Aspectos problemáticos na investigação preliminar
Aspectos problemáticos na investigação preliminar
O inquérito policial consubstancia-se em uma ferramenta para investigação preliminar, a ser realizada pela polícia acerca de eventual fato que eventualmente será configurado como delito.
Para Capez (2016), é o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial.
Embora seja dispensável, o inquérito policial é acostado em sua integralidade ao processo criminal, acabando por interferir na fase instrutória do feito, manipulando a verdade real e ameaçando a imparcialidade que se faz crucial para prolação de uma sentença legítima.
Para Aury Lopes Jr. (2003), mesmo que se diga que os atos do inquérito não podem ser objeto de valoração para justificar uma condenação, existe um grave perigo de contaminação (consciente ou inconsciente) do julgador, que deriva do fato de o inquérito acompanhar a acusação e integrar os autos do processo.
No curso do inquérito policial, não é possível preservar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Nesse diapasão, a investigação e as provas colhidas em sede preliminar são produzidas à revelia do acusado, motivo pelo qual as provas deverão ser repetidas em juízo para que possam fundamentar eventual decisum.
No entanto, embora cristalino que as provas produzidas em fase de inquérito são desprovidas de quaisquer garantias constitucionais, onde não há mínima defesa e há eminente caráter inquisitorial, tais aspectos não trazem à baila o condão de afastar tal instrumento dos julgadores e acusadores, sendo a ferramenta acostada na íntegra aos autos.
Verificada a problemática da produção de provas sem a observância do devido processo legal e que tais provas podem contaminar a persecução penal, há doutrinadores que defendem a teoria da processualização.
Tal teoria defende a aplicação do princípio do devido processo legal nos procedimentos investigativos, sendo os princípios do contraditório e da ampla defesa observados também nos procedimentos preliminares.
Dessa maneira, ao invés do inquérito apenas trazer para o processo o maior número de informações possíveis acerca de um determinado fato – em tese criminoso – acaba por rotular já de pronto o investigado, embrionando no indivíduo um rótulo que carregará por toda persecução criminal, na qual terá que se esmerar para provar inocência ante o rótulo de culpado que a instituição da polícia já foi capaz de lhe forjar.
Para além da função investigativa propriamente dita e a colheita do maior número de informações que se prestem a aclarar as probabilidades de autoria e materialidade, o inquérito gera e imputa a culpa, sendo o primeiro “rotulador” do sistema penal. Para além disso, quando juntado aos autos do processo, traz para o julgador uma verdade quase que absoluta “costurada” pela polícia.
Ao se deparar com a peça acusatória, o julgador inevitavelmente constitui uma preconcepção baseada exclusivamente nas provas produzidas de forma unilateral, buscando no decorrer da persecução penal indícios que corroborem ao narrado na denúncia.
Nesse sentido, por óbvio que a imparcialidade, princípio o qual deveria nortear a atuação do juiz na busca real na persecução penal, a fim de que se evitem inclusive erros judiciais, resta prejudicada e, por essa razão, podemos observar juízos altamente inquisidores e que antes mesmo do fim do processo já possuem uma “verdade própria” embasada por todo um sistema que já definiu o acusado como culpado.
Assim, destaca-se o entendimento de Aury Lopes Jr.:
A ânsia do juiz pela busca dos fatos que confirmem a hipótese acusatória inicial ameaça não só a imparcialidade como também a estrutura constitucional acusatória, pois a partir do momento em que temos um juiz-ator, gestor de provas, temos um processo inquisitório.
Para além de ameaçar gravemente a imparcialidade do julgador, o inquérito policial fomenta a seletividade do sistema de justiça criminal. É o primeiro instrumento que possibilita a criminalização e a rotulação de um indivíduo.
REFERÊNCIAS
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13. ed. São Paulo. Saraiva, 2016.
LOPES JR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2003.