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O parcelamento do crédito tributário no processo penal

Por Henrique Saibro                                                                              

O parcelamento consiste, no escólio de BITENCOURT e MONTEIRO, numa forma de regularização fiscal, que possui a natureza de causa de suspensão da pretensão punitiva estatal[1]. Tal modalidade foi instituída pela Lei nº 9.964/2000 (REFIS), especificamente em seu art. 15[2], abrangendo os crimes tributários praticados por agentes cujas empresas aderissem à proposta, desde que antes do recebimento da denúncia[3].

A Lei nº 10.684/03 tratou de instituir o parcelamento especial, vulgo PAES, cujo art. 9º[4] previa que deveria ser suspensa a pretensão punitiva do Estado, em relação aos delitos previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, bem como nos arts. 168-A e 337-A do CP, enquanto a pessoa jurídica, representada pelo(s) imputado(s) estivesse incluída no regime de parcelamento[5]. A referida legislação não se incumbiu de prever qualquer limite temporal para a formulação de pedido de parcelamento, de forma que possibilitava, inclusive, parcelar o débito em grau recursal. Assim que homologado o parcelamento, independentemente da fase do processo penal, este seria suspenso. Os tribunais divergem acerca dos efeitos do parcelamento do débito após o trânsito em julgado do processo penal (em relação às legislações que não previam limite temporal para tanto) – há entendimentos ora no sentido da suspensão da pretensão executória estatal[6], ora em sentido diverso[7].

A Lei nº 11.941/2009, que instituiu novo parcelamento extraordinário, também não estabeleceu nenhum limite temporal para o pedido de parcelamento dos débitos. Entretanto, com a vigência da Lei nº 12.382/11, o panorama atual “acabou por propiciar contornos mais rígidos à matéria”[8], pois somente passou a admitir a suspensão do processo penal quando o pedido de parcelamento for formulado anteriormente ao recebimento da denúncia, nos termos da novel redação do §2º do art. 83 da Lei nº 9.430/94[9]. Trata-se, portanto, de novatio legis in pejus, sendo uma legislação irretroativa por ser mais gravosa ao réu.

Segundo interpretação do STJ, não há falar em irretroatividade se o pedido de parcelamento for efetuado durante a vigência da nova lei reguladora, por mais que esta seja mais grave, pois deve “ser aplicada a regra legal vigente ao tempo da adesão ao parcelamento, em nada interferindo a data dos débitos que originaram a acusação”[10].

Abre-se uma discussão, aqui, sobre eventual incompreensão do tema. Veja-se que o ato de redução ou supressão do tributo ocorre quando do nascimento da obrigação tributária não confessada direta ou indiretamente por meio de omissões, fraudes e falsificações relativas aos deveres de cooperação do contribuinte, tanto em procedimentos, quanto em declarações. A redução ou supressão não ocorre quando da constituição definitiva do crédito tributário, que é apenas uma condição para a persecução penal, eis que declara o nascimento da obrigação tributária e confere exigibilidade, provendo certeza e exigibilidade ao débito. Daí que, quiçá, a legislação de regência do ato penal e do eventual parcelamento deve ser aquela vigente na época do nascimento da obrigação tributária objeto de redução ou supressão dolosa – ao contrário do entendimento do STJ exposto anteriormente.

De outra banda, pode-se notar uma chantagem implícita por parte do Fisco, no que tange ao viés da pressão de natureza psicológica. A chantagem estatal imposta ao contribuinte segue o seguinte raciocínio, segundo ABRÃO: “ou adere ao Refis e paga aquilo que deve de forma parcelada ou fica ao sabor da maré, sujeito ao aspecto da denúncia criminal, na tipificação da Lei nº 8.137/1990”[11].

Importante mencionar que após vencidas e pagas todas as parcelas, a punibilidade do imputado deve ser extinta em função do pagamento[12]. E, especificamente sobre esse ponto, o mesmo autor ainda é contra isentar o réu de pena em caso de pagamento – que é alcançado pela simples quitação ou pelo adimplemento total do parcelamento. Acredita o magistrado que seria mais prudente impor a quitação como causa minorante de pena, pois, caso contrário, o Estado estaria implicitamente favorecendo “aqueles que cometeram o delito e de algum modo não pagaram a tempo a soma devida”[13]. Destaca, ainda, que o contribuinte pontual não recebe qualquer benefício pelo adimplemento, “ao passo que o moroso e inadimplente sempre será favorecido com o advento da legislação entronizado com a certeza da impunidade”[14].

Em sentido contrário é o entendimento de FERRARI, para quem constituir o pagamento como exclusão de punibilidade é “prestigiar o bem juridicamente tutelado, e não o ofender. Porquanto maior será a arrecadação do Estado, que poderá investir em áreas tão carentes de recursos”[15]. Não fica convencido o jurista, também, que tal situação criaria uma desigualdade entre o empresário probo, cujos livros estão em ordem, mas acabou não pagando a tributação, e o empresário com rendimentos mais robustos que sonegou dolosamente o tributo, possuindo esse último condições de pagar o débito tributário.

Refere que se ambos os contribuintes não pagaram determinado tributo, estando os livros em ordem ou não, de toda a sorte é inegável a situação de sonegação, “devendo verificar-se a atuação dolosa ou culposa, no caso concreto, não fazendo jus que a capacidade e a possibilidade de pagar tributo impeça a causa de exclusão da punibilidade”[16].

Por fim, ressalta que também não merece guarida o argumento de que os crimes contra a ordem tributária terão mais incidência por parte dos comerciantes, pois deixarão de pagar o tributo à espera da atuação fiscal. É que “o não pagamento de tributos ao fisco já era uma realidade que existia antes mesmo do advento do art. 34 da Lei nº 9.249/95”, aduzindo, ainda, que essa medida técnico-jurídica ficaria no conhecimento restrito dos “operadores de direito” e, para a população em geral, “prevalecerá a ideia de que o não pagamento do tributo é uma ilicitude reprovável”[17].

__________

[1] BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes Contra a Ordem Tributária. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 88.

[2] Art. 15 da Lei nº 9.964/00. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1 o e 2 o da Lei n o 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei n o 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. op. cit. p. 88.

[4] Art. 9º da Lei nº 10.684/03. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

[5] BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. op. cit. p. 88.

[6] HC nº 200371070124947, TRF4, Sétima Turma, Rel. Desembargador Federal Tadaaqui Hirose, DJ 16/06/2004.

[7] AGEPN nº 201050010097390, TRF2, Primeira Turma Especializada, Juiz Federal convocado Marcello Ferreira de Souza Granado, E-DJF2R 22/02/2011.

[8] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Legislação Penal Especial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 614. 4v.

[9] Art. 83, caput, Lei nº 9.430/94. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

[…] § 2º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal (Incluído pela Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011 – Vigência, vide art. 7º da Lei nº 12.382, de 2011).

[10] HC 37.541, Sexta Turma, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe 13/10/2009.

[11] ABRÃO, Carlos Henrique. Crime Tributário: Um Estudo da Norma Penal Tributária. São Paulo: IOB Thomson, 2007, p. 24.

[12] RHC 109651, STF, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe-120 19/06/2012.

[13] ABRÃO, Carlos Henrique. op.cit. p. 71.

[14] Idem, ibdem.

[15] FERRARI, Eduardo Reale. A Extinção da Punibilidade do Tributo nos Crimes de Sonegação Fiscal como Medida de Política Criminal. Boletim IBCCRIM, n. 40, abr. 1996.

[16] FERRARI, Eduardo Reale. A Extinção da Punibilidade do Tributo nos Crimes de Sonegação Fiscal como Medida de Política Criminal. Boletim IBCCRIM, n. 40, abr. 1996.

[17] Idem, ibdem.

HenriqueSaibro

Henrique Saibro

Advogado. Mestrando em Ciências Criminais. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Compliance.

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