Audiência de custódia em casos de decretação de prisão preventiva
Audiência de custódia em casos de decretação de prisão preventiva
Olá, amigos! Espero que estejam bem.
O Brasil ocupa o alarmante terceiro lugar quando se fala em população carcerária do mundo e conjuntamente com essa superpopulação, agrava-se o problema da falta de vagas nas penitenciarias.
Estima-se que um déficit atual de mais de 300 mil vagas no sistema prisional. Esse crescimento da população prisional, a partir do século vinte, atingiu os índices médios de 7% ao ano, superando o número total do crescimento da população brasileira, o que atingiu índices de 161%. Atribui-se a isso, o uso arbitrário da prisão preventiva, que aumenta o número de presos provisórios, que segundos dados mais recentes, chegam a 221.054 (CONJUR,2017).
Nesse entendimento, estudiosos apontam que audiências de Custódia trazem um impacto benéfico e relevante para o sistema prisional brasileiro, uma vez que haveria diminuição significativa nos números de prisões preventivas, embora não se tenha um estudo detido sobre o tema.
A audiência de custódia é o instrumento processual que determina que todo preso em flagrante deve ser levado à presença da autoridade judicial, no prazo de 24 horas, para que seja avaliado a legalidade e a necessidade de manutenção da prisão.
A Audiência de custódia tem previsão legal extraída dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, sendo eles a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, internalizado por meio do Decreto nº 678/92 e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, internalizado por meio do Decreto nº 592/92.
Tendo em vista a hierarquia das normas e a posição ocupada pelos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, não há necessidade de previsão legal específica em lei ordinária no que tange à audiência de custódia, para que o preso seja obrigatoriamente levado, sem demora, à autoridade judicial.
Sabe-se que em nosso país a instrução processual criminal pode levar anos, prejudicando o réu que, sem contato com o juiz, não poderá expor sua versão dos fatos, tampouco demonstrar, satisfatoriamente que preenche os requisitos que lhe permitam responder ao processo em liberdade.
Com a implantação das audiências de custódia, determinando que o preso seja conduzido a presença física do juiz em até 24 horas, possibilita ao acusado expor os fatos sobre o contexto de sua prisão (sem adentrar no mérito da imputação), e, ao magistrado, garantir a efetiva justiça no caso concreto, podendo adotar uma das seguintes decisão: relaxar a prisão, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva (nas situações previstas no art. 312 do Código de Processo Penal) ou conceder a liberdade provisória (com ou sem imposição de fiança ou de outras medidas cautelares). Não se pode olvidar que a decisão tomada pelo juiz deverá ser motivada.
Vale lembrar que somente em 2019 a audiência passou a ter previsão no CPP:
Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente.
A apresentação do réu ao juiz em curto prazo se apresenta como garantia ao preso mas não torna possível observar qualquer benefício real ao conduzido.
Nas palavras de Anísio Gil de Sousa Júnior:
Sob esse aspecto de probabilidades que se contesta a máxima imposta ao dizer que audiência de custódia auxilia na redução da população carcerária. Sabe-se que frente a audiência de custódia o juiz que a preside – tampouco as partes – não têm acesso a quaisquer provas colhidas a partir do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD), sendo assim, se impõe um juízo de discricionariedade.
Após dois anos de implantação do modelo o CNJ publicou os dados estatísticos do resultado dessa prática dentre o prazo de outubro de 2015 a junho de 2017 . A arbitrariedade que se observa neste momento é a responsável por trazer discrepâncias avaliativas ao se analisar os dados das quatro opções de escolha retro citadas. A título de exemplo, no Rio Grande do Sul, cerca de 84,83% das audiências de custódia tiveram o convertimento em prisão preventiva. Por outro lado, no estado da Bahia o número de prisões em flagrante convertidas para a modalidade de prisão preventiva chega ao número de 38,75%.
No anuário Justiça em Números do CNJ, foi constatado que em 2018 o tempo médio de tramitação dos processos criminais baixados na fase de conhecimento do 1º grau, por tribunal é de 3 anos e 10 meses.
Em 2016, primeiro ano em que o anuário revelou essa informação e quando ainda não havia a implantação da audiência de custódia em diversos estados do país, o tempo médio era de 3 anos e 2 meses.
Não se quer aqui dizer que a audiência de custódia contribuiu com o aumento da morosidade do processo penal, tampouco dizer que foi fator determinante no impulsionamento em larga escala do sistema prisional brasileiro.
Também não se trata de uma leitura fria e utopista baseada em números ou matemática pura. A reflexão carece de análise cientifica e pormenorizada.
No ordenamento jurídico pátrio, a audiência de custódia surgiu como a panaceia, sendo certo que tal remédio não passa de utopia cara ao processo penal. A apresentação do preso é conquista histórica e deveras necessárias, como garantia de legalidade e dignidade da pessoa humana, contudo, outros fatores são determinantes para a manutenção da prisão do acusado, entre eles a gravidade do delito, a natureza e as circunstâncias e, e menor escala, razões outras sem justificativa legal ou moral, pois não é segredo que o processo penal, em qualquer parte do globo, é deveras seletivo, sobretudo nos países latino-americanos.
Assim, o raciocínio de que a audiência de custódia diminuiria a superlotação, maior problema do sistema prisional brasileiro, é indubitavelmente equivocado.
Também, embora seja espaço para o relato de abusos e violações de direitos humanos, não há indicativos de que tais abusos são investigados e punidos ou de que, tais audiências revertam em melhorias na qualidade do sistema prisional brasileiro, de modo que, o custo orçamentário das audiências de custódia, que envolve todo o aparato estatal, ainda não se justifica frente às prisões ilegais que se pretendeu rechaçar. Ainda que se revele a denúncia dos abusos por parte de policias no momento da prisão em flagrante, os números serão sempre aquém da realidade.
A bem da verdade, pela própria dinâmica em que ocorre a audiência, em boa parte dos casos, os presos se sentem intimidados, de modo que não revelam os abusos sofridos, com medo de retaliação. É certo que da audiência não poderão participar os policiais envolvidos diretamente com a prisão, mas outros policias participarão da audiência e não há dúvidas que tal formato já é suficientemente intimidador ao custodiado.
Espera-se um avanço no instituto, sobretudo no que tange aos atores processuais. É preciso conferir menor grau de discricionariedade, menos conceitos jurídicos abstratos, para que, de fato, a audiência de custódia alcance sua finalidade.
É preciso avançar, também, utilizando-se dos recursos tecnológicos que são cada vez mais utilizados em tempos de pandemia, para que se realize as ditas audiências com maior frequência, seja a prisão definitiva ou provisória, e não somente no momento da prisão, pois assim seria mais eficiente na tutela de direitos fundamentais dos presos, servindo de norte para combater as violações massivas de direitos que ocorre nos presídios.
A Audiência de Custódia é um direito humano, e, também, um direito fundamental de modo que não se pode negar sua importância e necessidade. Contudo, é necessário ajustes para que tal audiência não sirva apenas de instrumento de legalização de prisões arbitrárias e violações a direitos fundamentais dos presos.
FONTES AUXILIARES
JÚNIOR, Anísio Gil de Sousa Júnior. A ineficácia da audiência de custódia ante uma análise discricionária. Disponível aqui.
CNJ: Justiça em números 2019. Disponível aqui.
Justiça em números 2017. Disponível aqui.
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