As vítimas do terrorismo e o ataque em Nice
Por Fernanda Ravazzano
Mais uma vez presenciamos atônitos a um novo ataque terrorista; novamente o alvo escolhido foi a França, dessa vez a cidade de Nice.
Assim como o ataque em Boston nos Estados Unidos em 2013, chama a atenção a “simplicidade” com a qual o ataque foi elaborado e executado. No caso de Boston, os irmãos irmãos Dzhokhar e Tamerlan Tsarnaev criaram uma bomba caseira com uma panela de pressão e pregos, tendo à ativado durante a Maratona internacional da cidade, demonstrando que o terrorismo não respeita sequer o esporte, tido como símbolo de paz, momento em que mesmo durante uma guerra, são suspensos os bombardeios para se celebrar o esporte.
Em Nice o ataque foi igualmente comum, pois sequer foram utilizadas bombas, como nosso senso comum imagina e espera. O brutal e covarde ataque ocorreu com o uso de um veículo, que atropelou e esmagou mais de 80 (oitenta) pessoas, deixando num total mais de 100 (cem) feridas.
Tão incomum e ao mesmo tempo comum que provocou uma sensação de insegurança ainda maior não apenas nos franceses, mas em todo o mundo.
Entretanto engana-se quem pensa que o evento foi ao acaso, pois se trata de mais uma das finalidades do terrorismo: destruir o alvo quando nos locais nos quais ele se sinta seguro, ou, ao menos, não alerta.
Se observarmos o padrão dos últimos ataques terroristas no ocidente, todos os alvos foram cidadãos comuns, atingidos no seu local de trabalho/lazer, nos meios de transporte ou ruas, afora o próprio local de labor, como no 11 de setembro de 2001 na destruição das Torres Gêmeas (World Trade Center).
VITIMOLOGIA DOS ATAQUES TERRORISTAS
A palavra vitima possui como origem etmológica do latim victima, que seria o animal sacrificado, imolada em holocausto aos deuses.
A vitimologia, por sua vez, consiste no somatório da palavra victima e logos, que corresponde ao estudo da vítima, abrangendo o seu comportamento em relação ao crime e ao criminoso, bem como os procedimentos de vitimização.
Especificamente quanto ao tema desta coluna, ao tratarmos de ataques terroristas, devemos compreender que há mais de uma vítima a ser atingida propositadamente pelos autores, como ensina Hector Luís Saint-Pierre: a vítima tática, a estratégica e a política.
A vítima tática ou direta são os sujeitos atingidos pelo ato terrorista, os mortos, mutilados, lesionados, que tiveram seu direito de ir e vir cerceado ou aniquilado.
A vítima estratégica é justamente o alvo principal dos terroristas: as pessoas não atingidas diretamente pela ação, mas indiretamente. São os sobreviventes, ainda que sequer tenham estado presentes no momento do ataque, mas que nutrem o sentimento de pânico e impotência, que temem por novos ataques.
A vítima política, enfim, é o próprio Estado, que também entende sua incapacidade de prevenir o ataque terrorista e passa a imprimir esforços, no mais das vezes violando direitos e garantias fundamentais do cidadão comum, numa tentativa de evitar novos ataques. Pior: o Estado passa a compreender também suas limitações, a ponto de se sentir derrotado na luta contra o terror – a exemplo, justamente, da França, pois foram realizados 03 (três) ataques terroristas no intervalo de apenas um ano.
Um dos ataques, inclusive, ocorreu quando estava chegando em Londres em 26 de junho do ano passado; a sensação de pânico das pessoas sobreviventes e mesmo não relacionadas ao ataque recente em si – Londres foi alvo de um ataque terrorista em julho de 2005 – faz criar automaticamente uma sensação de insegurança e medo até em quem não está habituado a esta realidade – meu caso como brasileira.
A França foi novamente alvo de ataque terrorista em novembro de 2015 – este muito mais grave que o anterior – em Paris e, na semana passada, em Nice.
MODUS OPERANDI E A SENSAÇÃO DE IMPOTÊNCIA
No ataque ocorrido em 13 de novembro de 2015, os locais escolhidos foram a casa de shows Bataclan, as proximidades do Stade de France – no qual jogavam a seleção francesa e XXX – e restaurantes comuns. Bombas e tiros foram disparados, vitimando fatalmente 129 (cento e vinte e nove) pessoas.
Em 22 de março de 2016 o alvo dos ataques foi Bruxelas, capital da Bélgica, tendo também por alvo o aeroporto Zavetem e uma estação de metrô, com 34 (trinta e quatro) mortos e mais de duzentos feridos.
Agora em 14 de julho de 2016, novamente a França é atingida, ocorrendo o atentado em Nice, de uma forma que nos aterroriza ainda mais: o uso de um caminhão para atropelar e matar mais de 80 (oitenta) pessoas, afora os lesionados, em uma rua comum, onde transitavam várias pessoas.
A brutalidade e a simplicidade do ataque deixam as vítimas estratégicas ainda mais vulneráveis, aumentando ainda mais a sensação de insegurança e incapacidade de prever e conter os atentados.
A própria data escolhida pelos terroristas é simbólica: o 14 de julho é o Dia da Bastilha, símbolo da luta pela liberdade e que corresponde a um marco para o mundo ocidental. No dia da liberdade, a mensagem transmitida é de forma clara: não há mais liberdade, pois o medo aprisiona.
Percebemos, ao analisar o 11 de setembro de 2001 (ataque às Torres Gêmeas nos Estados Unidos), o 11 de março de 2004 (ataque à estação de trem em Madrid), 07 de julho de 2005 (ataque ao metrô e ônibus em Londres), 15 de abril de 2013 em Boston (atentado na Maratona de Boston) e os recentes atentados citados demonstram o modus operandi dos terroristas, quer sejam integrantes da Al-Qaeda, Jihad Ilsâmica ou Estado Islâmico: a preferência por datas simbólicas ou pontos simbólicos para a sociedade diretamente atingida, bem como o uso de locais comuns, para que as vítimas compreendam que não há liberdade, direito de ir e vir e que todos estão susceptíveis a um ataque terrorista.
Quanto mais comum for o local (trens, metrôs, restaurantes, casas de show, ruas movimentadas) maior é a sensação de insegurança e caos. É justamente essa a mensagem que um grupo terrorista – obviamente sem adentrar na ideologia que cerca cada um – deseja transmitir.
E AS OLIMPÍADAS?
Recentemente uma propaganda na página do Facebook da ABIN – Agência Brasileira de Inteligência – provou revolta nas redes sociais, por ser considerada xenofóbica e pouco útil do ponto de vista prático.
Segue abaixo a imagem a qual me refiro:
Com efeito, me parece pouco produtiva do ponto de vista prático. Qualquer pessoa que se destaque por utilizar roupa destoante das circunstâncias e do clima, sobretudo nas olimpíadas, me parece que será quase que a regra.
Basta comparar com as fotos tiradas no momento do atentado de Boston dos irmãos Dzhokhar e Tamerlan Tsarnaev. O mais novo, inclusive, usa boné para trás, mostrando o rosto.
A verdade é que até os países que já vivenciaram ataques terroristas não sabem como evita-los, o Brasil, em sua primeira ameaça concreta, ainda se encontra perdido.
Mas engana-se quem acredita que a mensagem da ABIN foi totalmente desarceratada: a tentativa é utilizar a estratégia norte-americana, do Direito Penal do Inimigo quanto aos suspeitos de terrorismo, denunciando a todos, com a máxima restrição da liberdade, a fim de evitar novos ataques.
Parece-me que a intenção é clara, mas exagerada. A imagem da propaganda da ABIN se encaixa, por exemplo, no padrão de qualquer jovem, seja ele brasileiro ou estrangeiro, e gerará o efeito oposto: maior sensação de pânico e insegurança, detenção de pessoas inocentes que podem, e muito, atrapalhar as verdadeiras investigações. Quanto mais tempo e recursos forem desprendidos com pessoas que nada tem a ver com o terrorismo – sem adentrar nas violações aos direitos e garantias – maiores as chances de não evitar um ataque. A nossa legislação, por sua vez, como já analisei nesta coluna, é igualmente ineficaz.
É preciso rever desde as posições preventivas do Brasil até quais serão, de fato, as respostas a um possível ataque.