria competência naquele presídio e como explicar isso a um “chapado” que tem um refém em suas mãos e está de posse de um estilete? Na hora pensei tomara que ele não corte a orelha do agente, nos dizendo que aquilo era uma prova para verem que ele não estava de brincadeira na cadeia e que era bandido e etc.

Essa sexta-feira foi longa, mas no fim tudo deu certo e soltaram os reféns. Pensei comigo, bem acho que não vou trabalhar domingo não, e resolvi não ir trabalhar e fui viajar à São Tomé das Letras, já pensando que nada de anormal iria acontecer no domingo, que também era meu plantão, até porque por lei no cárcere é proibido fazer rebelião nos fins de semana em virtude das visitas, toda rebelião acontecia de segunda a quinta-feira, nem sexta-feira havia rebelião, tudo para não prejudicar a visitação no sábado e domingo. Quando retornei de São Tomé das Letras e liguei a televisão, vi que a cadeia estava “virada” nesse dia (26 de março de 1995) e tinham 12 agentes penitenciários do plantão que eu fazia parte de refém.

Eu não aceitava aquilo, porque não era permitido, quando eu entrei no cárcere para trabalhar em 1994, uma das coisas que aprendi foi isso, eu pensando comigo que na segunda-feira, que é a “segunda sem lei” na cadeia (dia para acerto de contas e muitas mortes), os funcionários do outro turno teriam problemas, porque eu achava que apenas tínhamos apagado um pequeno pavio do barril de pólvora, mas que na verdade a cadeia estava “mil graus” e qualquer tipo de faísca (uma visita que não tenha vindo visitar o preso e era um acerto de contas que tinha que ser feito, ou era uma visita que tinha que trazer uma droga e não deu para ela vir).

Nisso na “segunda sem lei” haveriam as cobranças, e dessas cobranças poderiam gerar uma rebelião que é o que via de regra acontece. Mas os presos que detinham o domínio do fato determinaram que a rebelião era para acontecer no domingo em um dia de visitação, isso foi um marco divisório no modo de se fazer rebeliões no Brasil, pois até essa data isso nunca fora permitido sob pena de sofrer(em) a pena capital.

Assim que pude me dirigi a Unidade Prisional, pois meus colegas estavam na ponta da faca e era em uma cadeia que recebia os presos do Piranhão (Anexo de Taubaté), só a “nata do PCC” é que estava ali e dois dias antes eu já tinha visto quem eram os generais do PCC, e os matadores profissionais de aluguel do PCC que estavam ali. Era uma quantidade muito grande de criminosos de altíssima periculosidade juntos, de quem foi essa ideia imbecil de juntar todos esses integrantes do PCC em um mesmo local, isso sim que eu chamo de Política Criminal, digo, de Política Criminógena.

Ao chegar à Unidade já presenciei o estado emocional dos agentes, verifiquei que os presos já estavam subindo em cima do telhado próximo ao Setor de Revisora, que é próximo à muralha da prisão.

Fiquei vendo tudo o que ocorrera. Recordo-me bem quando um dos presos trouxe um refém próximo ao portão do Setor de Revisora e começou a falar sobre os reféns e dava estiletadas no corpo do agente de segurança penitenciária que gritava desesperadamente. Até hoje posso ouvir soar (em meus pensamentos) os gritos de dor daquele funcionário, pensei que ele seria morto naquele local e na minha frente.

Pude ver chegarem alguns grupos especiais da polícia (GATE, GOE e o CHOQUE). O GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais) chegou de helicóptero e ficavam circulando em cima da Unidade Prisional, alguns presos de medo até pulavam de cima do telhado achando que iam ser metralhados, pois os membros do GATE, ficavam meio que pendurados para fora do helicóptero empunhando metralhadoras e as apontava aos presos. Vi o GOE (Grupo de Operações Especiais) chegando com umas roupas camufladas e com os rostos todos pintados, como se estivessem preparados para uma guerra. O ar na cadeia era sinistro e o clima só piorava com a chegada dessas tropas. Eis que em um momento começa a chegar os ônibus da Tropa de Choque. Fui ver o desembarque era muito mais que uma centena de militares. Cheguei à conclusão que realmente o governador de São Paulo tomou conhecimento da gravidade da situação, pois mandou as três mais temidas e mais conceituadas tropas especiais da Segurança Pública do Estado para resolver essa situação.

A noite chegara e eu permaneci na cadeia, eu ainda acreditava que a rebelião iria terminar logo, quando eu olhava todas aquelas tropas especiais juntas, eu lembrava do Massacre do Carandiru e pensava comigo mesmo “Se só a Tropa de Choque sozinha fez todo aquele estrago na Detenção, imagina agora as três tropas todas juntas por determinação do Governador do Estado.

Eu circulava a noite toda por todos os lugares da cadeia parecendo um zumbi, devido ao stress eu não conseguia dormir, nem ao menos cochilar, eu escutava gritos dos presos e ao bem tardar da noite comecei a ver uma movimentação muito estranha do GOE. Me escondi para que eles não percebessem que eu os via, de repente, cortaram a energia elétrica da cadeia. Era tarde da noite, mais de duas horas da manhã, nisso em fila indiana (um por um) eles foram se aproximando da muralha da Unidade Prisional pelo lado de fora. Eis que um membro se ajoelha e outro sob em seus ombros e assim se levanta. Começava a ser criado um tipo de uma escada humana, na qual os que estavam mais ao alto lançavam seus braços meio que para trás e nisso um ia puxando o outro e cada vez mais a escada se agigantava até atingir o topo da muralha. Pensei comigo, eles vão invadir a Unidade Prisional de noite e pegar os presos de surpresa e soltar os reféns. Realmente aquilo que eu estava presenciando parecia coisa de “filmes de Hollywood”.

Encerro o artigo dessa semana e informo que no próximo artigo darei continuidade ao mesmo.


NOTAS

[1] A jurisprudência alemã costumava condenar como partícipes os que haviam cometido delitos pelas próprias mãos – por exemplo, o disparo contra judeus -, enquanto sempre achei que, ao praticar um delito diretamente, o indivíduo deveria ser responsabilizado como autor. E quem ocupa uma posição dentro de um aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute a ação criminosa também deve responder como autor, e não como mero partícipe, como rezava a doutrina da época. Disponível aqui.

_Colunistas-Diorgeres

Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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