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A qual autoridade devo comunicar os depósitos mantidos no exterior?

A qual autoridade devo comunicar os depósitos mantidos no exterior? O crime de evasão de divisas está tipificado na regra do art. 22, caput e parágrafo único, da Lei 7.492/86, nos seguintes termos:

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: 
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.

A análise da regra evidencia a existência de três condutas distintas objeto de tipificação penal, sendo uma delas a manutenção de “depósitos não declarados à repartição federal competente” (art. 22, parágrafo único, segunda parte, da Lei 7.492/86).

Como se vê, a simples manutenção de depósitos no exterior não é crime. A conduta somente será considerada ilícita se os depósitos não forem declarados à autoridade federal competente. E aqui, surge a pergunta: qual é a autoridade para a qual se deve comunicar os depósitos mantidos no exterior?

Há quem defenda que a repartição federal competente para a qual os depósitos devem ser comunicados é a Receita Federal do Brasil (TÓRTIMA, 2002, p. 53-54).

Em que pese do ponto de vista tributário exista a necessidade de declaração de bens, direitos e valores mantidos no exterior – para que se evite a potencial prática de crime de sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei 8.137/90) -, parece-nos que a “autoridade federal competente” a que se refere o art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, não é a RFB.

É que os crimes tipificados na Lei 7.492/86 têm por bem jurídico objeto de tutela o sistema financeiro e não a ordem tributária. Logo, é incorreto pressupor que a autoridade competente, para quem se deve declarar os depósitos mantidos no exterior – para efeitos de evitar a prática de evasão de divisas -, seja uma autoridade tributária.

No contexto, a autoridade federal competente a que o art. 22, parágrafo único, segunda parte, da Lei 7.492/86 faz referência é o Banco Central do Brasil.

A previsão de que os depósitos mantidos no exterior devem ser declarados ao ente consta da regra do art. 1º, do Decreto Lei 1.060/69, que “dispõe sobre a declaração de bens, dinheiros ou valores, existentes no estrangeiro“, nos seguintes termos:

Art. 1º - Sem prejuízo das obrigações previstas na legislação do impôsto de renda, as pessoas físicas ou jurídicas ficam obrigadas, na forma, limites e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, a declarar ao Banco Central do Brasil, os bens e valôres que possuírem no exterior, podendo ser exigida a justificação dos recursos empregados na sua aquisição.

Essa imposição legal de declaração, ao Banco Central, dos valores mantidos no exterior, foi inclusive regulamentada através atos normativos do BACEN. No contexto, exemplificativamente, através da Resolução 2.911/01, fixou-se a forma da declaração e as sanções administrativas ao descumprimento da obrigação legal de declarar.

Posteriormente, com a Circular 3.181/03, previu-se que “os detentores de ativos totais (…) cujos valores somados totalizem montante inferior ao equivalente a R$ 3000.000,00 (trezentos mil reais) estão dispensados de prestar a declaração [ao BACEN].” (art. 3º)

Como se vê, há regras específicas que preenchem a elementar normativa “autoridade federal competente” prevista no art. 22, parágrafo único, segunda parte, da Lei 7.492/86, sendo que, para efeitos desse tipo penal, que tutela o sistema financeiro, o dever de declaração se dá em relação ao BACEN, nos termos do art. 1º, caput, do Decreto Lei 1.060/69 e dos atos normativos do próprio Banco Central que regem a matéria.

A posição aqui defendida inclusive a mesma adotada pelo Supremo Tribunal Federal, que no julgamento da Ação Penal 470 (Caso Mensalão) absolveu acusados de evasão de divisas, com fundamento em Carta Circular do BANCEN:

ITEM VIII DA DENÚNCIA. (...). MANUTENÇÃO DE DEPÓSITOS NÃO DECLARADOS NO EXTERIOR (ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, SEGUNDA PARTE, DA LEI 7.492/1986). SALDO INFERIOR A US$ 100.000,00 NAS DATAS-BASE FIXADAS PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL. DESNECESSIDADE, NESSE CASO, DE DECLARAÇÃO DOS DEPÓSITOS EXISTENTES. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. A manutenção, ao longo de 2003, de conta no exterior com depósitos em valor superior aos cem mil dólares americanos previstos na Circular nº 3.225/2004 e na Circular nº 3.278/2005 do Banco Central do Brasil não caracteriza o crime descrito no art. 22, parágrafo único, segunda parte, da Lei 7.492/1986, se o saldo mantido nessa conta era, em 31.12.2003 e em 31.12.2004, inferior a US$ 100.000,00, o que dispensa o titular de declarar ao Banco Central os depósitos existentes, conforme excepcionado pelo art. 3º dessas duas Circulares. Absolvição de JOSÉ EDUARDO CAVALCANTI DE MENDONÇA (DUDA MENDONÇA) e ZILMAR FERNANDES SILVEIRA (art. 386, VII, do Código de Processo Penal), contra o voto do relator e dos demais ministros que o acompanharam. (STF - AP 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 22.4.2013)

REFERÊNCIAS

TÓRTIMA, José Carlos. Crimes contra o sistema financeiro nacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2002, p. 53-54.

Bruno Milanez

Doutor e Mestre em Direito Processual Penal. Professor. Advogado.

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