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Audiência de custódia

No Brasil, surgida através do Projeto de Lei que tramita no congresso desde 2011 (PLS nº 554/2011), a audiência de custódia, embora ainda não regulamentadas pelo codex brasileiro ganhou os holofotes midiáticos e tem sido utilizada desde 2014, toda vez que o agente for preso em flagrante, devendo ser apresentado à autoridade judicial para que esta faça avaliação da legalidade e necessidade da manutenção da prisão, em até 24 (vinte e quatro) horas.

Para garantir a sua realização, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) impulsionou através da Resolução nº 213 de 15/12/2015 projeto que visa garantir a realização da audiência de custódia, dentre as quais destacam-se como principais, algumas considerações:

1. O art. 9º, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, bem como o art. 7º, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica);

2. O relatório produzido pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU (CAT/OP/BRA/R.1, 2011), pelo Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU (A/HRC/27/48/Add.3, 2014) e o relatório sobre o uso da prisão provisória nas Américas da Organização dos Estados Americanos;

3. As inovações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, impuseram ao juiz a obrigação de converter em prisão preventiva a prisão em flagrante delito, somente quando apurada a impossibilidade de relaxamento ou concessão de liberdade provisória, com ou sem medida cautelar diversa da prisão;

4. A condução imediata da pessoa presa à autoridade judicial é o meio mais eficaz para prevenir e reprimir a prática de tortura no momento da prisão, assegurando, portanto, o direito à integridade física e psicológica das pessoas submetidas à custódia estatal, previsto no art. 5.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no art. 2.1 da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes;

5. Recomendação CNJ 49 de 1º de abril de 2014;

Importante salientar que tal medida tem seu respaldo jurídico advindo do tratado ratificado em nosso país em 1992, na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San Jose da Costa Rica).

Por óbvio, os tradados internacionais os quais o Brasil é signatário tem caráter supralegal e devem ser cumpridos em consonância com cânone constitucional. Vejamos o artigo 7.5 do referido Tratado:

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Nessa senda, também assinala o artigo 9º do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York, senão vejamos:

(...) 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.

Vê-se que o respaldo legal vem da supralegalidade dos pactos e tratados internacionais acima listados.

Adentrando aos pormenores da realização, verifica-se que quanto à competência, a audiência de custódia será presidida por autoridade que detém competência para controlar a legalidade da prisão, ou seja, o agente deve ser levado à presença do juiz (o juiz plantonista que atualmente atua na homologação do auto de prisão em flagrante).

Ainda, deverão participar o representante do Ministério Público e o advogado de defesa, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa.

O preso será entrevistado pelo juiz, que poderá determinar o relaxamento de eventual prisão ilegal (art. 310, I, do Código de Processo Penal); a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 310, III, do Código de Processo Penal); a substituição da prisão em flagrante por medidas cautelares diversas (arts. 310, II, parte final e 319 do Código de Processo Penal); a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva (art. 310, II, parte inicial); a análise da consideração do cabimento da mediação penal, evitando a judicialização do conflito, corroborando para a instituição de práticas restaurativas ou, outros encaminhamentos de natureza assistencial.

Tais medidas, sem sombras de dúvidas evitam a judicialização do conflito, garantem o direito do preso e diminuem a superlotação carcerária, vez que no Brasil comumente o primeiro contato entre juiz e preso ocorria na audiência de instrução e julgamento, que, não raro, pode levar meses para ser designada.

Ainda, a implementação se faz necessária vez que o Código de Processo Penal prevê apenas o encaminhamento da cópia do auto de prisão em flagrante para que o juiz analise a prisão em flagrante (CPP, arts. 306 e 310).

Mesmo com reforma do código em 2008, tal descalabro não foi disciplinado, tão somente estabelecendo um prazo máximo de até 60 (sessenta) dias para a primeira audiência (rito ordinário), oportunidade na qual o preso seria ouvido.

O que se pretende com a realização da audiência de custódia é uma apreciação mais minunciosa e adequada do preso em flagrante, como forma de garantir os preceitos constitucionais do contraditório, ampla defesa e direitos humanos, vez que permite que o juiz analise possíveis casos de tortura, maus tratos, bem como a verificação de crimes ocasionais, corroborando para instituição de práticas restaurativas.

Assim, a criação das audiências de custódia limita o número de prisões arbitrárias e ilegais, que, por qualquer motivo, sejam desproporcionais e desnecessárias, além de garantir um controle judicial mais célere e eficaz sobre a legalidade impetrada.

Rodrigo Murad do Prado

Doutorando em Direito Penal pela Universidad de Buenos Aires. Mestre em Direito. Criminólogo. Defensor Público.

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