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Os níveis de psicopatia do Dr. Stone

Os níveis de psicopatia do Dr. Stone

A literatura tradicional revela inúmeras teses sobre níveis de psicopatia. Apenas dois exemplos, antes de uma classificação mais detalhada: os dois níveis desenvolvidos por Ronald Blackburn (psicopatas primários, mais convictos, extrovertidos e excitados para o comportamento reprovável; e psicopatas secundários, mais introvertidos, dependentes e deprimidos), e os cinco níveis registrados por Theodore Millon (o psicopata carente de princípios, o malévolo, o dissimulado, o ambicioso e o explosivo).

Tecnicamente, essa doença é denominada “Transtorno de Personalidade Dissocial” (código F60.2, CID), normalmente atribuída a um desvio de personalidade que se caracteriza por um comportamento antissocial e pela falta de controle desse já parco comportamento. Na sociedade comum, estima-se um índice médio de 2% de psicopatas. Não é difícil imaginar que se o índice for medido dentro de uma penitenciária, pode superar 50%.

Pois bem: adiante da literatura médica e forense, o psiquiatra forense Michael Stone, da Universidade de Columbia, idealizou o “índice da maldade” em 22 itens.

Tamanha repercussão virou programa de TV (veiculado em 3 temporadas no Discovery Channel, de 2006 a 2008), com produção hollywoodiana e grande audiência, principalmente nos EUA. Não era pra menos, pois o “índice” é deveras instigante e, no mínimo, curioso:

1) Matam em legítima defesa e não apresentam sinais de psicopatia (pessoas normais);
2) Amantes ciumentos que cometeram assassinato, mas que apesar de egocêntricos ou imaturos, não são psicopatas (crime passional);
3) Cúmplices voluntários de assassinos: personalidade esquizóide, impulsiva e com traços anti-sociais;
4) Matam em legítima defesa, porém provocaram a vítima ao extremo para que isso ocorresse;
5) Pessoas desesperadas e traumatizadas que cometeram assassinato, mas que demonstram remorso genuíno em certos casos e não apresentam traços significantes de psicopatia;
6) Assassinos que matam em momentos de raiva, por impulso e sem nenhuma ou pouca premeditação;
7) Assassinos extremamente narcisistas, mas não especificamente psicopatas, que matam pessoas próximas a ele;
8) Assassinos não-psicopatas, com uma profunda raiva guardada, e que matam em acessos de fúria;
9) Amantes ciumentos com traços claros de psicopatia;
10) Assassinos não-psicopatas que matam pessoas "em seu caminho", como testemunhas - egocêntrico, mas não claramente psicopata;
11) Assassinos psicopatas que matam pessoas "em seu caminho";
12) Psicopatas com sede de poder que matam quando estão encurralados;
13) Psicopatas de personalidade bizarra e violenta, e que matam em acessos de fúria;
14) Psicopatas cruéis e autocentrados que montam esquemas e matam para se beneficiarem;
15) Psicopatas que cometem matanças desenfreadas ou múltiplos assassinatos em uma mesma ocasião;
16) Psicopatas que cometem múltiplos atos de violência, com atos repetidos de extrema violência;
17) Psicopatas sexualmente perversos e assassinos em série: o estupro é a principal motivação, e a vítima é morta para esconder evidências;
18) Psicopatas assassinos-torturadores, onde o assassinato é a principal motivação, e a vítima é morta após sofrer tortura não prolongada;
19) Psicopatas que fazem terrorismo, subjugação, intimidação e estupro, mas sem assassinato;
20) Psicopatas assassinos-torturadores, onde a tortura é a principal motivação, mas em personalidades psicóticas;
21) Psicopatas que torturam até o limite, mas não cometem assassinatos;
22) Psicopatas assassinos-torturadores, onde a tortura é a principal motivação (na maior parte dos casos, o crime tem uma motivação sexual, mesmo que inconsciente).

Como exemplo do índice 22, vemos os notórios Ed Gein (inspiração para, dentre outros, O massacre da serra elétrica), John Wayne Gacy (inspiração para It – aquele assustador palhaço assassino), Jim Jones, Edmund Kemper, “Dr. H. H. Holmes” etc.

Diferentemente de Jim Jones (líder religioso que instigou 918 pessoas ao suicídio, em 1978), e de Charles Manson (segundo a Promotoria da Califórnia, “o homem mais maligno e satânico que já caminhou na face da Terra”), Ed Gein matou “apenas” duas pessoas. Mas durante as investigações, o horror foi constatado.

Uma das vítimas, Bernice Worden (1957), foi decapitada e seu corpo foi suspenso pelas pernas numa viga. Seu tronco estava vazio, e parte de suas vísceras, juntamente com sua cabeça, estava numa caixa, em outra parte da casa de Ed. O coração de Bernice estava num prato, disposto à mesa de jantar, e algumas outras partes do corpo ainda ferviam (cozinhavam) numa panela, sobre o fogão.

Em revista à casa, os policiais encontraram crânios humanos empilhados ou utilizados como tigelas, pele humana estofando cadeiras e abajures, ou utilizadas como cortina, ou ainda como máscaras e meias, puxadores de janela feitos com lábios e mamilos humanos, dentre outras coisas.

Constataram que esses cadáveres não foram resultado direto de homicídios praticados por Ed, mas sim de violações de sepulturas, a partir das quais ele furtava corpos e “trabalhava”, muitas vezes em rituais travestis – bem descritos em The silence of the lambs (“O silêncio dos inocentes”: o objetivo de Buffalo Bill…).

Ed Gein foi considerado mentalmente incapaz e, consequentemente, inocentado dos crimes. Não que tenha se livrado de um hospital psiquiátrico pelo resto de sua vida.

A questão da psicopatia está entre as 3 mais relevantes razões do homicídio (ou, amplamente, da criminalidade) – ao lado da econômica e da passional.

Mas dentre essas 3 razões, parece revelar maior curiosidade, parece fazer parte de um imaginário sombrio que instiga mais ainda o ser humano a tentar entender esse fenômeno do “mal”, presente em nossa história desde sempre.

Parece que nos foge à consideração o fato de que um homicídio, por exemplo, quanto mais “simples” (art. 121 “caput” do Código Penal), talvez mais reprovável. Ao Ed Gein, se sujeito à legislação penal brasileira, o que poderia ser imputado?

Talvez o tipo descrito no art. 121, § 2º, II, III e IV do Código Penal: homicídio triplamente qualificado, por motivo fútil, mediante emprego de tortura e recurso que tenha impossibilitado a defesa da vítima. Mas essa resposta sócio-jurídica – e sua execução (30 anos de reclusão, no máximo) – não bastaria ao condenado.

Em sua “inteligibilidade”, Ed Gein não agiu erradamente. Ou, de repente, teve consciência de que a sua conduta era reprovável mas, sem receio de qualquer punição, cometeu-a porque simplesmente quis, e voltaria ao crime, desde que livre!

Direito penal posto. Mandamentos divinos postos. Consciência (ou não) de reprovabilidade sócio-jurídica da conduta social. Possibilidade real e concreta – ou mais: provável! – de descoberta, processamento, condenação e punição, na terra e no inferno. Diante desse quadro, o que leva, então, o Ed Gein consciente e sociável ao morticínio?

Além de um distúrbio, algo de “poder” ecoa no ar.


Esse é um pequeníssimo excerto de uma publicação eletrônica que fiz intitulada “À Sua imagem e semelhança”, disponível integralmente aqui.

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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