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A assistência à saúde na execução penal

A assistência à saúde na execução penal

Entre as diversas assistências previstas no artigo 10 da Lei de Execução Penal, todas elas deveres do Estado para com o preso e a presa, uma nos interessa sobremaneira, dada a ocorrência de inúmeras denúncias por parte de familiares, no mais das vezes, de sua violação, que é a assistência à saúde.

De fato, o artigo 14 da LEP aduz que a assistência à saúde compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico, devendo os estabelecimentos penais contar com uma equipe ou um número mínimo de profissionais que regularmente zelem pelas condições de saúde.

Nesse sentido, as Regras Mínimas para Tratamento dos Reclusos das Nações Unidas, entre outras medidas, sugerem algumas que integrariam a assistência à saúde, tais como: todo estabelecimento penitenciário dispor de serviços de um médico qualificado que deverá possuir alguns conhecimentos psiquiátricos; a transferência dos enfermos que requeiram cuidados especiais para estabelecimentos especializados ou hospitais; a disponibilização dos serviços de um dentista qualificado; o exame por parte do médico a cada recluso assim que ingresse e posteriormente, caso necessário, para determinar a existência de uma enfermidade física ou mental e tomar as medidas cabíveis, assegurando o isolamento dos reclusos suspeitos de sofrer enfermidades infecciosas ou contagiosas, assinalando as deficiências físicas e mentais que possam constituir um obstáculo para a readaptação; a realização de visita diária por parte do médico a todos os presos enfermos, a todos que se queixarem de enfermidades e a todos aqueles sobre os quais chamem a sua atenção; a apresentação de informes pelo médico ao diretor do estabelecimento toda a vez que estime que a saúde física ou mental de um preso tenha sido ou possa ser afetada pela prolongação ou por uma modalidade qualquer de reclusão; e a realização de inspeções regulares no sentido de assessorar o diretor a respeito da quantidade, qualidade, preparação e distribuição dos alimentos; a higiene e a limpeza dos estabelecimentos e dos reclusos; as condições sanitárias, a calefação, a iluminação e a ventilação do estabelecimento; a qualidade e a limpeza das roupas e da cama dos reclusos; a observância das regras relativas à educação física e desportiva quando esta seja organizada por pessoal não especializado.

É evidente, como bem sabemos que a realidade prisional brasileira de hiperencarceramento não comporta muitas dessas medidas, haja vista o reconhecimento pelo próprio Supremo Tribunal Federal do estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, ainda que contemos com uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e a Resolução de nº 4, de 18 de julho de 2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, que aprova as diretrizes básicas para atenção integral à saúde das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional.

No que tange ao então chamado Presídio Central de Porto Alegre, hoje Cadeia Pública, quando do oferecimento de Representação perante a OEA, em Janeiro de 2013, restando medida cautelar deferida no mesmo ano ainda em vigor, constatou-se que notadamente diante as péssimas condições de alojamento, do problema da saturação do sistema de esgoto, somados à situação de superpopulação prisional e a não prestação adequada das assistências previstas nas leis de direito interno e de direito internacional, tem-se que se estabelece vínculo direto de causalidade com o número de pessoas doentes e mortas em suas dependências (REPRESENTAÇÃO ENCAMINHADA À OEA, 2013).

Em Relatório de Visita de Fiscalização, realizado pelo CREMERS, junto ao referido Presídio, em abril de 2012, constatou a referida entidade, a qual também subscreve Representação, da ausência de um plano de atendimento médico continuado: os presos do Presídio Central somente recebem atendimento médico quando solicitam, destacando-se que não há equipamento para reanimação de urgência, inexistindo isolamento de apenados portadores de doenças dos demais doentes (REPRESENTAÇÃO ENCAMINHADA À OEA, 2013).

Além disso, diante o fato de o Estado não ter mais qualquer controle sobre o que se passa no interior das galerias, bem como diante do quadro crônico de superpopulação, é presumível que as causas de morte na referida unidade penal, em sua maioria, derivam de problemas nas vias respiratórias.

Conforme levantamento realizado até 31/10/2011, no universo de 229 mortes (sendo 72% dentre indivíduos com até 40 anos), a broncopneumonia lidera, representando 53,23% dos casos; em seguida, a pneumonia e a tuberculose, em 39,17% e 33,14%, respectivamente (REPRESENTAÇÃO ENCAMINHADA À OEA, 2013).

E embora se desconheça a atualização dos referidos dados, é fato que diariamente os requerimentos de atendimento e tratamento médico são uma constante, permanecendo as doenças infectocontagiosas e o HIV, somadas a doenças sexualmente transmissíveis, sarna, entre outros, recorrentes na realidade prisional.

Por isso, já pontuei em outra oportunidade, que faz considerar que para além da violação dos mais comezinhos direitos do indivíduo, a experiência na execução penal demonstra uma cruel historiografia, conforme afirma Salo de Carvalho (2003), uma vez que depois de prolatada a sentença penal condenatória, o apenado ingressa em ambiente desprovido de garantias, exsurgindo essa decisão como uma declaração de ‘não-cidadania’, como formalização da condição de apátrida, nas suas palavras.

Na verdade, o sistema prisional brasileiro é o local da exceção, ou, melhor, nas palavras de Walter Benjamin:

A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’, no qual vivemos, é a regra.

Mariana Cappellari

Mestre em Ciências Criminais. Professora. Defensora Pública.

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