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A atipicidade da violação do direito de dirigir em âmbito administrativo

A atipicidade da violação do direito de dirigir em âmbito administrativo

Muito já se falou e se escreveu sobre a aplicação do crime de violação do direito de dirigir, previsto no artigo 307, da Lei 9.503/97 (CTB) em relação à penalidade, aplicada em âmbito administrativo, de Suspensão do Direito de Dirigir (SDD). Mesmo assim, o tema ainda não foi pacificado e, agora, surge um novo elemento nessa discussão.

Inicialmente, necessário discorrer sobre a consumação do delito previsto no referido artigo, que tipifica o Crime de violação de suspensão do direito de dirigir.

Em uma análise superficial, tendo como base a jurisprudência atualmente dominante nos tribunais (Estadual e Federal) do Rio Grande do Sul, denota-se a possibilidade da consumação do referido delito pela simples violação da penalidade de suspensão do direito de dirigir, independentemente de sua natureza jurídica, seja Administrativa ou Judicial, entendimento esse que, data maxima venia, afigura-se equivocado.

Da análise mais acurada do artigo 307, caput e seu Parágrafo Único, em consonância com os demais artigos do CTB – que regulam o tema em âmbito administrativo e criminal -, verifica-se que o legislador estabeleceu algumas especificidades na aplicação desse tipo penal, a começar com o cotejamento da conduta prevista no artigo 307 com aquela prevista no artigo 309, ambos do CTB.

Este trata do crime de dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir.

Para caracterizar o crime previsto neste artigo tem-se que a conduta precisará gerar perigo de dano, não bastando, para tal, apenas a simples violação da proibição legal. Já a mesma circunstancia agravante não se exige para a consumação do delito tipificado no artigo 307.

Antes de avançar à análise na esfera criminal, necessário deixar claro que, tratando-se de matéria unicamente de trânsito, a penalidade administrativa de cassação da CNH é mais gravosa que a de suspensão do direito de dirigir, segundo se extrai da leitura dos artigos 261 e 263, do Código de Trânsito Brasileiro.

Verificamos, ao analisar o caput do artigo 307, que este tipifica o cometimento de qualquer uma das duas condutas previstas, quais sejam, a de violar a suspensão para dirigir veículo automotor ou a de violar proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Ao analisarmos as condutas verificamos que a primeira – violar a suspensão, pode ser aplicada tanto no âmbito administrativo como judicial, enquanto que a segunda conduta – violar a proibição -, só poderá ser aplicada pela autoridade judicial.

Já em seu parágrafo único, temos reforçada a tese de sua aplicação apenas em relação a Suspensão Judicial, ao definir que, “nas mesmas penas incorre o condenado que deixa de entregar, no prazo estabelecido no § 1º do art. 293, a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação”.

Ao se referir à pessoa do condenado e ao prazo do § 1º do art. 293, que se refere a figura do Réu em sentença com transito em julgado, não há que se falar em penalidade administrativa. Assim, estão alinhados o entendimento dos doutrinadores Arnaldo Luis Theodosio Pazetti, Guilherme de Souza Nucci e Arnaldo Rizzardo.

No mesmo sentido, se posicionou o Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN – ao aprovar o volume II, do Manual Básico de Fiscalização de Trânsito – MBFT -, por meio da Resolução 561/15, ao estabelecer, na Ficha referente à infração do artigo 162, inciso II, que “caracteriza o crime revisto no artigo 307 do CTB apenas a violação da suspensão judicial”.

Há que se considerar, ainda, que o Direito Penal é norteado pelo princípio da intervenção mínima, do qual decorrem outros dois princípios: princípios da subsidiariedade e da fragmentariedade.

O princípio da intervenção mínima preconiza que a intervenção penal apenas se legitima quando a criminalização de um fato se constitui meio indispensável ou único meio para a proteção de determinado bem jurídico.

Sob a ótica da fragmentariedade, nem todos os ilícitos configuram infrações penais, mas apenas os que atentam contra os bens jurídicos fundamentais.

Segundo a subsidiariedade, somente haverá atuação do Direito Penal quando os demais ramos do Direito e os demais meios estatais de controle social tiverem se revelado impotentes.

Sob esse aspecto, não é razoável dispor do direito penal para tutelar um bem já tutelado de forma segura e eficaz pelo direito administrativo. Não se pode, deliberadamente, abrir mão da reserva do direito penal e invocar, como solução primeira, o que seria a ultima ratio.

Por conseguinte, em que pese as decisões judiciais proferidas em sentido contrário, a interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos legais leva à seguinte conclusão: somente a violação da suspensão do direito de dirigir, caso tenha sido imposta por autoridade judicial, enseja a tipificação no art. 307, da Lei nº 9.503/97.

Em se tratando de suspensão administrativa, a interpretação mais adequada é aquela que se inclina pela atipicidade penal da conduta, com o enquadramento na sanção administrativa do art. 162, inciso II, da Lei nº 9.503/97, sancionada com multa e a cassação da CNH.

Todavia, infelizmente são recorrentes as decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que ainda insiste em usar do Direito Penal para tutelar situações que, como exposto, poderiam ser resolvidas administrativamente, ignorando princípios norteadores de nosso ordenamento jurídico.

Cabe a nós não silenciar. Avante, sempre!

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