ArtigosExecução Penal

Execução penal: para que serve a audiência admonitória?

A audiência admonitória tem previsão legal no art. 160, da LEP, cuja redação assim dispõe:

Transitada em julgado a sentença condenatória, o Juiz a lerá ao condenado, em audiência, advertindo-o das consequências de nova infração penal e do descumprimento das condições impostas.

Curiosamente, a nomenclatura admonitória não surge no art. 160, mas no § 2° do art. 159 do mesmo diploma legal:

O Tribunal, ao conceder a suspensão condicional da pena, poderá, todavia, conferir ao Juízo da execução a incumbência de estabelecer as condições do benefício, e, em qualquer caso, a de realizar a audiência admonitória.

Assim, a audiência admonitória somente existe na esfera da execução penal, e no caso específico da concessão do sursis (suspensão condicional da pena). Desta forma, não há que se falar em audiência admonitória no curso do processo penal, e tampouco devemos confundir com a outra modalidade de audiência realizada na execução penal, qual seja, a audiência de justificação. Esta ocorre a partir de uma falta grave por parte do apenado, que poderá culminar na regressão de regime.

Admonitória possui o significado de ser passível de admoestação, de reprimenda. Diante disso, conclui-se que se trata de uma audiência com a finalidade de advertência para o condenado, ou seja, o Estado estará deixando de executar a pena imposta, desde que o cidadão cumpra determinadas condições, e que ao final do tempo estipulado, restará extinta sua punibilidade.

Porém, o condenado fica advertido que se não cumpridas as condições determinadas pelo Juízo, ou se cometer novo delito nesse tempo de suspensão condicional da pena, o benefício será suspenso e será iniciada a execução da pena.

Feitos estes esclarecimentos, ainda é preciso entender o que vem a ser a suspensão condicional da pena, que vem definida e regulada no art. 77, do CP:

Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: 

I – o condenado não seja reincidente em crime doloso;

II – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;

III – Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.

§1º A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício;

§2º A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.

Assim, em regra, é preciso haver uma condenação no processo criminal de pena que não ultrapasse 2 (dois) anos ou 4 (quatro) anos para pessoas com mais de 70 (setenta) anos ou com sérios problemas de saúde, e, principalmente, que não tenha havido substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, conforme o art. 44, do CP.

Logo, a sentença proferida pelo juiz ou o acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça deve manifestar-se pela concessão ou denegação do sursis. É neste momento que o advogado deve alertar o cliente de que será futuramente realizada, no âmbito do juízo da execução penal, a audiência admonitória, onde serão esclarecidas as condições que deverão ser por ele observadas, bem como as consequências na hipótese de inobservância. O benefício será suspenso tanto se o apenado descumprir as condições impostas quanto se vier a cometer novo delito.

Portanto, é muito importante que se mantenham atualizados os dados do condenado, quando beneficiado pelo sursis, para que seja regularmente intimado e compareça na audiência admonitória. Se o apenado não comparecer e tampouco justificar sua ausência, a benesse será suspensa e, a partir de então, será executada a pena no regime imposto na sentença ou acórdão.

Na prática, o advogado criminalista não acompanhará audiências admonitórias com tanta frequência, pois é preciso um longo caminho para ocorrer a concessão do sursis. E, ainda assim, em sua vasta maioria, são realizadas pela Defensoria Pública. Mas, quando ocorrer, é importante que se tenha tranquilidade, pois, em tese, não há maiores dificuldades em sua realização.

Durante a audiência, uma vez efetuada a qualificação do condenado, o juiz promove a leitura da sentença ou do acórdão, enfatizando as condições que o beneficiado pelo sursis deverá cumprir durante os dois próximos anos – até o máximo de quatro – e que, se não cumpri-las, poderá ter a benesse suspensa.

É importante então que o defensor prepare o cliente, para que este se abstenha de contestar as condições impostas, evitando animosidades na sala de audiências. Qualquer impossibilidade momentânea de cumprimento das condições deve ser informada ao juízo, seja pelo próprio condenado, seja por meio de seu defensor, evitando prejuízo futuro.

Durante a minha vida profissional, tive a oportunidade de acompanhar algumas audiências admonitórias, na maioria das vezes oriundas de processos em que os réus tinham sido condenados a penas inferiores a dois anos por estelionato, falsidade ideológica e receptação.

Em nenhum desses casos eu havia atuado no processo criminal que culminou na condenação dos clientes. Daí a importância de o advogado ser detalhista e saber que, mesmo após a concessão do sursis em uma sentença ou acórdão, o cliente deve ser informado de que o juízo da execução realizará a audiência admonitória.

Certa vez, após acompanhar meu cliente em uma audiência admonitória, fui nomeado pelo juiz como ad hoc para estar presente na solenidade seguinte. Sempre colaborei com o Poder Judiciário nestas situações, e aceitei a incumbência. Lembro que, quando chamaram o condenado, ele estava muito irritado, razão pela qual pedi para conversar com ele uns minutos antes do ato. Na ocasião, o rapaz revelou que sua indignação era com o advogado anterior, que não lhe explicou nada sobre esta audiência.

Dialogando com o apenado, tentei acalmá-lo para que a solenidade fosse mais rápida e tranquila – para ele principalmente. Mas o rapaz não se conformava. Na verdade, sentia-se inocente das acusações ocorridas no processo criminal originário, e isso o atormentava muito ainda.

Havia entendido que não teria mais qualquer obrigação em relação aos fatos. Como advogado, tive de exercer a função de “psicólogo”, para colocar na cabeça do sujeito que, mesmo com condenação, ele precisa cumprir determinadas condições por um período para, daí sim, ter extinta a sua punibilidade.

Confesso que não foi simples. Tanto o juiz quanto o Promotor de Justiça perceberam a irritação do rapaz. Por muito pouco não foi inviabilizada a audiência e cancelado o benefício. Tratei de dar umas pisadas no pé do rapaz por debaixo da mesa, para que ele parasse de se manifestar. A partir desse momento, ele não se pronunciou e felizmente a audiência foi encerrada. Como foi a última daquele dia, assinei a ata, me despedi dos presentes e saí da sala.

O rapaz saiu um pouco antes e, no caminho da saída do foro, desculpou-se e disse que sua indignação quase o colocou na prisão por algo que não fez. Interessante que, nesse momento, ele fez exatamente a análise correta da situação que estava vivenciando antes. Enfim, certas vezes precisamos entender que determinadas pessoas precisam colocar para fora sua inconformidade.

Aquele rapaz deveria ter sido preparado para comparecer naquela audiência. Contudo, o advogado anterior provavelmente deu por encerrada sua atuação no momento da sentença. Como não houve recurso nem defensivo tampouco da acusação, não conversou mais com seu cliente. Toda aquela tensão poderia ter sido evitada caso houvesse o esclarecimento necessário ao término do processo criminal.

Fica a lição para fazer a diferença até em casos como esse.

Anderson Roza

Mestrando em Ciências Criminais. Advogado.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo