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Auditorias fiscais em empresas e prova ilícita

Auditorias fiscais em empresas e prova ilícita

Dizia Afonso Arinos que o sentimento de Justiça repousa na noção da limitação de poder: sua contenção para que não extravase na prepotência. Todo o poder deve ser limitado. É da essência humana a tentação a abusar do poder.

Ultimamente, o aumento do apetite arrecadatório estatal faz com que a ação fiscalizatória do Fisco resvale seguidamente para a ilegalidade. Tem sido corriqueiro agentes fazendários ingressarem em dependências de empresas, recolhendo toda a sorte de papeis e documentos, a pretexto de apurar eventual débito fiscal. Não pode ser assim. A auditoria fiscal deve ser exercida de acordo com os limites fixados na Constituição e nas leis.

Frequentemente, junto com documentos e dados pertinentes à relação jurídico-tributária, agentes fiscais também recolhem extratos telefônicos e bancários de diretores da pessoa jurídica, realizando cruzamento com informações da auditoria em andamento.

Não se confundem a empresa sob auditoria fiscal com as pessoas físicas de seus administradores, os quais não estão, naquele momento, sujeitos à ação fiscal, e não podem ter sua intimidade indevidamente devassada.

A garantia ao resguardo e ao sigilo de certas informações da vida pessoal dos cidadãos é expressão do direito à intimidade, e recebe a tutela constitucional.

Aliás, mesmo a apreensão de extratos bancários e telefônicos da própria pessoa jurídica sob auditoria fiscal depende de prévia ordem judicial.

A Lei da Administração Tributária/RS, determina que a apreensão de bens, equipamentos, livros, papeis e documentos, somente será possível, se houver necessidade para o exame fiscal, do que se conclui que somente poderão ser recolhidos livros e documentos pertinentes à relação jurídico-tributária, excluindo-se a apreensão de extratos bancários e telefônicos encontrados nas dependências da empresa, porque estão sob sigilo e não guardam relação com o objeto da auditoria (Lei Complementar Estadual/RS n.° 13.452/2010, artigo 18, inciso I, alínea d). Veja-se:

Art. 18. Compete ao Agente Fiscal do Tesouro do Estado, entre outras derivadas desta Lei Orgânica ou cometidas por outras leis ou regulamentos, as seguintes atribuições correspondentes:

I – ao exercício exclusivo da administração tributária estadual, compreendendo fundamentalmente:

(…) d) proceder à apreensão, mediante lavratura de termo, de bens, equipamentos, objetos, livros, papéis e documentos em qualquer meio de armazenamento, inclusive digital ou eletrônico, necessários ao exame fiscal. (destacou-se)

Com efeito, deve existir uma relação de pertinência entre os documentos apreendidos e o exame fiscal levado a efeito na empresa objeto da atuação fazendária, sob pena de ilicitude da diligência e dos elementos obtidos em seu âmbito, do ponto de vista processual penal.

Não se olvide que a Constituição Federal, em seu artigo 5.°, inciso LVI, estabelece a inadmissibilidade, em processos, de provas obtidas por meios ilícitos. E o Código de Processo Penal, por sua vez, no artigo 157, caput, como consequência dessa inadmissibilidade, determina o desentranhamento das provas ilícitas.

Assim, o Fisco, ao suspeitar da prática de sonegação de impostos, poderá noticiar o caso ao Ministério Público, que dispõe de ferramentas legais para a obtenção de dados e informações sigilosas. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n.° 1.055.941, Relator o Ministro Dias Toffoli, decidiu ser possível à Fazenda Pública obter junto às instituições financeiras, independentemente de decisão judicial, informações bancárias dos contribuintes, desde que no âmbito de processo administrativo e com prévia notificação do contribuinte.

Ressalte-se, entretanto, que o compartilhamento de dados sigilosos para fim diverso daquele para o qual foram obtidos, depende de autorização judicial, pena de caracterização de prova ilícita para fins penais.

Os fins não justificam os meios.

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Rodrigo de Oliveira Vieira

Advogado criminalista. Ex-Promotor de Justiça.

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