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A (histórica) banalização das conduções coercitivas no Brasil

A (histórica) banalização das conduções coercitivas no Brasil

Nos últimos anos temos presenciado, especialmente no Brasil, não apenas uma expansão do poder punitivo estatal, mas, notadamente, do “direito penal do inimigo”, que tem alcançado também o direito penal econômico, como já tratado na coluna intitulada “Algumas dificuldades da defesa no direito penal do inimigo”.

Um dos sintomas desta expansão é os abusos das conduções coercitivas que tem se alastrado inclusive no direito penal econômico, sob os instigadores holofotes da mídia, que, via de regra, vilipendia e desmerece as garantias penais e processuais penais do cidadão.

A bem da verdade, é importante destacar (e protestar) que essa banalização brasileira das conduções coercitivas é um fenômeno histórico, tendo sempre sido comum na periferia, para persecuções criminais de delitos patrimoniais, da Lei de Drogas, em operações nas favelas – além de buscas e apreensões sem mandados, prisões em flagrantes falsos, entre outras tantas arbitrariedades contra essa gente.

Trata-se daquilo que o Prof. Zaffaroni chama de avanço do Estado de Polícia em face do de Direito que, como dito, é comum para os brasileiros mais pobres, que, por um lado, são completamente abandonados pelo Estado no que diz respeito aos direitos e garantias (individuais e sociais), mas, por outro, sempre lembrados para terem a dignidade arrancada pelo, não raro ilegítimo, exercício do poder punitivo estatal.

Muito bem, a banalização das práticas de conduções coercitivas tem se dado de ordem quantitativa e qualitativa, com uma massificação de um instrumento de investigação que deveria ser restrito às situações excepcionalmente previstas em lei.

Assim, primeiramente, exige o artigo 260 do CPP que as conduções coercitivas ocorrerão quando o acusado (com extensão para o investigado) não atender às intimações, circunstância que pressupõe, é evidente, a sua prévia intimação.

Neste ponto, o que pode ser observado é que as conduções se têm dado sem sequer ter havido intimação, num ilegítimo exercício do Poder de Polícia estatal para intimidar e humilhar o cidadão.

Como se não bastasse, tem-se realizado conduções coercitivas sem garantir o direito de defesa ao indivíduo, que, ou não tem advogado constituído, ou, se tem, não lhe foi disponibilizado acesso aos autos de investigação como garantido pela súmula 14 do STF, assim como pelo artigo 7º, XIV, da Lei Federal 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB).

Ora, é direito do cidadão ser representado por uma defesa que tenha tido tempo hábil para estudar os autos da investigação e poder, assim, lhe informar a razão da intimação e o teor da investigação.

Ao contrário, o que tem ocorrido é um espetáculo público de vilipêndio às garantias constitucionais com um estado policial que vem buscar o cidadão às seis horas da manhã, sem direito de defesa, mas tendo a sua dignidade truculentamente arrancada, com uma sórdida exposição para a família e a sociedade em geral.

Se isto tem acontecido para quem tem condições de contratar um advogado, quanto mais para quem não tem, e é obrigado a ser representado por uma Defensoria Pública que sempre foi abandonada pelos estados e pela União, não tendo condições de sequer ter contato com os assistidos antes das audiências, muito menos acompanhar a investigação preliminar.

É por isso que o Sistema de Justiça Criminal precisa, com urgência, estruturar as Defensorias Públicas para disponibilizarem mais profissionais para atuarem nas fases judiciais, e, especialmente, nas investigações preliminares, por ser o momento em que se forma a espinha dorsal da persecução criminal e traça os primeiros passos – não raro, os mais importantes – do processo penal.

Por fim, para além da necessidade de criticar a banalização das conduções coercitivas para colher depoimentos dos investigados – e também dos acusados –, precisa ser banida a prática, ainda que fosse conforme a disposição do artigo 260 do CPP, vez que inconstitucional.

É inconstitucional a condução coercitiva para interrogatórios – que, num vocábulo menos autoritário, seria esclarecimentos do investigado –, exatamente por contrariar o direito de não autoincriminação (art. 5º, LVIII, CR/88), situação que já fora inclusive reconhecida pelo STF nos julgamentos das ADPF’s 395 e 444.

Ora, se o cidadão investigado ou acusado possui o direito ao silêncio no seu depoimento, que é antes de instrumento de prova, um meio de defesa, qual a razão de buscá-lo com coerção para prestar depoimento?!

Não obstante, como se trata de Brasil, sabemos que não é suficiente nem uma previsão constitucional, nem uma decisão do STF, exigindo da defesa permanente vigilância e fiscalização dessas práticas nas persecuções criminais que, infelizmente, persistem em ocorrer.


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Núbio Mendes Parreiras

Mestrando em Direito Penal. Especialista em Ciências Penais. Advogado.

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