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Atos corruptos merecem pena maior? Eis a 3ª medida


Por Vilvana Damiani Zanellato


Outra proposta contida na terceira das “10 Medidas contra a Corrupção”, além do caráter de hediondo, conforme tratado na semana passada, cuida da elevação das penas privativas de liberdade para diversos delitos que envolvem ato de corrupção lato sensu.

Para os crimes de peculato (art. 312), inserção de dados falsos em sistema de informações (art. 313-A), concussão (art. 316, caput), excesso de exação (art. 316, §2º), corrupção passiva (art. 317) e corrupção ativa (art. 333), todos dispostos no Código Penal, o Anteprojeto prevê a alteração das penas-mínimas de 2 (dois) para 4 (quatro) anos de reclusão.

Em relação a essas mesmas infrações, há sugestão de alteração legislativa também de acordo com o valor da vantagem obtida ou do prejuízo causado, nas hipóteses em que cometidos por aquele que se encontra da condição de servidor público, que pode se iniciar de 7 (sete)[2], 10 (dez)[3] ou 12 (doze) anos[4]. Além disso, benefícios como a progressão do regime prisional, o livramento condicional e a substituição da pena por restritiva de direitos (se cabível) somente serão admissíveis nos casos em que o dano for totalmente ressarcido ou restituída a vantagem ilícita em sua integralidade.

Fora do rol dos delitos que constam do Título XI do Código Penal (Crimes contra a Administração Pública), a proposta traz modificação quanto ao estelionato quando praticado em detrimento da economia popular ou beneficência, com inserção de causa especial de aumento de pena em 1/3 (um terço), e, se perpetrado em detrimento do erário ou de instituto social, sugere também sanção mais gravosa que pode iniciar em 4 (quatro)[5], 6 (seis)[6] ou 8 (oito) anos[7]. Idêntica restrição, quanto às benesses anteriormente elencadas, também seriam aplicadas, condicionando-as à restituição e/ou ao ressarcimento.

Consoante destacado na abordagem que se deu à questão da “hediondez” dos citados delitos, o objetivo do anteprojeto é de demonstrar (e de legalizar) que comportamentos corruptos são condutas de alto risco, isso em decorrência do enorme dano social que causam. Porém, nos moldes como vêm sendo tratados na atualidade resultam quase sempre na sensação de impunidade.

Isso porque o patamar mínimo dos preceitos secundários hoje cominado pela legislação penal brasileira leva quase sempre à configuração da prescrição ou, caso se obtenha sucesso com o processamento veloz da ação penal[8], à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, rapidamente atingida pelo indulto ou comutação, ou seja, “nada ou quase nada”, na expressão utilizada pela Justificativa do Anteprojeto. Some-se a isso o fato de o cumprimento das penas geralmente iniciarem em regime aberto, em casa de albergado e que, na maioria das vezes, afora a falta de aparato fiscalizatório, são satisfeitas em regime domiciliar, diante da ausência desses tipos de estabelecimentos no local e da vedação de que o seja em condição mais gravosa que a legalmente estabelecida.

Ainda que se conheça a forte tendência hodierna entre respeitáveis penalistas, no sentido de que o direito deve intervir de modo mínimo (com o que se concorda), e apesar das críticas constantes quanto ao crescimento e agravamento do ordenamento jurídico em matéria penal, não se pode olvidar que, em determinados casos, à míngua de outras soluções ou searas que tragam resultado, maior rigidez pertinente a certas medidas mostra-se mesmo necessária.

A justificativa que ilustra o Anteprojeto, quanto a esses aspectos, é por demais esclarecedora. Veja-se fragmento sobre o tema:

“Como o furto e o roubo, a corrupção suprime patrimônio. Diferentemente do furto e roubo, a corrupção endêmica brasileira vitimiza a nação. A corrupção rouba a comida, o remédio e a escola de milhões de pessoas, prejudicando o futuro de todos. Essas circunstâncias acentuam bastante sua gravidade e também justificam a pena mínima proposta como uma reprovação proporcional ao gravame. Cumpre observar, aliás, que há projetos de lei em trâmite que sugerem penas ainda maiores para alguns dos crimes (PL 7.868/2014, por exemplo, estabelece a pena inicial de cinco anos para o peculato e a concussão), enquanto outras estabelecem o patamar idêntico ao proposto (PL 5.900/2013).

Se queremos um país livre de corrupção, esta deve ser transformada em um crime de alto risco. Como o homicídio, a corrupção mata. Contudo, diferentemente da maior parte dos homicídios, a corrupção é planejada e pensada, ou seja, é uma decisão racional que toma em conta custos e benefícios. A elevação da pena mínima constitui um desincentivo, um custo, da escolha pelo ato corrupto.

Quanto à gradação das penas desses crimes, embora entre as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, que regulam a individualização da pena, já se encontrem as consequências do crime, o valor do prejuízo ou da vantagem econômica constitui, no contexto normativo atual, apenas mais um dos fatores considerados na dosimetria da pena, que sempre parte do mínimo legal.

Contudo, em crimes contra a Administração Pública, o volume da supressão de recursos do Estado, além de ser a principal circunstância a ser sopesada, pode engendrar consequências gravíssimas. Os milhões, ou bilhões, suprimidos dos cofres públicos inevitavelmente afetam as diversas camadas da população em seus direitos essenciais, como segurança, saúde, educação (isto é, furtam-lhes a possibilidade de um futuro melhor) e, em última análise, a própria vida. Embora seja difícil, em concreto, estabelecer-se o nexo causal entre os desvios de verbas e a morte de pessoas (tendo em vista que a ofensa é difusa), não há dúvidas de que o desvio de verbas públicas em escala acentuada acaba por provocar mortes.

(…)

O aumento da pena proporcionalmente ao dano causado ou à vantagem ilícita auferida é adotada em outros países, inclusive com democracias mais avançadas e instituições mais amadurecidas e consolidadas (…).

(…)

Parece ser instintivo que as condutas que representam dano maior devem ser mais severamente apenadas, não só como retribuição, mas sobretudo pelo seu caráter dissuasório. Por essa razão é que se propõe que a proporcionalidade entre o resultado lesivo e a sanção criminal seja expressamente prevista em relação aos mais graves crimes do colarinho-branco praticado com abuso de função pública ou em prejuízo ao Erário, cujo potencial de danos é tão grande quanto o de crimes de violência. Corrupção mata e deve ser uma conduta de alto risco, risco esse que deve ser proporcional ao gravame que pesará sobre a população.

Por fim, tendo em vista a necessidade de adaptar os princípios da moderna Justiça Restaurativa também aos crimes praticados contra os interesses difusos, é que se propõe que a obtenção de benefícios e favores legais relacionados ao cumprimento da pena seja condicionada à reparação do dano e à devolução da riqueza indevidamente amealhada.

A proposta não é acanhada. Muda totalmente a concepção tão calejada de que o direito penal só atinge os menos favorecidos. Dela se extrai exatamente o contrário. Retira os enrustidos privilégios que beneficiam e elitizam a macrocriminalidade. Fala ela por si só. Não escuta quem não quer…


NOTAS

[1] Se o valor for igual ou superior a 100 salários-mínimos, equivalente hoje a pouco mais de R$ 80.000,00

[2] Se o valor for igual ou superior a 1.000 salários-mínimos, equivalente hoje a pouco mais de R$ 800.000,00

[3] Se o valor for igual ou superior a 10.000 salários-mínimos, equivalente hoje a pouco mais de R$ 8.000.000,00

[4] Se o valor do prejuízo ou da vantagem for igual ou superior a 100 salários-mínimos, equivalente hoje a pouco mais de R$ 80.000,00

[5] Se o valor do prejuízo ou da vantagem for igual ou superior a 1.000 salários-mínimos, equivalente hoje a pouco mais de R$ 800.000,00

[6] Se o valor do prejuízo ou da vantagem for igual ou superior a 10.000 salários-mínimos, equivalente hoje a pouco mais de R$ 8.000.000,00

[7] “(…) a corrupção é um crime difícil de ser descoberto ou provado, o criminoso só será punido em uma pequena parcela dos crimes que cometer, o que faz dela um crime altamente vantajoso. (…) Uma pena maior permite também um prazo mais dilatado para a sua investigação e processamento sem que o crime prescreva, o que é necessário, em decorrência de ser normalmente um crime de apuração complexa, praticado às escondidas“ (citação retirada da Justificativa do Anteprojeto)

_Colunistas-Vilvana

Vilvana Damiani Zanellato

Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral Eleitoral. Mestranda em Direito Constitucional. Professora de Direito.

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