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Audiências de custódia: e a novela continua

Audiências de custódia: e a novela continua

Por meio da Lei 13964/2019, conhecida Lei Anticrime, a audiência de custódia ou apresentação passou a ter previsão no artigo 310 Código de Processo Penal com a seguinte redação

Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente (…).

Muito embora seja uma recente previsão no Código de Processo Penal, não se trata de novidade legislativa, eis que as audiências de custódia no Brasil já eram realizadas por força da Resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça, a qual teria dado efetividade das previsões constantes no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas(art. 9º, item 3) e Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica – onde aqui transcrevo o seu artigo 7º, itém 5

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Entretanto, em razão do estado de pandemia declarado pela Organização Mundial da Saúde em março deste ano, o Conselho Nacional de Justiça, após considerar, entre outras razões, a importância de assegurar condições para a continuidade da prestação jurisdicional, preservando-se a saúde de magistrados, agentes públicos e pessoas custodiadas, teria recomendado aos juízes e Tribunais a não realização das audiências de custódia (art. 8º das Recomendações 62/2020).

E assim, as audiências de custódia em tempo de pandemia viraram uma verdadeira novela!

Isso porque, além dos recentes embates entre CNJ e Poder Judiciário a respeito da possibilidade ou não destas audiências ocorrerem por meio virtual, agora teria o Supremo Tribunal Federal, em sede de medida liminar concedida na ordem de Habeas Corpus 186.421, de lavra do Ministro decano Celso de Mello, determinado a soltura de um homem que teve seu direito de imediata apresentação ao juiz negado, sem contar a sua prisão em flagrante ter sido convertida em prisão preventiva de ofício.

Como se vê, a citada decisão monocrática é contrária daquelas recomendações do Conselho Nacional de Justiça e nos parece que foi acertada, digna de elogios, principalmente ao justificar que

A audiência de custódia (ou de apresentação) – que deve ser obrigatoriamente realizada com a presença do custodiado, de seu Advogado constituído (ou membro da Defensoria Pública, se for o caso) e do representante do Ministério Público – constitui direito público subjetivo, de caráter fundamental, assegurado por convenções internacionais de direitos humanos a que o Estado brasileiro aderiu (Convenção Americana de Direitos Humanos, Artigo 7, n. 5, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Artigo 9, n. 3) e que já se acham incorporadas ao plano do direito positivo interno de nosso País (Decreto nº 678/92 e Decreto nº 592/92, respectivamente), não se revelando lícito ao Poder Público transgredir essa essencial prerrogativa instituída em favor daqueles que venham a sofrer privação cautelar de sua liberdade individual.

É certo que a realização das audiências de custódia no país sempre encontrou resistência. Num primeiro momento teria a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil formulado a ADI 5.240/SP para contestá-la e, atualmente, por força da ADI 6298 MC/DF proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros, estaria suspenso o trecho da lei anticrime que previa a soltura de presos pela não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas.

Enfim, nos socorrendo dos ensinamentos de AURY LOPES JR (2020, p. 677-679)e da justificativa do Min. CELSO DE MELLO lançada na medida liminar do mandamus aqui comentado, também nos parece certo de que a realização da audiência de apresentação jamais deveria ser uma novela sem fim, bem como causar qualquer resistência ou temor, conquanto a sua previsão é nota característica de evolução processual importantíssima na humanização do rito judiciário e, principalmente, por se constituir um  direito público subjetivo, de caráter fundamental.


REFERÊNCIAS

LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.


Leia também:

A recomendação 62/2020 do CNJ e o uso do HC coletivo


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