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Bastidores da redução da maioridade penal

Por André Peixoto de Souza

Essa será a grande pauta de 2016. Os congressistas irão insistir, a mídia vai acirrar o debate, a população enfurecida com a “onda de criminalidade” vai aplaudir. A espetaculização do Direito Penal (já chamaram de “datenização” do Direito Penal, em referência ao mais conhecido apresentador de programas policiais do Brasil) gera as frases que estamos ouvindo aos quatro cantos – bandido bom é bandido morto! – que aplaude execuções sumárias, linchamentos, espancamentos, “justiça” com as próprias mãos.

Toda essa aura de caça às bruxas, de esgotamento, de desespero de uma nação que teria atingido, pela via política, o auge de um suposto colapso existencial, mantém e reforça a mentalidade de execrar a “bandidagem” que vive solta por aí, roubando e matando sem a represália merecida. Estatísticas, índices, números lançados ao vento sustentam todas as teses que caminham nessa direção. E a TV mostra os “menores” (15 anos, 16 anos…) que cometem os crimes mais bárbaros, e que não conseguem expressar qualquer sentimento – muito menos um arrependimento – e joga-os ao julgamento da opinião pública. É isso a mentalidade. Fora os baluartes da crítica e alguns pouco estudiosos do tema, estamos todos preparados para aceitar (e até apoiar) a redução da maioridade penal.

Então, mais dia ou menos dia, teremos a “idade penal” equiparada à capacidade eleitoral (esse é um dos mais poderosos argumentos dos defensores da mentalidade). Muito em breve os adolescentes de 16 anos estarão equalizados a todos os demais que hoje respondem no sistema penitenciário – no processo penal – e receberão as penas que merecem. Essa é a sua meritocracia! (gostaria muito de um dia, aqui nesta coluna, falar sobre meritocracia – que absolutamente não foge da questão criminal/penal).

Vamos, pois, aos bastidores anunciados desde o título. O que está por trás dessa redução? Quais as consequências mediata e imediata dessa nova política penal?

A consequência imediata é o aumento da população carcerária. O último relatório do Ministério da Justiça (publicado em junho de 2015 com dados de 2014) aponta o Brasil em 4º lugar no quesito “número de presos”: passa de 600 mil (muito embora o CNJ tenha divulgado, na mesma época, um número maior que 700 mil). Nos últimos 10 anos, um aumento de 80%. Os EUA – 1º lugar disparado – têm hoje 2,2 milhões de presos. Também aumentando…

A faixa etária compilada no Infopen 2014 (MJ) demonstra que 75% (SETENTA E CINCO POR CENTO) – !!! – dos presos no Brasil têm entre 18 e 34 anos de idade. E só para destacar, 31% ficam entre 18 e 24 anos de idade. É o maior índice por faixa etária! A “aposta” da mentalidade é que os jovens entre 16 e 18 anos façam frente a esse maior índice, acrescentando ao sistema penal (carcerário, para ser mais explícito) um “volume” de aproximadamente 50% de presos. Saltaríamos de 600 ou 700 mil presos para um milhão de presos, num piscar de olhos!! Numa única lei aprovada!!

Mas esse, como dito, é apenas o efeito imediato! Existe um plano diabólico por trás de tudo isso. É o efeito mediato. Ora ora… é público e notório o problema enfrentado pelo sistema carcerário brasileiro. Em celas para 8 abarrotam-se 30 ou 40 pessoas. Alimentação, higiene, dignidade precaríssimas. Qual é a melhor resposta capaz de “resolver” definitivamente esse problema? Buscando hipóteses no “modelo norte-americano de primeiro mundo” é inevitável “sugerir” a privatização dos presídios! É isso!! Primeiro, constrói-se um problema, depois sugere-se uma solução! (o mesmo que faz a indústria químico-farmacêutica ao inventar doenças e epidemias para depois vender os remédios que já estavam prontos no laboratório e no estoque).

Prometo voltar ao tema da privatização dos presídios, mas por hora não posso deixar de dizer uma última palavra: os presídios norte-americanos – “modelos” apresentados pela mentalidade hollywoodiana – estão lançados na bolsa de valores! Cada preso é uma ação cotada em bolsa!! Os presos viraram commodities!! O ser humano virou um saco de milho ou de soja!!! A redução da maioridade penal prepara, dentre muitas outras coisas, a própria coisificação do homem.

_Colunistas-AndrePeixoto

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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