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O depósito do montante integral, a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro

Por Henrique Saibro

Na última oportunidade, vimos o que a doutrina brasileira entende sobre o crime fiscal como delito antecedente à lavagem de dinheiro, bem como analisamos as principais e mais hodiernas jurisprudências a respeito do tema. Entretanto, ficamos devendo um diagnóstico acerca dos prováveis efeitos decorrentes das causas suspensivas e garantidoras do crédito tributário na persecução criminal sobre lavagem. Faremos, hoje, um check-up sobre o depósito do montante integral.

Essa modalidade suspensiva do crédito tributário merece total atenção quando estamos discutindo a sua repercussão no crime de lavagem de dinheiro. Retomando o raciocínio do artigo já publicado aqui no Canal, caso o contribuinte deposite integralmente o valor do débito para discutir a causa no Juízo cível, duas possibilidades entram em voga: (I) a procedência da ação ordinária, com a consequente desconstituição do crédito tributário e, como resultado, a absolvição no processo penal de sonegação fiscal dada a inexistência de crime; ou (II) a improcedência da ação ordinária, cujo depósito converte-se em pagamento, gerando, pois, o pagamento do débito, extinguindo-se a punibilidade do acusado no feito criminal.

Nessa conjuntura, existem diversas correntes jurisprudenciais sobre o desenrolar do processo penal assim que depositado o montante integral no Juízo cível. Uma entende, por analogia aos efeitos da aceitação de carta fiança, que estando garantida a dívida fiscal “não haverá lesividade ao Estado” e, “sem lesividade, não há crime”[1]. Isso posto, teríamos uma absolvição com base no inciso III do art. 397 do CPP. Caso o decisum transite em julgado, fica impedida a caracterização do crime de lavagem de dinheiro, “porque não haverá produto ou proveito ilícito a ser lavado”[2].

Entretanto, há entendimentos jurisprudenciais no sentido de que, caso oferecida a denúncia quando já realizado o depósito integral do montante relativo ao crédito tributário, é causa de extinção do processo em virtude da carência de condição para o exercício da ação penal (art. 395, II, do CPP)[3], extinguindo-se o feito sem resolução de mérito – possibilitando, se for o caso, um novo oferecimento de denúncia. Nesse caso, conforme o entendimento jurisprudencial vigente, para o recebimento da denúncia sobre lavagem, no exame dos pressupostos da justa causa para o exercício do processo penal, mostra-se prescindível “a obtenção de um juízo de certeza acerca da autoria e da materialidade delitivas. Basta o exame acerca da plausibilidade da pretensão acusatória”[4], de modo que não estaria prejudicado o recebimento da exordial acusatória.

Igualmente, o fato de o processo que tratava sobre a sonegação fiscal ter sido extinto por ausência de justa causa parece não gerar impeditivo para gerar o édito condenatório sobre o delito de lavagem, desde que amoldado à concepção majoritária, protagonizada por MORO, que parte do pressuposto de que poderá haver condenação pelo delito de branqueamento de capitais “independentemente de condenação ou mesmo da existência de processo pelo crime antecedente”[5]. Isso porque o dispositivo não gerou a absolvição do acusado por cometimento de crime contra a ordem tributária – dispositivo esse que possui força de barrar a apuração do delito de branqueamento de capitais.

Sem embargo, a extinção do feito que apurava a sonegação fiscal consubstanciada na ausência de justa causa, conforme o entendimento de BADARÓ e BOTTINI geraria, sim, um impeditivo condenatório para o crime de lavagem, dada a premissa de que “se ao final da instrução houver dúvida sobre a existência da infração penal, a solução não poderá ser outra que não a absolvição do acusado”[6].

Por fim, caso prevaleça o terceiro entendimento exposto anteriormente, cuja argumentação vai no sentido de que o depósito do montante integral do débito deveria igualar-se ao pagamento do débito, o que leva à extinção da punibilidade, essa modalidade não geraria qualquer impedimento tanto para fins de recebimento da denúncia quanto para uma sentença condenatória, em razão da disposição legal prevista no § 1º do art. 2 º da Lei nº 9.613/98, que autoriza expressamente a punição do crime de lavagem inclusive quando extinta a punibilidade da infração antecedente. Até porque, reitere-se, “a acessoriedade do crime de lavagem de dinheiro é limitada, não chegando ao ponto de exigir que infração antecedente seja punível”[7].

Portanto, fica transparente o desarranjo doutrinário e jurisprudencial sobre o tema, que, dependendo do efeito da decisão proferida no processo que apura a prática de crime tributário, pode impedir (ou não) a persecução do delito de lavagem, fenômeno esse que aparentemente não foi ainda bem refletido pelos tribunais pátrios. Fica, novamente, o acusado jogado à sorte dependendo do entendimento do julgador competente à luz do caso em concreto.

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[1] HC 993.08.017052-5, TJ/SP, Décima Segunda Câmara Criminal, Rel. Desembargador Celso Limongi, DJ 25/07/08.

[2] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais: Comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 193.

[3] Nesse sentido ACR 200950010043444, Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Primeira Turma Especializada, Rel. Juiz Federal Convocado Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, DJF 11/02/2011.

[4] Nesse sentido: BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. HC n. 5006169-75.2014.404.0000, da Sétima Turma, Relator: Juiz Federal José Paulo Baltazar Júnior, Porto Alegre, RS, D.E. 09/04/2014. Disponível aqui.  Acesso em: 04/06/2014).

[5] MORO, Sergio Fernando. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 88.

[6] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais: Comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 266.

[7] Idem, op. cit. p. 261.

HenriqueSaibro

Henrique Saibro

Advogado. Mestrando em Ciências Criminais. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Compliance.

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