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As pontes de Liszt

As pontes de Liszt

O jurista Franz Eduard Ritter von Liszt nasceu na Áustria, mais precisamente em Viena, no dia 2 de março de 1851, falecendo na cidade de Seeheim-Jugenheim, na Alemanha, em 21 de junho de 1919.

Talvez estejamos incorrendo em grave erro nomeando-o como jurista. Talvez essa rotulação simplista seja injusta para um verdadeiro pensador, um reformador das Ciências Penais, mestre em renomadas Universidades da Alemanha, pioneiro em ideias revolucionárias e um verdadeiro político criminalista na mais larga acepção que essa expressão possa alcançar.

Principal expoente da Escola Sociológica de Direito Penal, Liszt foi um teórico brilhante, precursor de diversas teorias no âmbito da Criminologia, sendo que dentre elas podemos destacar a Teoria da Prevenção Social Moderna, a Teoria Naturalista (ou Causal) e a Teoria Finalista do Direito Penal.

Polêmico, é de Liszt a frase aqui trazida à colação que causou grande celeuma nos meios acadêmicos e leigos de sua época:

O Código Penal é a Carta Magna do delinquente. Não protege a ordem jurídica, nem a comunidade, senão o indivíduo que contra esta obrou. Dispõe para ele o direito a ser castigado só se concorrem os requisitos legais e dentro dos limites estabelecidos pela lei… (Pesquisa Sociológica e Antropológica sobre o Significado Fundamental do Direito Penal – Über den Einfluss der soziologischen und anthropologischen Forschungen auf die Grundbegriff des Strafrechts, en Strafrechtliche, II. Ano: 1893.)

Pois bem, é fruto da mente extraordinária desse importantíssimo doutrinador as chamadas pontes de ouro e de prata no Direito Penal. 

A filosofia entabulada pelo teórico austríaco tem como norte a busca pela cessação imediata da ação criminosa cuja execução está em curso, mas que ainda não se consumou. Ela abarca os conceitos de arrependimento eficaz, arrependimento posterior e desistência voluntária, ações que poderiam levar à redução ou à própria exclusão da punição penal.

Tendo em mente essas informações precípuas, devemos considerar que tais ideias apresentadas de forma genérica são divididas de forma dicotômica, através dos institutos das pontes de ouro e de prata mencionados supra. 

A assim denominada ponte de ouro se traduz na hipótese em que durante o iter criminis o agente procura retornar à licitude através do arrependimento eficaz ou da desistência voluntária. É o que resta estatuído no art. 15 do Código Penal:

O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

Liszt, de forma bastante perspicaz, ensina que há uma saída para a situação onde os atos preparatórios não passíveis de punição foram superados pela ação objetiva do agente realizador do verbo constante do núcleo penal: a construção de uma ponte de ouro onde o referido agente através da cessação de seus atos poderia retornar aos braços da lei.

Esse instituto serviria para estimular o rompimento da cadeia de ações determinantes para o atingimento da consumação criminal, reduzindo os nefastos resultados e beneficiando o então criminoso com uma penalização mais branda ou mesmo com a exclusão da tipicidade.

Não obstante o brilhantismo dessa importante concepção jurídico-doutrinária, ele foi além: estabeleceu os parâmetros da assim chamada ponte de prata do Direito Penal. Esse instituto tem por base o arrependimento posterior, que teria o condão de minorar a intensidade das sanções penais ao agente que reduz consideravelmente os danos da ação criminosa perpetrada.

Não causa exclusão da tipicidade penal, mas deságua na redução da pena. Tal circunstância idealizada por Liszt se demonstra de forma inequívoca no art. 16 do Código Penal pátrio:

Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços. 

Traduzindo a proposta de Liszt somada a alguns requisitos – crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, reparação do dano ou restituição da coisa – nosso ordenamento abraçou a teoria da ponte de prata, oferecendo ao agente criminoso a possibilidade de ter sua pena diminuída. 

Em que pese as enérgicas contraposições que as teorias de Liszt sofreram durante todos esses anos, é cediço que suas ideias têm até hoje reconhecimento mundial graças à genialidade e modernidade empregadas na construção de sua obra. O tirocínio empregado na constituição das teses aqui tratadas – ponte de ouro e de prata – adquirem cada vez mais importância conforme avançamos no tempo. 

Alguém certa vez disse que gênio é aquele que enxerga o óbvio antes de todos. É o caso de Liszt. Ele viu em meio à fumaça espessa das letras jurídicas uma oportunidade de estimular a amenização dos efeitos de um crime que já está em andamento, oferecendo um caminho de volta à legalidade a quem já anda a passos largos nas sendas criminais. As pontes são mãos poderosas que puxam de volta o agente para o curso correto, reforçando preceitos éticos perdidos por ele em suas ações já iniciadas. 

Se palmilhar o caminho do crime é considerado para o homem de senso médio a escolha errada, as pontes de Liszt são, com toda a certeza, a única opção de retorno para a preservação da assim denominada normalidade jurídico-social. 

Que elas continuem firmemente erigidas, para o bem da humanidade.


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