Bastardos Inglórios: fogo contra fogo
Bastardos Inglórios: fogo contra fogo
O sucesso de Quentin Tarantino em Bastardos Inglórios (2009) não veio unicamente dos diálogos memoráveis ou da extrema violência que tanto chama atenção em seus últimos filmes, em uma realidade colossal. Surge a partir de uma perspectiva histórica, que revela partes do conto em uma insurgência contra a ditadura violenta que se enraizava em desfavor de determinada etnia.
Nesse ponto, Bastardos Inglórios entra em uma luta de fogo contra fogo, olho por olho, bala por bala.
Nada muito diferente da vida real em uma época de desumanidades, quando grupos conhecidos como Partisans, formados por judeus que haviam conseguido escapar antes do comando nazista que os guiava aos guetos e consequentemente, aos campos de concentração.
Essas pessoas fugiam para as florestas da Europa Oriental unindo-se a qualquer exército ou milícia que combatessem os alemães. Muitos desses judeus, jovens que perderam a família num massacre desumano, juntavam-se a grupos que se intitulavam como “Vingadores”, mas que não possuíam qualquer material bélico para enfrentar uma batalha.
Dessa forma, como Robin Hood, saquear e se esconder nas densas florestas da Polônia e Ucrânia eram táticas de guerrilhas convencionais, utilizadas por milícias menos abastecidas tecnologicamente e com menor poder de fogo.
Sua forma de enxergar o direito alheio partia de um amplo estado de exceção, pois a guerra para essas pessoas era a manutenção da vida.
Ocorre que passaram a existir inúmeros grupos denominados partisans, os inglórios fugitivos da caça alemã. Alguns desses destacamentos se importavam unicamente com o resgate de judeus das casas de oficiais alemães, onde serviam de escravos para diversas funções.
Também resgatavam prisioneiros dos campos de concentração nazistas, em demandas que exigiam paciência, tempo e coragem, pois para os grupos de resgate era mais importante salvar um judeu que matar alemães.
O grupo partisan Bielski, que operava na Bielorrússia Ocidental entre 1942 e 1944, desenvolveu uma significativa resistência judaica, contribuindo para que mais de 1300 pessoas sobrevivessem ao final da guerra.
Um dos personagens icônicos da barbárie da guerra, que era combatida com violência, tanto de um lado quanto por outro, foi um menino de 12 anos chamado Mordechai “Mótele” Shlayan, único sobrevivente do massacre que dizimou sua família e amigos.
Ao rumar para as florestas polonesas, foi resgatado pela milícia partisan. Desenvolveu seu senso de luta a partir de um interacionismo com aquilo que desde a mais tenra infância lhe foi demonstrado: fuzilamentos, armas em punho, ódio e pavor.
Como era loiro, decidiu se fazer passar por polonês e entretinha os nazistas em um grande restaurante onde todos os dias um destacamento sempre se fazia presente para o almoço. Durante semanas, tocava seu violino na cidade de Ovruch, na Polônia ocupada.
Só que todas as tardes escondia, nos porões do estabelecimento, explosivos que roubava dos milicianos partisans em sua maleta, que, ao invés de transportar o equipamento musical, levava a morte.
Depois de algum tempo juntando a carga em local estratégico, numa determinada tarde, após ter almoçado e tocado seu instrumento para a farra nazista, fez o lugar voar pelos ares dizimando um pelotão inteiro.
Numa luta pela sobrevivência contra uma perseguição sem limites, qualquer humanidade que ainda reste é uma dádiva e uma maldição.
REFERÊNCIAS
LEVINE, Allan. Fugitives of the Forest. Connecticut: Lyons Press, 2008.
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